Resenha do livro “INVESTIGAÇÃO ACERCA DO
ENTENDIMENTO HUMANO”, de David Hume
Desde que decidi ler todos os volumes da Coleção Os
Pensadores (ao menos da edição que tenho comigo), elegi antecipadamente alguns “favoritos”,
que eu ansiava ler mais que os outros. E um desses era volume dedicado ao David
Hume, que já havia conquistado a minha admiração por conta dos estudos de
epistemologia na Faculdade de Comunicação Social da UERJ, na década de 1990.
Ocorre que Hume teve uma ideia sensacional, que
acarretou grandes repercussões na filosofia e na construção do conhecimento
científico desde então. Essa ideia, resumidamente, é a seguinte: as relações de
causa e efeito que estabelecemos nos fenômenos na natureza são meras crenças e
não possuem nenhuma veracidade intrínseca. Por exemplo, vemos a madeira
queimando e, em seguida, vemos cinzas. Daí inferimos que toda madeira queimando
se transforma em cinzas (ou seja, estabelecemos uma relação de causa e efeito).
Mas daí chega o David Hume e diz: nada nos autoriza a supor que a natureza irá
se repetir eternamente, por isso dizer que a madeira queimando se transforma em
cinzas é simplesmente uma crença apoiada na experiência, mas não é um enunciado
da verdade.
O impacto dessa ideia de Hume foi fulminante. Immanuel
Kant, outro grandão da filosofia (cujo volume na coleção Os Pensadores espero
ler em breve), chegou a dizer que “Hume o havia despertado de seu sono
metafísico”. Só no século vinte (ou seja, trezentos anos depois de Hume) é que
o desafio lançado por Hume pareceu ter encontrado uma resposta à altura em Karl
Popper, filósofo que propôs que a ciência se fundamentasse a partir de “ideias
falsificáveis”. Citando um exemplo famoso, a ciência deveria dizer que “todos
os cisnes são brancos”, sendo que a existência de um único cisne negro “falsificaria”
toda a teoria científica.
Tudo o que escrevi até aqui nessa resenha é o que
me lembro dessas aulas na UERJ, que assisti há trinta anos. Fico feliz com
minha memória, que dá conta também de minha expectativa ao finalmente travar
contato direto com a obra mais famosa de David Hume, “Investigação Acerca do
Entendimento Humano”. Contudo a leitura em si, se não chegou a ser uma decepção
total, foi bastante frustrante. O livro inteiro parece girar em torno dessa
única (e genial, sem dúvida) ideia de Hume, que a explora em todas as suas minúcias.
Mas não encontrei outras ideias que me empolgassem da mesma forma, nem de
longe. Poderia ter ficado com o resumo das aulas de epistemologia.
Mas longe de mim dizer que a leitura foi uma perda
de tempo. Pude detectar nessa obra um elo importantíssimo na solidificação do
que hoje considero um “ateísmo dogmático” nas ciências. Já falei sobre esse
assunto em várias resenhas de livros de filosofia e ciência. De modo bem
resumido: com o conhecimento de que dispomos hoje, não seria científico afirmar
que “Deus existe”. Mas do mesmo modo não seria científico dizer o contrário,
que “Deus não existe”. Contudo, o pensamento científico, progressivamente orientado
pelo cunho materialista (ou fisicalista, como se tem afirmado mais
recentemente, depois que as concepções estritamente materialistas foram detonadas
pelas descobertas da Mecânica Quântica e afins), chegou ao “ponto cego” de
afirmar que só é verdade o que é provado pela ciência, desconsiderando desdenhosamente
tudo o que diz respeito à espiritualidade. E é assim que temos hoje uma ciência
totalmente divorciada da sabedoria da espiritualidade e que, por partir do
pressuposto de que “Deus não existe” e de que “a vida não tem sentido”, se
permite enveredar por estudos que só aumentam a nossa capacidade de nos aniquilar
mutuamente e ao planeta inteiro conosco, quando poderia estar dedicada à
erradicação da fome, da miséria e da infelicidade no mundo...
O assunto é vasto e complexo, e não tenho a menor
pretensão de cobri-lo em uma humilde resenha. Menciono aqui de passagem, como
registro da importância que foi, para mim, descobrir como Hume foi um passo
importante nessa incrível jornada de um trevoso dogmatismo religioso (vivido
durante a Idade Média, com a Igreja ditando os saberes) para esse atual e comparativamente
luminoso dogmatismo científico, que coloca em risco a nossa própria existência
no planeta. Que Deus me dê saúde para testemunhar os próximos capítulos dessa
fascinante novela humana!
Ainda sobre Hume, não posso deixar de registrar a
minha consternação ao constatar que ele encerra a sua obra-prima afirmando enfaticamente
que os livros escritos de forma contrária ao que ele prega deveriam ser
sumariamente queimados:
“Quando percorremos as bibliotecas, persuadidos
destes princípios, que destruição deveríamos fazer? (...) Portanto, lançai-o ao
fogo, pois não contém senão sofismas e ilusões.”
Penso que esse deve ser um dos finais mais tristes
possíveis para uma obra de filosofia.
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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor
de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).
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Instagram: https://www.instagram.com/fabioshivaprosaepoesia/
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MANIFESTO – Mensageiros do Vento
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590
Um experimento literário
realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é apresentar um diálogo
contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre as diversas vozes de
um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da consciência e levá-la a um
surpreendente ritmo da consciência. A meta desse livro é gerar ondas, movimento
e transformação na cabeça do leitor. Clarice Lispector, Ferreira Gullar, James
Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são grandes influências. Por demonstrarem
que a literatura pode ser vista como uma caixa fechada, e que um dos papéis
mais essenciais do escritor é, de dentro da caixa, testar os limites das
paredes... Agora imagine esse livro escrito por uma banda de rock! É o que
encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do Vento, disponível aqui. Leia e
descubra por si mesmo!
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590