Durante
boa parte de minha adolescência eu considerava Stephen King o melhor escritor
de todos os tempos. Por essa época li vorazmente tudo o que pude dele. Dentre
meus favoritos estão: "O Iluminado", “Carrie”, “O Cemitério”
(sinistríssimo!), “Zona Morta”, “A Hora do Vampiro”, “Angústia”, “O Corpo”, “Sombras
da Noite” e “Tripulação de Esqueletos”, tijolão de contos que devo ter lido
umas quatro ou cinco vezes. Foi Stephen King quem primeiro me mostrou como um
escritor pode arrebatar totalmente o coração e a mente do leitor, e foi também
quem primeiro me fez ficar curioso sobre como essa incrível magia da escrita
funcionava. Comecei a reler os livros dele com a intenção explícita de aprender
como ele conseguia escrever histórias tão instigantes.
E
então foi acontecendo algo interessante: à medida que eu ia aprendendo e
desvendando alguns “truques” do mestre, a magia ia se tornando menos e menos
intensa. Lembro que meu livro de despedida dessa paixonite por King foi “Tommyknockers”,
onde me senti orgulhoso e feliz por conseguir prever boa parte da trama e, ao
mesmo tempo, profundamente desiludido por esse mesmo motivo! Daí pra frente,
continuei lendo tudo de Stephen King que caía em minhas mãos, mas fui perdendo
cada vez mais o deslumbramento.
Agora,
anos depois, quando eu mesmo estou escrevendo algo que pode ser considerado,
sob certos aspectos, uma história de terror, decidi reencontrar o antigo ídolo
de minha adolescência. Reli alguns de meus contos favoritos dele, e então
resolvi partir logo para um de seus maiores clássicos, que eu ainda não havia
lido (apesar de ter visto e gostado da primeira adaptação televisiva): “A Coisa”.
Este
é certamente um livro audacioso, a grande “tour-de-force” de King, então no
auge de sua fama, em 1986. São mais de 700 páginas de uma saga que acontece paralelamente
em dois momentos distintos, com a história de um grupo de crianças enfrentando
a “Coisa” (que falta que faz o pronome neutro “It” no português!) em 1958,
alternando com um novo enfrentamento, ocorrido em 1985, com as crianças
sobreviventes já adultas e bem sucedidas no mundo de “gente grande”, tendo que
retornar à sua cidadezinha natal para cumprir a promessa de infância e voltar a
combater o velho e maligno monstro.
Essa
alternância entre as duas linhas temporais é responsável pelos maiores méritos
e também pelas grandes fragilidades de “A Coisa”. Por um lado é de se admirar a
proposta grandiosa e épica, com o ápice em um trecho onde as cenas de tensão
vão se sucedendo em rápida sequência, pulando o tempo todo de 1958 para 1985.
Por outro lado, essa duplicidade de espelho acaba gerando muitas repetições e tornando
a leitura um tanto cansativa, ao menos para mim.
Pois
uma coisa certamente percebi ao ler esse livro (e ao assistir à nova versão
cinematográfica): ainda estou jovem para morrer, mas já estou velho demais para
histórias de terror. A leitura de “A Coisa” confirmou algumas descobertas que
venho fazendo ao longo das muitas leituras do gênero:
*
A história de terror, surgida na esteira da revolução industrial, é uma
tentativa de manter algo do Mistério em meio a uma sociedade cada vez mais dominada
pela ciência e despojada do sentido do sagrado. Isso é muito evidente em “A
Coisa”, com sua cosmogonia dualista.
*
Muito do terror moderno é construído a partir de um recurso que é comumente
chamado de “suspense”, mas que eu prefiro chamar de “ameaça”. Exemplifico: a
mocinha está sozinha em casa, tarde da noite, quando ouve o barulho de alguém arranhando
a porta. Ela fica gelada de medo, mas ainda assim resolve descobrir quem está à
porta. E assim se passam páginas e mais páginas de pura encheção de linguiça,
até que a mocinha abre a porta e vê que é seu cachorrinho Totó que voltou... Isso
para mim não é suspense, é “ameaça”. O suspense verdadeiro ocorre quando algo trágico
está para acontecer, que é ignorado pelo personagem, mas não pelo leitor.
*
Todo livro ou filme de terror pode funcionar bem até a hora crítica, que é o
momento em que o monstro se mostra, quando ele sai das sombras e finalmente se
dá a conhecer. É um momento quase poético, quando a terrível criatura exibe sua
fragilidade intrínseca e demonstra a verdade cabal de que o medo, ao ser
encarado de frente, deixa de incomodar. É muito raro um monstro que continua
sendo assustador depois de sair para a luz.
*
Por fim, mas não menos importante: nesse momento em que vivemos, quando nenhuma
obra de ficção consegue ser mais apavorante que o Jornal Nacional, é quase um
alívio mergulhar no mundo dos monstros sobrenaturais de Stephen King. Perto de
Trump e Temer, a Coisa até que é bonitinha...
\\\***///
A MARCA – Fabio Shiva
Um
intrigante conto de mistério e assassinato que tem como pano de fundo a saga
dos Anunnaki... “A MARCA” foi originalmente publicada em “REDRUM – Contos de
Crime e Morte” (Caligo Editora, 2014), sendo um dos sete contos selecionados
para a antologia. Em 2016 a história foi republicada no livro duplo de contos
“Labirinto Circular / Isso Tudo É Muito Raro”, de Fabio Shiva (Cogito Editora).
E agora está disponível aqui. Boa leitura!
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5825862
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