sábado, 2 de novembro de 2013

CARTAS A THEO


Seleção das cartas de Vincent Van Gogh a seu irmão Theodore.

Ao falecer, em 27 de julho de 1890, Vincent Van Gogh deixou um grandioso legado: um conjunto de centenas de quadros, desenhos e estudos, que mostraram ao mundo uma parte de sua genial, melancólica e perturbada natureza. Mas além de suas obras de arte, Van Gogh deixou também outra possibilidade de o conhecermos: suas próprias palavras. Durante sua vida, Van Gogh se correspondeu assiduamente com seu irmão mais novo, Theo, a quem era muito ligado. Praticamente uma autobiografia, o conjunto das cartas de Vincent é uma janela para a alma e mente desse grande artista que dedicou a vida, a saúde física e mental à arte.

Pelas cartas, vamos acompanhando seus projetos: as tentativas de ser missionário, professor, o primeiro emprego na Casa Goupil, a galeria de arte do tio, mais tarde administrada pelo irmão Theo, até a decisão por dedicar-se apenas à arte, afinal. Através da Casa Goupil, conhece Paris. Mas a capital francesa não o agrada. Após algumas andanças, é no interior da França que ele se fixará, na cidade de Arles, onde se apaixonará pelos campos de trigo, pelo grande sol amarelo, pela vida dos camponeses. 

Cúmplice de todas essas mudanças e descobertas, Theo foi figura importantíssima para que Vincent pudesse se dedicar à pintura, acreditando no talento do irmão, dando-lhe suporte financeiro e afetivo. O amor e dedicação de Theo foi sempre reconhecida por Vincent, que muitas vezes lamentava dar tanto trabalho ao irmão.

“Agora sinto que meus quadros não são suficientemente bons para compensar as vantagens que aproveitei através de ti. Mas acredite-me, se um dia eles forem suficientemente bons, você terá sido também seu criador, tanto quanto eu, porque nós os estamos fazendo juntos”.

É empolgante acompanhar pelas cartas a criação de algumas das obras-primas do artista: "Os Comedores de Batatas" (“apliquei-me conscientemente em dar a ideia de que estas pessoa que, sob o candeeiro, comem suas batatas com as mãos, que levam ao prato, também lavraram a terra, e que meu quadro exalta, portanto, o trabalho manual e o alimento que eles próprios ganharam tão honestamente”), "A Noite Estrelada", a série dos girassóis, criada para decorar a casa e o quarto do amigo Paul Gauguin, que irá instalar-se na casa e cuja chegada é aguardada ansiosamente por Van Gogh. Uma ideia recorrente do artista era criar um ateliê coletivo, uma espécie de cooperativa entre artistas, onde eles trabalhariam e apoiariam-se mutuamente. É um tanto doloroso acompanhar essa espera, pois já sabia que a estadia de Gauguin iria terminar de forma trágica: o famoso episódio em que Van Gogh, num acesso de loucura, corta a própria orelha. Nesta edição encontra-se a versão da história contada por Gauguin. 

A própria loucura é comentada calmamente nas Cartas: “É preciso que eu me resigne, é bem verdade que um monte de pintores ficam loucos, é uma vida que leva a ficar muito abstraído, para dizer o mínimo. Se eu me lanço em cheio no trabalho, muito bem, mas continuo a ser louco”. 

Vincent não agüentou mais o fardo da própria existência e resolveu abreviá-la. Durante sua vida, Vincent Van Gogh vendeu apenas um quadro. Em 1990, um século após sua morte, "O Retrato do Dr. Gachet" foi vendido por 82,5 milhões de dólares, o maior valor dado por uma obra até então. Mudaram as obras? Ou mudaram os olhos de quem as viam? Afinal, o que é uma obra-prima? Não sei a resposta para estas perguntas. Fiquei extremamente emocionada com a leitura dessas cartas. Van Gogh ganhou, para mim, uma outra dimensão. Só me resta agradecer. A Vincent, pelo amor à arte. E a Theo, pelo amor à Vincent.


(Transcrição de resenha publicada no Orkut em 11.12.2011)

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