Neste
ano de 2018, em meio a tantas turbulências e conflitos ideológicos em que
vivemos, com discursos intolerantes de parte a parte, uma das frases que mais
se ouve (ou se lê nas redes sociais) é: “Vá estudar!”
Resolvi
seguir o conselho, mergulhando nesse livro do Zuenir Ventura, muito bem escrito
e documentado. De cara já comecei a entender um pouco o esdrúxulo absurdo de
ver tantas pessoas negando que sequer tenha ocorrido uma ditadura militar no
Brasil. É que por aqui, como afirmou Ivan Lessa (citado no livro), “de quinze
em quinze anos, esquecemos os últimos quinze anos”.
Procede.
Só a amnésia total ou parcial explica tantas pessoas, hoje, clamando por uma
intervenção militar e pela volta da ditadura (na verdade nunca pedem abertamente
pela ditadura, o que seria indefensável sob qualquer ângulo. Por isso preferem
utilizar eufemismos que pavorosamente são muito parecidos com os utilizados
pelos ministros de Costa e Silva ao aprovar o famigerado AI-5, que instituiu dez
anos de barbáries no país). Mas talvez possamos encontrar outros motivos para explicar
um comportamento tão aberrante, que me faz querer me beliscar, para tentar
acordar do pesadelo: ver tantas pessoas se expressando para pedir o fim da
liberdade de expressão!
Um
dos argumentos mais recorrentes dos que querem os militares no poder é o de que
eles só prenderam e mataram “bandidos e comunistas” (o que na cabeça dessas
pessoas é a mesma coisa). E que durante os anos da ditadura suas famílias
passaram muito bem, obrigado, ninguém foi preso nem torturado, pelo contrário,
por isso a ditadura foi uma coisa boa e deve voltar. E por aí vai.
A
melhor resposta a esse tipo de argumento encontra-se no relato da prisão do
ex-governador Carlos Lacerda, ocorrido logo após o decreto do AI-5. Se tem uma
coisa que Lacerda nunca foi, é comunista. Ele foi, inclusive, uma das principais
vozes a pedir a intervenção militar em 64. O que demonstra a obtusidade
daqueles que pensam que, por quererem alimentar a besta-fera com o sangue dos
outros, estarão livres de sua mordida. Pois então, ao ser preso de forma
totalmente arbitrária, Lacerda resolveu protestar fazendo uma greve de fome, e
chegou a ficar uma semana sem comer. Segue o texto de Ventura:
“O
seu irmão Maurício o desestimulou com o convincente argumento de que os jornais
não estavam noticiando a greve, o sol estava maravilhoso e as praias cheias de
pessoas despreocupadas. Terminava com uma comparação que se tornaria famosa:
–
Você vai morrer estupidamente. Você quer fazer Shakespeare na terra de Dercy
Gonçalves.”
O
fato de alienados desfrutarem a vida, indiferentes aos que sofrem, não
justifica o sofrimento. E o mais apavorante é ter que dizer (e repetir) isso!
Se
eu fosse falar tudo o que esse assunto me faz pensar, teria que escrever um
livro. Por isso vou resumir o principal: algo que me confortou, e ao mesmo
tempo me atemorizou, foi perceber o quanto o momento emocional do país e do
mundo, em 1968, é semelhante ao que vivemos hoje, em 2018. Me confortou pela
percepção de que não estamos vivendo uma aberração única no espaçotempo, mas
algum tipo de ciclo recorrente da história. E me apavorou pela percepção de que
1968 deu ruim. Espero que tenhamos melhor sorte em 2018.
Por
fim, existem aqueles que defendem a volta da ditadura (ou a eleição de seus mal
disfarçados representantes “democráticos”) não por amnésia ou memória seletiva,
mas pela apaixonada convicção de que a solução para os males do país é um
coturno na cara dos “bandidos”. Pensando nessas pessoas, quero compartilhar
nesta resenha a minha experiência pessoal com o glorioso Exército Brasileiro,
do qual sou 2º Tenente R/2. Um dos maiores ensinamentos que tive no Exército e
que trouxe para a vida foi o de que realmente o poder revela a verdadeira
natureza das pessoas. Pois justamente aqueles que durante sua formação como
oficiais foram os mais ineptos, os mais preguiçosos, os mais egoístas, os mais “mocorongos”
e “bisonhos”, quando ganharam sua estrelinha de Aspirante se tornaram os mais
cruéis e impiedosos torturadores da paz alheia. Um deles, que era um afável
estudante de engenharia da UFRJ, me chocou ao narrar com deliciados detalhes a
sessão de tortura a que submeteu um rapaz que ousou invadir o campo de Gericinó
durante o seu turno de guarda. Tortura, aliás, era matéria ensinada
(extra-oficialmente, é claro) em sala de aula, e olhe que estávamos em 1992. Ou
seja, não será o coturno de heróis a esmagar a face deformada de vilões, mas
apenas covardes fazendo uso de uma força bruta superior. Como sempre.
“A
violência é o último refúgio do incompetente.” – Isaac Asimov
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MANIFESTO –
Mensageiros do Vento
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590
Um
experimento literário realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é
apresentar um diálogo contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre
as diversas vozes de um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da consciência
e levá-la a um surpreendente ritmo da consciência. A meta desse livro é gerar
ondas, movimento e transformação na cabeça do leitor. Clarice Lispector,
Ferreira Gullar, James Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são grandes
influências. Por demonstrarem que a literatura pode ser vista como uma caixa
fechada, e que um dos papéis mais essenciais do escritor é, de dentro da caixa,
testar os limites das paredes... Agora imagine esse livro escrito por uma banda
de rock! É o que encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do Vento,
disponível aqui. Leia e descubra por si mesmo!
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