Esta
é a segunda obra que leio do grande Ferreira Gullar, em seguida à sua
impactante “A Luta Corporal”. Aqui encontrei o Poeta mais comedido e
circunspecto, bem diverso do selvagem lutador de MMA, com sua poesia jiujiteira
que nos agarra pela gola e já parte para um mata leão. É que mais de trinta
anos separam “Barulhos” de “A Luta Corporal”. Lá estava o inflamado poeta
concretista, no auge de sua juventude, e aqui temos o poeta maduro, depois de
ter passado por inúmeros caminhos poéticos (inclusive a literatura de cordel).
Em
“Barulhos”, encontramos um Gullar muito sensibilizado pela questão da morte,
tanto a própria quanto a dos amigos, que são lembrados em várias e tocantes
elegias. A preocupação com a mortalidade está presente da mesma forma no
instigante conceito do “poema podre”, da poesia que se apresenta como uma fruta
apodrecendo. E também, em um vislumbre que considerei diametralmente oposto, na
conversa que o poeta estabelece com os amigos mortos, percebendo na Poesia a
possibilidade de perceber uma continuidade para a existência após a morte
física (coisa que o marxista Gullar não pode admitir).
Ainda
assim, há algo de indelével e marcante tanto no jovem e furioso poeta de “A
Luta Corporal” quanto no reflexivo e por vezes tristonho senhor de “Barulhos”,
que falam de uma linda e inspiradora caminhada de vida, onde a Poesia é sempre guia
e fiel companheira de viagem.
Amei
todos os poemas deste livro, mas destaco “O Lampejo” como belíssimo exemplo da
verve deste que é um dos maiores Bardos de nossa terra. Viva Ferreira Gullar!
Viva a Poesia!
“O LAMPEJO
O poema não voa de asa-delta
não mora na Barra
não freqüenta o Maksoud.
Pra falar a verdade, o poema não voa:
anda a pé
e acaba de ser expulso da fazenda
Itupu
pela
polícia.
Come mal dorme mal cheira a suor,
parece demais com o povo:
é
assaltante?
é
posseiro?
é
vagabundo?
frequentemente o detêm para
averiguações
às vezes o espancam
às vezes o matam
às vezes o resgatam
da merda
por um dia
e o fazem sorrir diante das câmeras
da TV
de banho tomado.
O poema se vende
se corrompe
confia no governo
desconfia
de repente se zanga
e quebra trezentos ônibus nas ruas
de Salvador.
O poema é confuso
mas tem o rosto da história
brasileira:
tisnado de sol
cavado de aflições
e no fundo do olhar, no mais fundo,
detrás de todo o amargor,
guarda um lampejo –
um diamante
duro como um homem
e é isso que obriga o exército a se
manter de prontidão.”
Roda Viva com Ferreira Gullar:
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