segunda-feira, 1 de abril de 2013


LIVRO DE MÁGOAS – Florbela Espanca


Amo essa portuguesa do século XIX, e essa sua primeira obra em particular  me encanta pela quebra de paradigmas. Verdade que sua vida foi coberta de amores fracassados, desilusões e desastres, o que contribuiu muito para o teor melancólico de suas obras, e para a desordem psicológica em que sempre se encontrou, e o que a levou a morte prematura aos 36 anos, no dia do seu aniversário. Alguns dizem se tratar de edema pulmonar, outros de suicídio por medicamentos, já tentado outras vezes. É fácil sentir-se espelhada em suas páginas, na sua solidão, no seu sofrimento feminino e no seu desencanto permanente.

Sua obra não traz uma linha definida literária, pois nem ela mesma seguia o que estava dentro de nenhuma definições, e seus excessos e sua intensidade não agradam a qualquer modernista. Pela sua subjetividade, pela sua busca da essência, pelo seu mergulho no eu mais profundo dos abismos, pela presença de substantivos abstratos, metáforas, comparações, sinestesias, anti-materialismo, pessimismo, pelo seu individualismo, dor na existência, interesse pela morte e pela loucura, por sua condição de não obedecer regras, eu a classificaria não como uma romancista própria da sua época, mas como uma simbolista...mas enfim, quem sou eu para essa definição.

Essa obra nomeada primeiramente como 'Trocando Olhares', e após revisada e complementada ganha o nome final, é composta por 32 sonetos carregados com suas maiores tristezas. Publicada depois de sofrer um aborto em 1919,  concentra toda a infelicidade constante da autora...suas dores maiores, suas desilusões e toda sua emoção alucinada. As páginas parecem que choram, e o leitor entra nessa viagem sem sentir, fazendo da dor profunda da autora a sua própria dor. Florbela faz uma homenagem a Eugenio de Castro e a Verlaine em sua epigrafe...simplesmente lindoooo!!!

Florbela mostra preocupação somente com o amor...suas linhas não falam em outra coisa, declarando toda sua obsessão por esse sentimento que a matou. Suas obras são marcadas pelo teor de diário íntimo, e essa em especial, com mais alusão ao desencanto, mas com muita beleza e muita emoção. Essa é Florbela...



Adoro o modo com que contrapõem os binômios mais intensos nessa obra...que fala da mulher em libertação, que declara sem medo o pecado, a sedução, o amor que sente desenfreado e alucinado, a paixão como fonte de vida, com forte erotismo feminino, a moral desatinada de uma eterna apaixonada pelo ser humano oposto, com sua alma sempre indomável.

Florbela rompe nessa obra, com a tradicional visão feminina do amor, demonstrando todo seu eu lírico, ato que só era permitido aos poetas homens como forma de expressão. O sonho e a realidade se confundirem nas suas páginas, é mesmo uma obra inquieta, insatisfeita, incompreendida, uma busca pela identidade, pelo equilíbrio perdido, e pela alegria, parceira tão distante de sua vida.

Enfim...a obra trata da contemplação de sua própria dor...das suas próprias mágoas, de suas desilusões mais profundas, suas fraquezas, suas loucuras e devaneios mais íntimos. Eu adorei, mas confesso que é um tanto sinistra e muito melancólica. Terminei a obra tentando desgrudar de mim, a solidão que as páginas       me envolveram, uma espécie de angústia literária difícil de se despir. Quem lê muito sabe a sensação que uma obra intensa nos causa. 
Este soneto abaixo abre a obra, como uma apologia a seu denso teor...aqui vai....Florbela por Florbela....

ESTE LIVRO
Este livro é de mágoas.Desgraçados os
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode, talvez, senti-lo...e compreendê-lo.

Este livro é para vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!
Bíblia de tristes...Ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

Livro de Mágoas...Dores...Ansiedades!
Livro de Sombras...Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo...(Trouxe-o no meu seio...)

Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...

Quem sentir algum desejo em lê-la...aqui está em Domínio Público.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1802

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