Acabo de ler um conto escrito
em 1877 por um dos grandes nomes do Realismo francês. A obra primorosa Um coração simples narra uma existência
tão sutil e complexa, que se não fosse trazida ao centro das atenções por
Flaubert deixaríamos escapar a Felicidade. A protagonista é tão intensa e
afetuosa quanto sem voz e nebulosa. Felicidade tem uma vida inteira de perdas,
tristezas e sofrimentos o que distancia sua realidade da ideia que traz seu
nome motivado.
Ela é criada por terceiros
depois da morte dos pais, expulsa da casa onde foi empregada por um furto que
não cometeu e aos dezoito anos deposita toda a sua esperança em um possível
casamento que não acontece. Assim, resolve sair de casa e trabalhar para a
decadente Senhora Aubain sendo uma serviçal invejável, trabalhando muito e de
forma automática. Depois dos cinquenta não aparentava ter nenhuma idade, prova
de sua existência imperceptível. E quem nunca ouviu que a felicidade é tão
simples que por vezes a deixamos escapar?
Felicidade perde o sobrinho
marinheiro que falece em uma viagem, perde a companhia dos filhos da Senhora
Aubain por quem tem veneração e através de quem absorve a pouca educação que
tem. Ela vive e aprende por intermédio de terceiros e se como a Macabéa de
Clarice tem alma rala, também como ela tem um coração singelo. Ela é um dia de rouquidão, não teve direito de
gritar.
Ao perder qualquer motivo de
felicidade, ela se apega ao papagaio Lulu, a quem direciona sua devoção e, após
sua morte, sua religiosidade, empalhando o animal e guardando-o como símbolo sagrado.
Até o final ela é inacessível
ao autor que abusa das descrições como se quisesse abordá-la de surpresa.
Persegue-a sem sucesso. Ela escapa. Escapa como as borboletas escapam do
armário de Virgínia depois de sua morte. Escapa como as pessoas que saíram de
sua vida subitamente. Na hora de sua morte, ao ver Lulu, único ser que
espiritualiza, ela escapa de vez, envolvendo-se em dourado. Esvai-se como
perfume. Leva consigo uma tentativa de efeito
de real. O real dos olhos endurecidos e anônimos que passam por nós todos
os dias e que também nos escapa. O real
da vida simples. Simples como a felicidade que não apreendemos.
Linda resenha! Instigante!
ResponderExcluirMuito obrigada pela gentileza Renata.
ExcluirMuito linda a resenha!
ResponderExcluirA história me evocou um pouco "Uma Vida em Segredo" do Autran Dourado, será que tem a ver?
Irei saber jajá. A leitura desse livro de Autran Dourado será uma das próximas rs. Obrigada querido!
ExcluirEba!!! Queremos resenha viu!!!
ExcluirObrigada queridoo!
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