Resolvi fazer essa resenha aos poucos,
ao longo do caminho, como um diário de bordo. Pois a viagem é longa e cheia de
aventuras.
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Para quem nunca leu e nem pretende ler o
“Ulisses” de James Joyce, separo esse trecho para dar um gostinho da leitura. É
justamente o parágrafo que acabo de ler agora:
“Inelutável modalidade do visível: pelo
menos isso se não mais, pensado através dos meus olhos. Assinaturas de todas as
coisas estou aqui para ler, marissêmen e maribodelha, a maré montante, estas
botinas carcomidas. Verdemuco, azulargênteo, carcoma: signos coloridos. Limites
do diáfano. Mas ele acrescenta: nos corpos. Então ele se compenetrava deles
corpos antes deles coloridos. Como? Batendo com sua cachola contra eles, com os
diabos. Devagar. Calvo ele era e milionário, maestro di color che sanno. Limite do diáfano em. Por quê em? Diáfano,
adiáfano. Se se pode pôr os cinco dedos através, é porque é uma grade, se não
uma porta. Fecha os olhos e vê.”
A tradução é de Antonio Houaiss.
Estou na página 42. Faltam só 811.
(22.02.11)
ULISSES
– James Joyce
Comecei a ler esse livro há mais de um
ano. Até o mês passado, devagar e quase nunca fui chegando até a página 50 e
poucos. Agora em menos de um mês li umas duzentas páginas!
Primeiro ponto: demorei mais para ler
não pela leitura em si, mas por minha disposição interna. Sempre colocava outra
leitura na frente. Mas o fato do livro ser grande e pesado soma-se ao desafio
intelectual proporcionado pelo texto, enfim, não resta dúvida de que ninguém
mentiu ao afirmar que essa não era uma leitura fácil.
Mas em meados de junho resolvi tomar vergonha
na cara e ler o Ulisses de verdade. O tempo todo é uma leitura tensa e intensa.
A ideia do fluxo da consciência, de
registrar na minúcia cada pensamento dos personagens, de forma fragmentária
como são os pensamentos... dificilmente alguém poderá mergulhar tão fundo de
novo. Embora Virginia Woolf com sua Mrs
Dalloway tenha ao menos a vantagem de ter usado muito menos papel.
Joyce é magistral e exasperador. Fui
conferir agora: estou exatamente na página 273.
Uma coisa dá para dizer: é uma leitura
muito pessoal. Então vou falar de mim.
Entendo agora um pouco melhor o porquê
do estudioso Edwin Muir ter chamado o Ulisses de um fracasso genial, e também
entendo mais a admiração de Anthony Burgess (autor de Laranja Mecânica entre outros igualmente bons e totalmente
diferentes).
Em algumas partes consegui surfar melhor
na onda de Joyce, especialmente ao acompanhar as divagações, suspeitas,
julgamentos, repressões e hábitos secretos do senhor Bloom. Uma experiência
muito interessante, realmente.
Mas tem outros momentos, camaradas! que
dá vontade de atirar o livro pela janela. A imagem mais próxima que encontro
para descrever essa sensação é ficar o tempo todo tentando enxergar por cima do
ombro dos outros algo que só se mostra de relance, é uma maçaroca de informação
tão doida que até faz sentido agora que estou escrevendo essa resenha parcial,
mas que na hora de ler foi penoso...
Por isso é que eu mesmo me espanto
comigo ao pensar que ainda desejo ardentemente ler Retrato do Artista Quando Jovem, que tenho na versão original,
depois que terminar Ulisses!
Adiante!
(12/07/12)
ULISSES
– James Joyce
1) Hoje
é um dia especial: terminei de ler “Ulisses”!!! Viva viva!!! Que dizer desse
livro que eu achei chatíssimo até a metade (por volta da página 400), para então
começar a gostar mais e mais e terminar achando uma obra linda, genial e
muuuito louca???
2) Para
escapar de fazer uma resenha interminável, me proponho o desafio de escrever
somente dezoito tópicos, um para cada capítulo do livro, cada qual correspondendo
a um episódio da “Odisseia” de Homero (Ulisses
é o nome latino para Odisseu,
originado na palavra grega para “guardar ressentimento”).
3) Nessa
obra Joyce se propõe a atingir o mais alto anseio da literatura, que é
expressar no romance a totalidade da vida. Mas a complexidade cada vez maior da
vida moderna (início do século XX) só pode ser retratada de fato caso o romance
se reinvente, extrapole os limites, transcenda as barreiras. E é bem isso o que
“Ulisses” faz.
4) A
história toda acontece em um único dia, que traz Leopold Bloom (Ulisses) em
suas peregrinações pela cidade de Dublin. Stephen Dedalus, o jovem artista, é
Telêmaco, e Molly Bloom, a esposa adúltera, é Penélope.
5) Cada
um dos dezoito capítulos é escrito em um estilo único e totalmente diferente
dos demais. São quase dezoito obras diferentes aglutinadas no mesmo livro.
6) Coisa
surpreendente: “Ulisses” tem algumas partes muito engraçadas! Rachei o bico de
dar risada em várias cenas, com destaque para o invento da obramaravilha, uma
espécie de apito (que deve ser introduzido pela ponta redonda) para
descongestionar os gases intestinais de cavalheiros e damas constipados. A
suprema invenção do século XX!
7) Outra
constatação surpreendente: a obra é realmente revolucionária e genial, mas
creio que alcançou tamanha repercussão mesmo foi pelo tanto de putaria: como
tem sacanagem nesse Ulisses! Não causa surpresa o livro ter ficado proibido
durante 11 anos nos Estados Unidos.
8) E
aí é que está a fórmula explosiva: uma linguagem inovadora, uma estrutura
intelectualmente desafiadora e, de quebra, a transgressão dos valores morais
vigentes, nas muitas referências explícitas e até grosseiras ao sexo.
9) O
que leva à reflexão: a literatura parece ter perdido a capacidade de chocar.
Não dá para imaginar um livro hoje sendo proibido por ofender “a moral e os
bons costumes”. Vitória da liberdade de expressão ou sinal de decadência da
civilização? Você decide.
10) O
que leva ao questionamento: por que hoje em dia não temos escritores como James
Joyce? Corajosos, inventivos, audaciosamente indo onde a literatura jamais
esteve? Os escritores do século XX parecem muito mais “avançados” que os
atuais. Será que tudo já foi inventado e nada mais resta por inovar? O futuro
dirá.
11) Dizem
que por conta de suas invenções linguísticas “Ulisses” é mais fácil de ler no
original que traduzido. A edição que li foi com a tradução pioneira de Antonio
Houaiss. Bem, só posso dizer que não concebo o texto em inglês sendo mais
difícil de ler que essa tradução abençoada do Houaiss!!! Parece que o tradutor
quis dar conta de todas as possibilidades semânticas, e o resultado foi que o
texto em português ficou bem mais erudito e intelectualizado que o original (é
o que comentam pela internet). Sorte de quem for ler o livro agora, que já
estão disponíveis duas outras traduções em português, e mais focadas na
linguagem cotidiana.
12) Uma
das partes que mais gostei é o capítulo que corresponde ao palácio de Circe,
quando Bloom e o jovem Dedalus visitam um bordel pra lá de animado. O estilo da
narrativa é o de uma peça de teatro onde o autor e todos os personagens
ingeriram doses maciças de LSD. Lisergia pura!
13) Outro
trecho marcante é o capítulo final, com o monólogo da senhora Bloom. São 50
páginas sem uma única vírgula ou ponto, na mais contundente expressão literária
do “fluxo de consciência”, com a representação do fluir incessante dos
pensamentos do personagem. Podemos dizer que Saramago, em comparação, foi até
bem conservador ao inventar o seu estilo próprio de escrever... E Joyce, de
brinde, ainda criou uma das mais marcantes figuras femininas da literatura:
Molly Bloom.
14) Tudo
considerado, apesar de “Ulisses” ser considerada uma obra de estrutura
matematicamente perfeita, penso que o livro seria mais gostoso de ler se
tivesse a metade das páginas, ou mesmo um terço.
15) Mais
fácil de ler, sim, mas não necessariamente melhor. Entendo a proposta do livro,
que exige tantas páginas de elucubrações sem fim. No mundo atual, que prioriza
a velocidade e multiplicidade de informações, é provável que cada vez menos
pessoas se interessem em ler “Ulisses”.
16) Desde
o capítulo do bordel, uma ideia louca ficou martelando minha mente: imagine
como seria esse livro transformado em filme! Impensável! Impossível! Ainda
assim, creio que o David Lynch estivesse à altura da tarefa.
17) Comecei
a ler “Ulisses” pela primeira vez há mais de dez anos, e acabei desistindo por
volta da página 100. Mas fucei o “Roteiro-chave” que vem no final do livro, e
hoje percebo o tamanho dessa influência em minha própria criação literária.
Essa estrutura foi um eco distante na composição das letras da ópera-rock VIDA
(gravada pela banda Imago Mortis), e teve uma força maior, ainda que mais
distante ainda, na estrutura de meu romance “O Sincronicídio”. Que bom perceber
isso hoje!
18) Não
é fácil ler “Ulisses”, mas o esforço vale a pena – dependendo da motivação do
leitor. Para mim, foi como galgar um Everest literário: veni vidi vici!!!
(26.09.12)
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Conheça O SINCRONICÍDIO:
http://youtu.be/Vr9Ez7fZMVA
http://www.caligoeditora.com.br/osincronicidio/
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MANIFESTO – Mensageiros do Vento
LEIA AGORA (porque não existe outro momento):
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