Depois de ter lido pra lá de vinte
livros do Ed McBain, desnecessário é dizer que sou fã do cara. Foi por isso que
gostei desse “Romance”, mesmo achando que o autor escreveu outros livros
melhores.
McBain aqui parece cansado, escrevendo
por obrigação, oscilando entre a melancolia e o sarcasmo. Mas não é que ele usa
isso de um modo bem criativo? O que me faz admirar cada vez mais o McBain é que
mesmo contando uma história fraca ele consegue ser bom!
A criatividade aparece principalmente
através da metalinguagem, elemento raro de se encontrar em romances policiais.
No primeiro plano está o recurso da “história dentro da história”: a trama gira
em torno de um grupo de atores ensaiando para a estreia da peça “Romance”, que
conta a história de um grupo de atores ensaiando uma peça chamada “Romance”!
Na peça, a Atriz (os personagens não têm
nome) é esfaqueada em um beco por uma misteriosa figura encapuzada. É claro que
a vida logo imita a arte, quando a atriz que faz a Atriz é esfaqueada no beco.
Caberá ao Detetive Steve Carella da 87ª DP investigar...
O que torna o livro fora do comum é que
além desse primeiro plano McBain acaba explorando novas e insuspeitadas
dimensões da metalinguagem. A impressão que tive foi que o autor
deliberadamente colocou o velho jogo do Whodunit
pra escanteio, ou melhor dizendo, transformou o Whodunit em McGuffin (ou
seja, um mero pretexto para colocar os personagens em ação)! Resumindo, acho
que McBain escreveu o livro como se fosse um filme dirigido por uma insólita
parceria entre Alfred Hitchcock e Woody Allen!!!
As referências a Hitchcock (velho
parceiro de McBain, que com o nome de Evan Hunter assinou o roteiro de “Os
Pássaros”) são explícitas. Já o toque do velho Woody não sei até que ponto foi
intencional. Ele aparece principalmente na autoironia por vezes amarga,
centrada no personagem que é o autor da peça, retratado como um imbecil pedante
e sem talento.
O terceiro plano de metalinguagem que
enxerguei nesse aparentemente despretensioso romance policial ocorre num nível
puramente literário, muito sutil. Um belo exemplo dessa surpresa que tive
acontece numa cena secundária, quando os policiais investigam as farmácias do
bairro em busca de uma pista.
Talvez por estar meio sem saco de
escrever uma história policial convencional, McBain resolveu brincar com a
narrativa de uma forma muito hábil. É como se o autor descortinasse de súbito o
véu da ficção, expondo para o leitor as maquinações ocultas de sua mente
criativa em movimento.
Vejam como é sutil: em uma das
farmácias, os detetives são atendidos por uma beldade que é descrita com o
clichê do clichê, algo que destoa por demais na prosa contida e elegante de
McBain. E logo em seguida, na farmácia seguinte, quem atende os policiais é um
personagem diretamente saído de um livro de Charles Dickens, totalmente
anacrônico. Senti que nesse trecho McBain quis ousar, mesmo que tenha sido para
se livrar do tédio!
Como dá para viajar lendo um simples
romance policial!
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