Há
livros que nos inspiram e confortam da primeira à última linha. Outros há que
nos causam repúdio e indignação a cada palavra. Mas há outros ainda, muito
especiais, que nos fazem amar uma frase, e odiar a frase seguinte, e assim
sucessivamente, em um convite constante para um confronto de ideias com o
autor. Se aceitamos esse convite para uma boa luta, com o espírito aberto,
podemos experimentar uma rara oportunidade de aprendizado e crescimento.
Esse
foi o caso de minha leitura desse “desabafo filosófico” de Reich. Admirei e
concordei com muitas das ideias expressas no livro, mas discordei profundamente
de outras tantas. A começar pelo título em português, que considerei muito
inadequado. O título original, Rede an den
kleinen Mann, poderia ser melhor traduzido como “Discurso para o Homenzinho”
ou mesmo “Escuta, Homenzinho!” A expressão “Zé Ninguém” possui conotações bem
específicas que fogem à intenção do autor, que é se referir à pequenez humana,
que pode ser encontrada em doutores e donos de fábricas tanto quanto em
operários proletários.
Esse
é o alvo central desse amargo e apaixonado relato: a pequenez (ou mesquinhez,
ou estupidez) do homem. Reich tinha bons motivos para estar ressentido e mesmo
pê da vida com a esmagadora maioria dos “homenzinhos”: suas revolucionárias
pesquisas sobre a sexualidade e outros temas polêmicos acabaram fazendo com que
ele fosse perseguido, tivesse seis toneladas de seus livros queimados (!!!) em
pleno Estados Unidos no século XX e fosse finalmente preso por conta de
acusações do famigerado FDA (Food and Drug Administration). Acabou morrendo de
ataque cardíaco após um ano na cadeia.
Em
muitos momentos senti ecos de um outro relato escrito em situação igualmente
angustiante: De Profundis de Oscar
Wilde, escrito na prisão, quando o autor estava preso por pederastia. Mas
enquanto o alvo do ressentimento de Wilde é principalmente seu ex-amante e
traidor, Alfred Douglas, o rancor de Reich é voltado indistintamente a
praticamente toda a população do mundo.
Devo
dizer que a leitura foi marcada por muitas sincronicidades. Poucos dias antes
do livro chegar às minhas mãos, lembro de ter reclamado de forma muito intensa
dessa nossa condição tão precária da família humana, me ressentindo de sermos
ainda tão tacanhos, movidos pelo medo e pelo preconceito, tão cheios de
ganância estúpida e de ódio a tudo que não conseguimos compreender. Enquanto
estava lendo o livro, fui assediado por fanáticos políticos de ambas as
extremidades da estupidez, da esquerda e da direita, o que acabou inspirando a
poesia “Polititica” (https://youtu.be/QSY5i0oPWCU).
Sendo um apaixonado pelo estudo do I Ching, é claro que me interesso muito em
qualquer reflexão sobre o que significa ser um “homem superior” ou um “homem
inferior”. Por penúltimo, mas não menos importante, li esse livro paralelamente
a “Você É o Universo”, de Deepak Chopra e Menos Kafatos. E finalmente, após ler
as últimas páginas de “Escuta, Zé Ninguém!”, fui brindado pela leitura de meu
trecho favorito da Bíblia: o Sermão da Montanha.
Tantas
sincronicidades me conduziram à conclusão de sempre: sem a perspectiva
espiritual, muitas vezes nos perdemos em intricados labirintos racionais, que
parecem fazer todo sentido, só que não. É preciso lançar sempre a luz da
espiritualidade em qualquer questão, se queremos enxergar com clareza.
Vou
dar um exemplo pessoal, ocorrido a partir da leitura desse livro. Em
determinado trecho Reich afirma que a maioria das pessoas prefere os ensinamentos
do “homenzinho” Paulo aos do “grande homem” Jesus. Fiquei feliz ao ler esse
trecho, pois eu mesmo, ao ler o Novo Testamento, fiquei absolutamente chocado
ao descobrir que a maioria das pessoas que se consideram cristãs hoje em dia na
verdade seguem Paulo, e não Jesus. Ainda hoje me espanta que tantos que sabem
citar a Bíblia de cor não enxerguem a contradição profunda entre o que disse
Jesus e o que Paulo determinou depois, muitas vezes praticamente o contrário. E
enfim, depois dessa leitura que foi tão árdua e exasperante, fui descobrindo
que “grandes homens” como Nietzsche, Gibran e, agora, Reich, também nutriam
essa antipatia contra a filosofia de Paulo.
Pois
então. Analisando minhas emoções, percebi que o componente principal era o
orgulho. Orgulho de ter chegado às mesmas conclusões que Nietzsche, Gibran e
Reich, nadando contra a corrente da imensa maioria que sequer percebe qualquer
contradição entre se dizer cristão e seguir, na verdade, Saulo. Mas de que me
serve esse orgulho? Em que isso contribui para me tornar uma pessoa melhor? Em
que isso beneficia o mundo? Em nada, nadica de nada. Não serve para ninguém eu
me sentir tão inteligente, se não estiver empenhado, isso sim, em compreender
de fato os ensinamentos do Mestre Jesus e em aplicá-los a minha vida.
Ou
seja: apontar o dedo para a pequenez humana pode ser uma boa catarse, mas não
ajuda a elevar a humanidade nem um milímetro sequer. É preciso compreender não
com a razão, mas com a intuição nascida na receptividade espiritual, que essa
dita “pequenez” também serve a um propósito: “é preciso suportar as lagartas,
se eu quiser conhecer as borboletas”!
Encerro,
portanto, essa não tão breve resenha com a inspiradora promessa feita pelos Bodhisattvas
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Bodisatva):
continuar regressando a esse mundo até que a última folha de relva se ilumine! Esse
é o verdadeiro caminho para transformar a pequenez em grandeza.
Gratidão
por essa leitura, que tanto me fez refletir e aprender!
\\\***///
MANIFESTO – Mensageiros
do Vento
Um
experimento literário realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é
apresentar um diálogo contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre
as diversas vozes de um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da
consciência e levá-la a um surpreendente ritmo da consciência. A meta desse
livro é gerar ondas, movimento e transformação na cabeça do leitor. Clarice
Lispector, Ferreira Gullar, James Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são
grandes influências. Por demonstrarem que a literatura pode ser vista como uma
caixa fechada, e que um dos papéis mais essenciais do escritor é, de dentro da
caixa, testar os limites das paredes... Agora imagine esse livro escrito por
uma banda de rock! É o que encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do
Vento, disponível aqui. Leia e descubra por si mesmo!
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590
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