Resenha do
livro “DO CONTRATO SOCIAL”, de Jean-Jacques Rousseau
Comecei a ler
“Do Contrato Social” na feliz expectativa de conhecer um pouco mais o
pensamento do filósofo que inspirou o nome artístico de Renato Russo. E não me
decepcionei. Rousseau é um pensador apaixonado e apaixonante, que pontua suas
reflexões com tiradas brilhantes como:
“Advirto ao
leitor que este capítulo deve ser lido pausadamente e que não conheço a arte de
ser claro para quem não quer ser atento.”
“O homem nasce
livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais,
não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança?”
“Vemos, assim,
a espécie humana dividida como manadas de gado, tendo cada uma seu chefe, que a
guarda para devorá-la.”
“O mais forte
nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando sua
força em direito e a obediência em dever.”
“As almas
baixas não creem absolutamente na existência de grandes homens; vis escravos
sorriem com ar de mofa ao ouvirem a palavra liberdade.”
“As boas leis
contribuem para que se façam outras melhores, as más levam a leis piores.”
Muito boa é a
edição da Coleção Os Pensadores, que traz na introdução desse primeiro volume
dedicado a Rousseau um belo resuminho:
“Em síntese, a
civilização é vista por Rousseau como responsável pela degeneração das
exigências morais profundas da natureza humana e sua substituição pela cultura
intelectual. A uniformidade artificial de comportamento, imposta pela sociedade
às pessoas, leva-as a ignorar os deveres humanos e as necessidades naturais.
Assim como a polidez e as demais regras da etiqueta podem esconder o mais vil e
impiedoso egoísmo, as ciências e as artes, com todo seu brilho exterior,
frequentemente seriam somente máscaras da vaidade e do orgulho.”
Achei
especialmente interessante Rousseau destacar o “sentimento” (ou seria a intuição?)
como uma forma privilegiada de conhecer a si mesmo e ao mundo:
“Rousseau (...)
vê no intelecto uma faculdade que conduz o homem para fora de si mesmo.
Rousseau aponta o sentimento, essa ‘outra faculdade infinitamente mais
sublime’, como o verdadeiro caminho para a penetração na essência da
interioridade.”
“Para Rousseau
(...) a Natureza palpita dentro de cada ser humano, como íntimo sentimento de
vida.”
Mas o melhor de
Rousseau é mesmo a sua inflamada defesa da liberdade (e da igualdade):
“Ninguém como
ele afirmou o princípio da liberdade como direito inalienável e exigência
essencial da própria natureza espiritual do homem.”
Ninguém melhor,
portanto, que o próprio filósofo para expressar o seu pensamento a respeito:
“Se quisermos
saber no que consiste, precisamente, o maior de todos os bens, qual deva ser a
finalidade de todos os sistemas de legislação, verificar-se-á que se resume
nestes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade.”
E vejam só como
Rousseau exemplifica a Igualdade:
“(...) quanto à
riqueza, que nenhum cidadão seja suficientemente opulento para poder comprar um
outro e não haja nenhum tão pobre que se veja constrangido a vender-se”.
A maneira de alcançar
esses dois objetivos da liberdade e da igualdade, obviamente, é o Contrato
Social:
“Encontrar uma
forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado
com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece
contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.”
“Sendo todos os
cidadãos iguais pelo contrato social, o que todos devem fazer, todos podem
prescrever, enquanto ninguém tem o direito de exigir de outrem que faça aquilo
que ele mesmo não faz.”
Quando Rousseau
começa a examinar as minúcias de seu Pacto Social, alguns detalhes vão se
destacando. Como por exemplo, descobrir que o que consideramos hoje como “democracia”
seria classificado por Rousseau como “aristocracia”, como bem explica a nota de
Lourival Gomes Machado:
“Ora, na
democracia moderna o povo soberano escolhe um pequeno número de governantes aos
quais confia a função dos magistrados.”
Esse sistema de
“representantes do povo” é visto com extrema desconfiança por Rousseau:
“A ideia de
representantes é moderna, vem-nos do Governo feudal, desse Governo iníquo e
absurdo no qual a espécie humana só se degrada e o nome de homem cai em
desonra. Nas antigas repúblicas e até nas monarquias, jamais teve o povo
representantes, e não se conhecia essa palavra.”
Acho importante
tomar consciência dessas distinções sutis (ou nem tanto) entre o que entendemos
hoje como sendo uma democracia e a ideia que dela fazia um pensador como Rousseau,
distinções essas que vão expondo outras mais graves:
“Em toda a
verdadeira democracia, a magistratura não é uma vantagem mas uma carga onerosa,
que não se pode justamente impor mais a um particular do que a outro.”
Nisso toca em
minha mente uma campainha de alarme. Mas que tempos aflitivos que vivemos
atualmente, em que não se pode tecer uma crítica ao sistema democrático sem que
isso seja imediatamente visto como um flerte com a tirania e o autoritarismo (e
o mais incrível é que existem, de fato, massas humanas bradando contra a
democracia e clamando por ditaduras!). Digamos de forma eufemística que as
mentalidades de hoje oferecem um mínimo de espaço de manobra para reflexões
filosóficas... Por isso fique bem enfatizado o que foi dito acima: para
Rousseau, nada era mais importante que a liberdade e a igualdade. E o próprio
filósofo fez a inevitável ressalva:
“Tomando-se o
termo no rigor da acepção, jamais existiu, jamais existirá uma democracia
verdadeira.”
Encerro com
gratidão por essa leitura, citando mais alguns eloquentes trechos de “Do
Contrato Social”:
“Toda a justiça
vem de Deus, que é a sua única fonte; se soubéssemos, porém, recebê-la de tão
alto, não teríamos necessidade nem de governo, nem de leis.”
“Malo periculosam libertatem quam
quietum servitium.” [“Prefiro a liberdade perigosa à tranquila servidão.”]
“Afirmar que o
filho de um escravo nasce escravo é afirmar que não nasce homem.”
“Entre todos os
povos do mundo, não é em absoluto a natureza, mas a opinião, que decide a
escolha de seus prazeres. Melhorai as opiniões dos homens, e seus costumes
purificar-se-ão por si mesmos. Ama-se sempre aquilo que é belo ou que se julga
belo.”
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JÚBILO – Imago
MortisJÚBILO! é o “álbum
silencioso” do Imago Mortis, inicialmente concebido como um EP comemorativo do
jubileu de prata (25 anos) da banda. A obra foi composta em julho de 2020,
durante um dos piores períodos da pandemia do coronavírus, mas nunca chegou a
ser gravada. A publicação do livro físico “DIÁRIO DE UM IMAGO: contos e causos
de uma banda underground”, de Fabio Shiva, motivou o letrista a compartilhar o
álbum nesse formato de “sombra de canções”, apenas com as letras. Uma
experiência diferente, que vale a pena ser vivida. Boa catarse!
Leia o PDF grátis:
https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7971321