quarta-feira, 2 de outubro de 2024

ENSAIO SOBRE A ORIGEM DAS LÍNGUAS – Jean-Jacques Rousseau

 


Li com curiosidade esse texto relativamente curto, que acompanha “Do Contrato Social” no primeiro volume dedicado a Jean-Jacques Rousseau na Coleção Os Pensadores. O motivo da curiosidade é o subtítulo da obra: “No qual se fala da melodia e da imitação musical”. Queria muito saber o que Rousseau tinha a dizer sobre a música. Afinal ele mesmo foi músico, chegando a compor óperas e até a inventar um novo modo de notação musical.

E de fato, o filósofo apresenta algumas ideias interessantes sobre a música, como a sua proposição de que todas as consonâncias são, na verdade, convenções estabelecidas pelo hábito:

“Naturalmente, só existe a harmonia do uníssono.”

A leitura valeu também por essa divertida informação citada em uma nota de Lourival Gomes Machado:

“A medicina popular recomendava, para curar os efeitos da picada venenosa da tarântula, que o paciente dançasse ao som de música, afirmando outros que o envenenado se sentia impelido a dançar. Daí a ‘tarantela’ tiraria seu nome.”


 

Mas Rousseau apresenta outras sacações interessantes:

“Todos os povos que possuem instrumentos de corda são forçados a afiná-los por meio de consonâncias, mas aqueles que não os têm possuem nos seus cantos inflexões que consideramos desafinadas por não entrarem no nosso sistema e por não podermos grafá-las.”

A parte da música, contudo, é apenas secundária no ensaio que é destinado a estudar a origem das línguas:

“As do sul tiveram de ser vivas, sonoras, acentuadas, eloquentes e frequentemente obscuras, devido à energia. As do norte surdas, rudes, articuladas, gritantes, monótonas e claras, devido antes à força das palavras do que a uma boa construção.”

“Nossas línguas valem mais escritas do que faladas; leem-nos com mais prazer do que nos escutam. Pelo contrário, as línguas orientais perdem, escritas, sua vida e calor. O sentido só em parte está nas palavras, toda a sua força reside nos acentos. Julgar o gênio dos orientais pelos seus livros é querer pintar um homem tendo por modelo seu cadáver.”

“A palavra distingue os homens entre os animais; a linguagem, as nações entre si – não se sabe de onde é um homem antes de ter ele falado.”

“Quando se fala, transmitem-se os sentimentos, e quando se escreve, as ideias.”

Como não poderia deixar de ser, esse texto escrito por volta de 1759 (a data é incerta) já está bem defasado. Não deixa de ser interessante justamente pela verve de Rousseau, com suas frases de efeito e máximas:

“Como nos deixamos emocionar pela piedade? – Transportando-nos para fora de nós mesmos, identificando-nos com o sofredor.”

“O selvagem é caçador; o bárbaro, pastor; o homem civilizado, agricultor.”

E vamos para o segundo volume de Rousseau!


 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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O SINCRONICÍDIO: Sexo, Morte & Revelações Transcendentais – Fabio Shiva

Leia o PDF grátis:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7847612

Para celebrar o seu décimo aniversário, a Caligo Editora está disponibilizando gratuitamente o PDF do romance policial “O SINCRONICÍDIO: sexo, morte & revelações transcendentais”, de Fabio Shiva. Lançado em 2013, o livro chama atenção pela originalidade da trama, que mistura xadrez e I Ching.

“E foi assim que descobri que a inocência é como a esperança. Sempre resta um pouco mais para se perder.”

Haverá um desígnio oculto por trás da horrenda série de assassinatos que abala a cidade de Rio Santo? Apenas um homem em toda a força policial poderia reconhecer as conexões entre os diversos crimes e elucidar o mistério do Sincronicídio. Por esse motivo é que o inspetor Alberto Teixeira, da Delegacia de Homicídios, está marcado para morrer.

“Era para sermos centelhas divinas. Mas escolhemos abraçar a escuridão.”

Suspense, erotismo e filosofia em uma trama instigante que desafia o leitor a cada passo. Uma história contada de forma extremamente inovadora, como um Passeio do Cavalo (clássico problema de xadrez) pelos 64 hexagramas do I Ching, o Livro das Mutações. Um romance de muitas possibilidades.

Leia e descubra porque O Sincronicídio não para de surpreender o leitor.

 

E-book:

https://www.amazon.com.br/dp/B09L69CN1J

 

Book trailer:

http://youtu.be/Vr9Ez7fZMVA


 

Baixe o PDF gratuitamente:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7847612

 

 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

[R]EXISTIR – Antologia Poetrix 7 – Aila Magalhães e Goulart Gomes (org.) – Resenha na Rede


 


Conheça a BULA POETRIX


O hai-kai é uma pérola; o poetrix é uma pílula

Goulart Gomes

Com o objetivo de melhor definir o POETRIX, estabelecendo critérios quanto à sua forma e conteúdo que possam orientar mais precisamente os seus autores - os poetrixtas – a Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix (MIP) divulg esta BULA POETRIX, conjunto de orientações para o aperfeiçoamento e uniformização deste gênero literário.

1 POETRIX – Informações Técnicas

CONCEITO

Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título.

FORMAS MÚLTIPLAS

São criadas em contextos comunicativos e constituídas como derivações do POETRIX; sua elaboração tem como características básicas o dialogismo, a intertextualidade e a polissemia da linguagem. Identificadas e reconhecidas pelo MIP como Duplix, Triplix e Multiplix são mesclagens de dois ou mais poetrix que se compõem com a participação obrigatória de variados autores e com suas poéticas formando sentidos complementares entre si (individualidade-interação-universalidade).

2 CARACTERÍSTICAS DO POETRIX

2.1 O poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas.

2.2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor.

2.3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável.

2.4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do poetrix.

2.5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais.

2.6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente.

2.7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense).

2.8 O poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado.

3 COMPOSIÇÃO

O POETRIX deve ser composto por ao menos um dos seguintes elementos, inspirados nas Seis Propostas para o Próximo Milênio, de Ítalo Calvino:

3.1 CONCISÃO: o mínimo é o máximo. O importante é dizer muito, falando pouco. O poetrix é uma pílula, que tem seu propósito determinado; é um projétil em direção ao alvo;

3.2 SALTO: é a metamorfose da idéia inicial, provocada no segundo ou terceiro verso da estrofe, acrescida de outros significados, permitindo uma nova perspectiva de compreensão do poetrix;

3.3 SUSTO: é o elemento inusitado e imprevisível que provoca surpresa ao leitor; é a fuga do lugar-comum, da obviedade, que desconstrói e amplia horizontes, mostrando outros caminhos, possibilidades, contextos;

3.4 SEMÂNTICA: exploração da polissemia de determinadas palavras ou expressões, permitindo a possibilidade de variadas leituras ou interpretações;

3.5 LEVEZA: jeito multifacetado de utilização da linguagem. Nesse sentido, o uso de imagens sutis deve trazer leveza, precisão e determinação ao poetrix e, com isso, provocar, no leitor, a abertura de renovadas construções mentais impregnadas de imprecisões e indeterminações, de novas possibilidades de interpretar a realidade, de desanuviar a opacidade do mundo.

3.6 RAPIDEZ: máxima concentração da poesia e do pensamento; agilidade, mobilidade, desenvoltura; busca da frase em que todos os elementos sejam insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos que sejam os mais eficazes e densos de significado;

3.7 EXATIDÃO: busca de uma linguagem que seja a mais precisa possível como léxico e em sua capacidade de traduzir as nuanças do pensamento e da imaginação;

3.8 VISIBILIDADE: qualidade de expressar e pensar imagens, colocando visões em foco; reflexo da qualidade imagética do poetrix, em cor, sombra, contorno e perspectiva; é o substantivar da poesia;

3.9 MULTIPLICIDADE: expressão da pluralidade de possibilidades intertextuais e polissêmicas, provocando interações e criando novas formas;

3.10 CONSISTÊNCIA: através da fuga das obviedades, dos lugares-comuns, buscando expressar-se de forma original. O poetrix rompe, naturalmente, com antigos esquemas simplificantes e reducionistas e investe num sistema complexo, cujas categorias são opostas à simplicidade: a complexidade, a desordem e a caoticidade, próprias de sistemas não-lineares, capazes de realizar trocas com o meio envolvente.

4 INDICAÇÕES:

4.1 EXPLORAR O PODER DO TÍTULO,. para o qual não há limite de sílabas. Uma das grandes vantagens do poetrix é a existência do título, que habitualmente não existe no hai-kai .

4.2 MINIMALIZAR. Eliminar todas as palavras que estão sobrando. Escrever um poetrix é lapidar um diamante. Raramente um texto está pronto em sua primeira versão. É necessário, sempre, aprimorá-lo.

4.3 PESQUISAR. Uma idéia original pode ser enriquecida com informações complementares, ampliando-a em conteúdo e significado.

4.4 UTILIZAR FIGURAS DE LINGUAGEM. Em todas as formas poéticas, o uso de figuras de linguagem, metáforas, tropos e imagens enriquecem bastante o texto.

4.5 PERMITIR QUE O NÃO-DITO FALE. Evite menosprezar a inteligência e a perspicácia do leitor. O poetrix deve instigá-lo a buscar significados nas entrelinhas, a descobrir outros contextos e sentidos.

5 CONTRA-INDICAÇÕES:

5.1 EVITAR AS ORAÇÕES COORDENADAS. Um poetrix não é uma frase fragmentada em três partes.

5.2 NÃO CONFUNDIR POETRIX COM HAI-KAI. Para isso, é importante conhecer, também, os fundamentos do hai-kai, que tem suas próprias características.

5.3 CONJUNÇÕES EMPOBRECEM O POETRIX: mas, contudo, porém, todavia, não obstante, entretanto, no entanto, pois, geralmente não servem para nada em um poetrix, podendo ser eliminadas sem prejudicar o texto.

5.4 NÃO FORÇAR RIMAS. Poetrix não é trova. Às vezes pode-se dispensar completamente uma rima utilizando-se bem o ritmo, a sonoridade e a riqueza semântica das palavras.

5.5 POETRIX NÃO É PROVÉRBIO, MUITO MENOS DEFINIÇÃO. Muito menos, frase de parachoque de caminhão.

Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix

 


quarta-feira, 11 de setembro de 2024

AMPUTAÇÃO AFETIVA DE NÓS - Leonardo Triandopolis Vieira (Resenha na Rede)



Sobre o livro “Amputação Afetiva de Nós”, de Leonardo Triandopolis Vieira.

https://www.leoescreve.com.br/amputacaoafetiva

Uma distopia subdesenvolvida, um realismo fantástico subnutrido, uma novela confessional desalentada. Uma periferia da ficção construída na periferia de um país periférico e cada vez mais isolado da civilização. De civilização. Uma pré-história, porque, mesmo com algum passo avante, retrocedemos. Aniquilamos a história. Sem culpa ou memória, livres para repetirmos todos os erros que cometemos e fazemos questão de não lembrar, porém, com as bençãos de um anacronismo descarregado, tecnologia e (é) barbárie. Amputamos (queremos acreditar que nos amputaram) o afeto de nós. Logo o afeto, um órgão vital. Que bom que essa história não é sobre mim ou sobre você, é, sim (por que não?), sobre uma mística ilha, paraíso da democracia e da liberdade, ínsula soberana, chamada Hy-Brasil.

A presente edição enriquece a experiência de leitura com a inclusão de um capítulo apócrifo e um guia de chaves, um convite para investigar as profundezas desta obra provocativa e instigante.

https://youtu.be/11j-22rHTKA

 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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Contos da Era Bolsonaro - baixe o livro gratuitamente:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/6871467


Foi disponibilizado gratuitamente nas plataformas digitais o livro “TANTO TEMPO DIRIGINDO SEM NINGUÉM NO RETROVISOR: Contos da Era Bolsonaro”, de Fabio Shiva. Lançado pela Caligo Editora, o livro pode ser adquirido na Amazon:

https://www.amazon.com.br/dp/B085185THH


Quem preferir fazer o download gratuito do PDF, pode acessar o Recanto das Letras:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/6871467

 

Os contos do livro nascem de uma perplexidade comum a milhões de brasileiros: como é que Bolsonaro foi eleito? Como é possível que, depois de tantos absurdos, ainda tenhamos parentes e amigos apoiando fanaticamente o governo? O que aconteceu com essas pessoas? O que aconteceu com o Brasil?

 

Para lidar com os horrores do obscurantismo que assola o país, precisamos mais do que nunca das luzes da Arte. E é assim que a Literatura Fantástica surge como uma resposta lúdica e inesperada diante de mesquinhas realidades.

 

Nas oito histórias aqui reunidas, Fabio Shiva explora os pontos cardeais desse grande enigma brasileiro:

 

* Será que o bolsonarismo surgiu de uma epidemia cósmica? - “O ódio que veio do espaço”

* Ou será tudo parte de um audacioso plano traçado na espiritualidade? - “Acima de todos”

* Será que isso implica no fim do mundo como o conhecemos? - “A espera”

* Como será o futuro dominado pelas Fake News? - “Notícias da Democracia”

* E o que aconteceria se ninguém mais pudesse mentir? - “Verdade e Consequência”

 

Que essas e outras incômodas perguntas aqui apresentadas possam fortalecer os leitores em seu processo de resistência vital contra o culto generalizado da morte: a morte da natureza, a morte da educação e da cultura, a morte da diversidade, do respeito e de tudo o que nos faz ter orgulho de sermos brasileiros. Contra as trevas da ignorância, salve a nossa Literatura!

  

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

ANTES O VOO DE FERNÃO CAPELO GAIVOTA, QUE PASSA E NÃO DEIXA RASTRO

 


Resenha do livro “FERNÃO CAPELO GAIVOTA”, de Richard Bach

Li esse livro pela primeira vez aos 12 ou 13 anos. Antes já havia lido “Ilusões”, que Richard Bach escreveu depois de “Fernão Capelo Gaivota”. Dessas duas leituras ficou a impressão de um autor que falava sobre “algo mais” em suas histórias, que por conta disso traziam algo de mágico e misterioso para o leitor.

Aos 15 anos li de novo, dessa vez para a escola. Li para fazer uma prova no 2º ano do 2º grau do Colégio Marista São José, no Rio de Janeiro. A professora ter escolhido esse livro me surpreendeu por dois motivos. Primeiro, pelo livro não ser de autor de língua portuguesa. Segundo, por considerar o tema do livro um tanto esotérico demais para uma escola de padres. Olhando em retrospecto agora, acho que o motivo para essa escolha deve ter sido o filme que foi feito do livro (https://youtu.be/oCzCIRhFUMw), cuja exibição a professora organizou para as turmas daquele ano. Acho que foi só nessa exibição que atentei para o título original da obra, “Jonathan Livingston Seagull”, que foi tão criativamente traduzido como “Fernão Capelo Gaivota”!


 

Dali a uma semana fizemos a prova sobre o livro, ocasião em que testemunhei uma cena assombrosa: um colega chamado Giovanni, ao término do teste, segurou o seu exemplar de “Fernão Capelo Gaivota” entre as mãos fortes de atleta e de um golpe só rasgou o livro ao meio. Sobretudo a expressão no rosto dele ao destruir o livro foi o que me marcou. Até hoje, tantos anos depois, fico imaginando o que nesse livro incomodou tanto o meu colega a ponto de levá-lo a um ato tão dramático de vingança.

Por algum motivo sempre ligo essa lembrança a uma outra questão intrigante: o que levou Stephen King a publicar diversos livros sob o pseudônimo de Richard Bachman? O primeiro desses livros foi “Rage”, publicado em 1977, sete anos depois de “Jonathan Livingston Seagull” ter se tornado um fenômeno de vendas nos Estados Unidos, com mais de um milhão de cópias vendidas só na base do boca a boca. Sem contar que 1977 foi o ano do lançamento do segundo livro mais famoso de Richard Bach: “Ilusões: as aventuras de um messias indeciso”. Digo isso porque sempre tive como certo que Stephen King escolheu o pseudônimo de Richard Bachman como algum tipo de brincadeira ou ironia com o seu quase homônimo Richard Bach. Mas ao pesquisar sobre o assunto hoje descobri um artigo explicando que King escolheu esse nome para homenagear Richard Stark (pseudônimo adotado pelo escritor de livros policiais Donald E. Westlake) e a banda de rock Bachman-Turner Overdrive. O próprio King escreveu um texto contando essa história, e ele jamais menciona o nome de Richard Bach. Essa omissão me intriga. É como se o Rubem Fonseca tivesse lançado uns livros sob o nome de Paulo Coelhomem, e a escolha desse nome não tivesse nada a ver com o Paulo Coelho.


Pois então. Hoje, mais de trinta anos depois, li “Fernão Capelo Gaivota” pela terceira vez. Gostei muito, mas não tanto como imaginei que iria gostar. Penso que o livro pode ter ficado um pouco datado, o que se evidencia nas fotos que ilustram o texto. Lembro que essa edição recheada de fotos de gaivotas e do mar me encheram de deleite, lá pelos meados da década de 1980, mas visto sob um olhar de hoje, com tanta tecnologia envolvendo o tratamento (e até a criação) de imagens, essas belas fotos de Russell Munson parecem pouco nítidas, com montagens simplistas. E talvez o texto tenha ficado também com esse sabor “vintage”, pois certamente “Fernão Capelo Gaivota” é uma história que reflete admiravelmente o zeitgeist [espírito da época] dos anos setenta.


Nessa terceira leitura, o ponto mais luminoso foi a surpreendente ponte com a maravilhosa saga de “Musashi”, de Eiji Yoshikawa. Ao contar a história do maior samurai do Japão, Yoshikawa tece uma linda alegoria sobre o Caminho da Espada: buscar a perfeição na arte da esgrima equivale a buscar a perfeição espiritual. Ou seja, quanto mais hábil for em cortar a carne e os ossos dos adversários com espadas afiadas, mais próximo está o sujeito de alcançar a iluminação e de se tornar um com o Um. Essa ideia paradoxal aparece também, de forma bem mais suavizada, na busca de Fernão Capelo Gaivota pela perfeição no voo.


Esse tema me fascina e tem me levado a muitas reflexões. Há algum tempo cheguei a escrever um artigo propondo essa jornada espiritual em busca do aprimoramento pela via da literatura. Chamei esse processo de “O Caminho da Pena”. Para minha alegria, o artigo foi publicado em 2019 pela Mundo Escrito (https://mundoescrito.com.br/caminho-da-pena/).

Resumindo: “Fernão Capelo Gaivota” é um livro maravilhoso, que merece ser lido ao menos três vezes.



 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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MANIFESTO – Mensageiros do Vento

http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590

Um experimento literário realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é apresentar um diálogo contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre as diversas vozes de um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da consciência e levá-la a um surpreendente ritmo da consciência. A meta desse livro é gerar ondas, movimento e transformação na cabeça do leitor. Clarice Lispector, Ferreira Gullar, James Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são grandes influências. Por demonstrarem que a literatura pode ser vista como uma caixa fechada, e que um dos papéis mais essenciais do escritor é, de dentro da caixa, testar os limites das paredes... Agora imagine esse livro escrito por uma banda de rock! É o que encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do Vento, disponível aqui. Leia e descubra por si mesmo!

http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590


 

 

terça-feira, 3 de setembro de 2024

LIBERDADE, IGUALDADE E UM BOM SELVAGEM SONHANDO COM A DEMOCRACIA

 


Resenha do livro “DO CONTRATO SOCIAL”, de Jean-Jacques Rousseau

Comecei a ler “Do Contrato Social” na feliz expectativa de conhecer um pouco mais o pensamento do filósofo que inspirou o nome artístico de Renato Russo. E não me decepcionei. Rousseau é um pensador apaixonado e apaixonante, que pontua suas reflexões com tiradas brilhantes como:

“Advirto ao leitor que este capítulo deve ser lido pausadamente e que não conheço a arte de ser claro para quem não quer ser atento.”

“O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do que eles. Como adveio tal mudança?”

“Vemos, assim, a espécie humana dividida como manadas de gado, tendo cada uma seu chefe, que a guarda para devorá-la.”

“O mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando sua força em direito e a obediência em dever.”

“As almas baixas não creem absolutamente na existência de grandes homens; vis escravos sorriem com ar de mofa ao ouvirem a palavra liberdade.”

“As boas leis contribuem para que se façam outras melhores, as más levam a leis piores.”


Muito boa é a edição da Coleção Os Pensadores, que traz na introdução desse primeiro volume dedicado a Rousseau um belo resuminho:

“Em síntese, a civilização é vista por Rousseau como responsável pela degeneração das exigências morais profundas da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual. A uniformidade artificial de comportamento, imposta pela sociedade às pessoas, leva-as a ignorar os deveres humanos e as necessidades naturais. Assim como a polidez e as demais regras da etiqueta podem esconder o mais vil e impiedoso egoísmo, as ciências e as artes, com todo seu brilho exterior, frequentemente seriam somente máscaras da vaidade e do orgulho.”

Achei especialmente interessante Rousseau destacar o “sentimento” (ou seria a intuição?) como uma forma privilegiada de conhecer a si mesmo e ao mundo:

“Rousseau (...) vê no intelecto uma faculdade que conduz o homem para fora de si mesmo. Rousseau aponta o sentimento, essa ‘outra faculdade infinitamente mais sublime’, como o verdadeiro caminho para a penetração na essência da interioridade.”

“Para Rousseau (...) a Natureza palpita dentro de cada ser humano, como íntimo sentimento de vida.”

Mas o melhor de Rousseau é mesmo a sua inflamada defesa da liberdade (e da igualdade):

“Ninguém como ele afirmou o princípio da liberdade como direito inalienável e exigência essencial da própria natureza espiritual do homem.”

Ninguém melhor, portanto, que o próprio filósofo para expressar o seu pensamento a respeito:

“Se quisermos saber no que consiste, precisamente, o maior de todos os bens, qual deva ser a finalidade de todos os sistemas de legislação, verificar-se-á que se resume nestes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade.”

E vejam só como Rousseau exemplifica a Igualdade:

“(...) quanto à riqueza, que nenhum cidadão seja suficientemente opulento para poder comprar um outro e não haja nenhum tão pobre que se veja constrangido a vender-se”.

A maneira de alcançar esses dois objetivos da liberdade e da igualdade, obviamente, é o Contrato Social:

“Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes.”

“Sendo todos os cidadãos iguais pelo contrato social, o que todos devem fazer, todos podem prescrever, enquanto ninguém tem o direito de exigir de outrem que faça aquilo que ele mesmo não faz.”

Quando Rousseau começa a examinar as minúcias de seu Pacto Social, alguns detalhes vão se destacando. Como por exemplo, descobrir que o que consideramos hoje como “democracia” seria classificado por Rousseau como “aristocracia”, como bem explica a nota de Lourival Gomes Machado:

“Ora, na democracia moderna o povo soberano escolhe um pequeno número de governantes aos quais confia a função dos magistrados.”

Esse sistema de “representantes do povo” é visto com extrema desconfiança por Rousseau:

“A ideia de representantes é moderna, vem-nos do Governo feudal, desse Governo iníquo e absurdo no qual a espécie humana só se degrada e o nome de homem cai em desonra. Nas antigas repúblicas e até nas monarquias, jamais teve o povo representantes, e não se conhecia essa palavra.”

Acho importante tomar consciência dessas distinções sutis (ou nem tanto) entre o que entendemos hoje como sendo uma democracia e a ideia que dela fazia um pensador como Rousseau, distinções essas que vão expondo outras mais graves:

“Em toda a verdadeira democracia, a magistratura não é uma vantagem mas uma carga onerosa, que não se pode justamente impor mais a um particular do que a outro.”

Nisso toca em minha mente uma campainha de alarme. Mas que tempos aflitivos que vivemos atualmente, em que não se pode tecer uma crítica ao sistema democrático sem que isso seja imediatamente visto como um flerte com a tirania e o autoritarismo (e o mais incrível é que existem, de fato, massas humanas bradando contra a democracia e clamando por ditaduras!). Digamos de forma eufemística que as mentalidades de hoje oferecem um mínimo de espaço de manobra para reflexões filosóficas... Por isso fique bem enfatizado o que foi dito acima: para Rousseau, nada era mais importante que a liberdade e a igualdade. E o próprio filósofo fez a inevitável ressalva:

“Tomando-se o termo no rigor da acepção, jamais existiu, jamais existirá uma democracia verdadeira.”

Encerro com gratidão por essa leitura, citando mais alguns eloquentes trechos de “Do Contrato Social”:

“Toda a justiça vem de Deus, que é a sua única fonte; se soubéssemos, porém, recebê-la de tão alto, não teríamos necessidade nem de governo, nem de leis.”

Malo periculosam libertatem quam quietum servitium.” [“Prefiro a liberdade perigosa à tranquila servidão.”]

“Afirmar que o filho de um escravo nasce escravo é afirmar que não nasce homem.”

“Entre todos os povos do mundo, não é em absoluto a natureza, mas a opinião, que decide a escolha de seus prazeres. Melhorai as opiniões dos homens, e seus costumes purificar-se-ão por si mesmos. Ama-se sempre aquilo que é belo ou que se julga belo.”



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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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JÚBILO – Imago Mortis

JÚBILO! é o “álbum silencioso” do Imago Mortis, inicialmente concebido como um EP comemorativo do jubileu de prata (25 anos) da banda. A obra foi composta em julho de 2020, durante um dos piores períodos da pandemia do coronavírus, mas nunca chegou a ser gravada. A publicação do livro físico “DIÁRIO DE UM IMAGO: contos e causos de uma banda underground”, de Fabio Shiva, motivou o letrista a compartilhar o álbum nesse formato de “sombra de canções”, apenas com as letras. Uma experiência diferente, que vale a pena ser vivida. Boa catarse!

Leia o PDF grátis:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7971321

 

 

 

 

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

UMA LINDA HISTÓRIA DE AMOR ENTRE DUAS ALMAS QUE HABITAM CORPOS QUE SOFREM

 


Resenha do livro “JANE EYRE”, de Charlotte Brönte

Devo essa leitura à querida Teresa Fiore, que me surpreendeu ao afirmar que leu “Jane Eyre” nada menos que cinco vezes. Ela, por sua vez, ficou consternada ao descobrir que eu ainda não havia lido a sua obra favorita. Por isso tratei de corrigir a situação o quanto antes, para meu grande ganho.

Pois gostei muito dessa leitura, que fluiu com interesse e leveza do início ao fim. Publicado em 1847, “Jane Eyre” é um formoso bildungsroman ou “romance de formação”, que conta a vida, as tribulações e os aprendizados da heroína e narradora Jane, desde a infância até a idade adulta. Ao contrário da maioria das protagonistas femininas dos romances da época (e também de hoje em dia), Jane Eyre não é bonita e nem rica, mas não demora em cativar os leitores de sua saga com sua mente afiada e seu coração bondoso. Compreendi perfeitamente o fascínio e a força que essa personagem exerceu sobre minha amiga.

A autora Charlotte Brönte escreveu “Jane Eyre” aos 31 anos (publicando o livro inicialmente sob o pseudônimo de Currer Bell). Ela é a mais velha das famosas “irmãs Brönte”, que legaram ao mundo obras muito interessantes. Li há alguns anos “O Morro dos Ventos Uivantes” (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2020/04/o-morro-dos-ventos-uivantes-emily-bronte.html), de Emily Brönte, que me deixou muitíssimo intrigado. Pois são inegáveis o talento da autora e a força de sua narrativa. Contudo a história é original ao ponto de me parecer bizarra e até incompreensível sob muitos aspectos. Ao tentar solucionar esse enigma, a conclusão a que cheguei na época foi:

Ao saber que a autora desencarnou precocemente, aos 30 anos de idade, apenas um ano após publicar seu livro, comecei a formular uma curiosa teoria, que a meu ver explica as singulares características de “O Morro dos Ventos Uivantes”. Talvez Emily Brontë tenha sido uma criança azul nascida antes do tempo, vinda de algum planeta bem mais evoluído que o nosso. Assim, inevitavelmente ficou chocada com a grosseria e brutalidade que encontrou por aqui, o que a motivou a escrever uma história de amor passada entre tais feras. Sua psique refinada, contudo, não suportou por muito tempo o rude ambiente no qual estava confinada, e Emily voltou para as estrelas logo após nos deixar sua obra-prima, que também poderia ter se chamado “Os Brutos Também Amam”.


Diante do estranhamento que essa leitura provocou em mim, achei muitíssimo curioso que alguns amigos meus considerassem “O Morro dos Ventos Uivantes” o melhor romance que leram na vida... assim como a querida Teresa Fiore considera “Jane Eyre”, escrito pela irmã de Emily, como o melhor romance que já leu.

Ao ler agora “Jane Eyre”, minha perspectiva foi ampliada por um segundo ponto de vista. Assim como no caso de “O Morro dos Ventos Uivantes”, deparei-me com uma história original ao ponto de parecer exótica e até estranha, ainda que essa impressão de “esquisitice” tenha sido bem mais suave no romance de Charlotte Brönte que no de sua irmã Emily. Achei um ponto muito importante – e revelador – o fato de a espiritualidade entrar abertamente na trama de “Jane Eyre”, sem que a autora se preocupasse em dar qualquer explicação “lógica” ou “racional” para fenômenos aparentemente “sobrenaturais”.

Não posso entrar em detalhes para não cometer spoiler, mas essa presença marcante da espiritualidade, junto com o desfecho do romance, me fizeram ter a seguinte impressão de “Jane Eyre”: uma profunda e comovente história de amor entre duas almas que provisoriamente habitam determinados corpos... Daí ser absolutamente indiferente, para os amantes, que seus corpos passem por essa ou aquela circunstância, que significariam o fim ou no mínimo uma transformação brutal em relacionamentos que não estivessem alicerçados no vínculo entre suas almas.


Terminei a leitura mais que convencido de que as irmãs Brönte viam o mundo e a humanidade sob uma ótica bem diferente da maioria das pessoas. E fiquei muito curioso para saber mais sobre essas talentosas e tão originais escritoras.


   

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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HISTÓRIAS DE MAINHA

“É claro que minha mãe é muito mais do que as anedotas contadas aqui. Ainda assim, acredito que será possível, mesmo para quem não a conhece pessoalmente, ter acesso a algo de sua essência pela leitura deste livro. Não se trata de uma biografia, e nem poderia, mas sim de algo como um lúdico holograma. Em cada piada, em cada risada, espero que você tenha acesso a uma alegria mais profunda, que talvez seja inexprimível por meio das palavras.” (Fabio Shiva)

 

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sábado, 10 de agosto de 2024

A LEI DE TCHÉKHOV É CLARA: A ARTE DEVE SER SIMPLES (E COMPLEXA) COMO A VIDA

 


Resenha do livro “PEÇAS DE TCHÉKHOV”

Uma curiosa jornada literária me conduziu à leitura dessas Peças de Tchékhov. Tudo começou quando a Mundo Escrito postou o TBT de um vídeo (https://www.instagram.com/p/C5eHbh3C9lB/) em que eu respondia à pergunta: “O que é escrever bem?” Nesse vídeo, que data de 2018 ou 2019, eu menciono Shakespeare como “o maior escritor de todos os tempos”. Fiquei feliz ao ver o vídeo hoje e perceber que já avancei de lá para cá. Pois hoje estou mais consciente da pluralidade de literaturas, não me sendo mais possível enxergar um único escritor como “o maior de todos os tempos” – em que pese a minha imorredoura paixão por William Shakespeare.

Mas enfim, esse vídeo chamou a atenção de meu querido irmão poeta Adão Cunha, que me emprestou um longo artigo de Liev Tolstói baixando o sarrafo em Shakespeare. Foi uma absoluta surpresa descobrir que Tolstói (um autor que admiro muitíssimo) detestava Shakespeare tanto assim. Na maravilhosa troca de ideias que se seguiu com Adão, meu amigo comentou que só tinha um sujeito que Tolstói achava pior que Shakespeare: Anton Tchékhov.

Foi o suficiente para me fazer iniciar a leitura dessas Peças de Tchékhov, que eu dispunha em uma versão em inglês da Penguin Books (“Chehov Plays”), com tradução e introdução de Elisaveta Fen, que explica (em tradução livre minha):

“Na época em que Ivanov foi escrita, Tchékhov possuía noções muito bem definidas de como a arte dramática deveria ser. Ele disse a seus amigos que o teatro deveria ‘mostrar a vida e os homens como são, não como deveriam parecer se você os pusesse em pernas de pau’. ‘Deixe as coisas que acontecem no palco serem tão complexas e também tão simples como são na vida. Por exemplo, pessoas fazendo uma refeição à mesa, simplesmente fazendo uma refeição, mas ao mesmo tempo sua felicidade está sendo criada, ou suas vidas estão sendo esmagadas.’”

“Os personagens usualmente conversam da forma inconsequente e ilógica com que a maioria das pessoas o faz na vida do dia a dia. Situações e personagens arquetípicos são cuidadosamente excluídos, enquanto acontecimentos triviais e ordinários recebem pungência e significado pela sugestão de um contraste entre a aparente simplicidade das coisas e a subjacente complexidade do sentimento e da situação.”


Até então, eu só conhecia Tchékhov por sua fama como contista excepcional e por sua famosa “Lei”, que achei muito sábia e justa em minha jornada como escritor:

“Se um revólver aparece em determinada cena, ele deve ser disparado em uma cena seguinte.”

O que eu não imaginava é que o próprio Tchékhov levaria a sua Lei tão ao pé da letra: em quase todas as peças dessa antologia aparece um revólver, que de fato é disparado em seguida!

Mas há muito mais nessas peças que a mera utilização da célebre Arma de Tchékhov. Permeando as situações aparentemente banais do cotidiano, é perceptível uma constante indagação sobre o sentido da vida, em especial a partir da perspectiva da Arte. Como nessas falas do escritor Trigorin em “A Gaivota”, que talvez reflitam os dilemas do próprio autor:

“Estou obcecado dia e noite por um pensamento: devo escrever, devo escrever, simplesmente devo... Por algum motivo, assim que termino um romance, sinto que devo começar outro, então outro, depois outro... Escrevo com pressa, sem parar, e não posso fazer nada mais.”

“Um escritor menor, especialmente se não teve muita sorte, vê a si mesmo como desajeitado, estranho e indesejado. Ele fica nervoso e extenuado, e se sente irresistivelmente atraído para pessoas ligadas à literatura ou à arte, mas então fica apenas vagando no meio delas, sem ser reconhecido ou notado, incapaz de olhá-las direta e corajosamente nos olhos, como um jogador apaixonado que não possui nenhum dinheiro.”

“Sim, enquanto estou escrevendo eu gosto. Gosto de ler as provas também, mas... assim que a coisa sai impressa, não posso mais tolerá-la. Imediatamente vejo que não é como eu intencionava, que é um erro, que não deveria ter sido escrita de modo algum, então fico raivoso e deprimido...”


Também em “A Gaivota”, temos a atriz Nina, que parece expandir essas reflexões sobre a Arte e o sentido da vida:

“Acho que agora sei, Kostia, que o que importa em nosso trabalho – seja atuando ou escrevendo histórias – o que realmente importa não é a fama, ou o glamour, ou as coisas com as quais eu costumava sonhar, mas saber como suportar as coisas. Como carregar a sua cruz e ter fé. Eu tenho fé agora e não estou sofrendo tanto, e quando meu penso em minha vocação, não tenho medo da vida.”

É interessante notar que a Arte é descrita como um trabalho, um dever penoso a ser cumprido, em contraste com o ócio e a futilidade de uma aristocracia russa que via o trabalho como uma atividade para seres inferiores, como vemos nessa fala de “Três Irmãs”:

“Nós precisamos trabalhar, trabalhar! A razão pela qual nos sentimos deprimidos e temos uma visão tão sombria da vida é que nunca soubemos o que é fazer um esforço real. Somos filhos de pais que desprezavam o trabalho...”


Esse tema é uma constante nas peças de Tchékhov, para quem uma vida vivida no ócio é incompatível com a felicidade, como é belamente descrito nessas outras passagens de “Três Irmãs”:

“Não somos felizes e não podemos ser felizes; apenas desejamos a felicidade.”

“De algum modo a minha alma parece um piano caro que alguém trancou e cuja chave foi perdida.”

As peças de Tchékhov foram escritas entre o final do século XIX e o início do século XX. Em algumas cenas de “Três Irmãs” tive a impressão de que Tchékhov pressentia a Revolução que se aproximava daquele cenário aparentemente tão imutável:

“O tempo está chegando: há uma terrível nuvem carregada avançando sobre nós, uma poderosa tempestade está vindo nos refrescar! Sim, está vindo mesmo, já está bem próxima, e vai expulsar toda essa ociosidade e indiferença, esse preconceito contra o trabalho, essa podridão do tédio que aflige nossa sociedade.”

“Pode muito bem ser que no tempo que virá a vida que vivemos hoje pareça estranha, desconfortável e estúpida, não muito limpa e até pervertida...”


Já em “Tio Vânia” achei que Tchékhov estava profetizando bem além da Revolução Russa:

“Vocês seguem destruindo as florestas insensivelmente, e logo não sobrará mais nada na terra. Do mesmo modo vocês insensivelmente destroem os seres humanos e logo, graças a vocês, não haverá mais lealdade, nem integridade, nem capacidade de autossacrifício. Por que vocês não conseguem olhar para uma mulher com indiferença, a não ser que ela lhes pertença? Porque (...) há um demônio em cada um de vocês. Vocês não poupam nem a mata, nem os pássaros, nem as mulheres, nem uns aos outros.”

Foi mais do que auspicioso esse meu primeiro contato com a dramaturgia de Anton Tchékhov, detestado por Tolstói e amado por tantos. Anseio agora por ler os seus contos tão louvados, bem como assistir alguma de suas peças sendo encenada.


 

 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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