Motivado
pelo encantamento que foi a releitura de “Senhora”, resolvi ler “Diva”, um dos
poucos romances de José de Alencar que eu ainda não havia lido. Trata-se de uma
obra menor que “Senhora”, tanto em extensão quanto em arte. Contudo aqui também
é possível beber o néctar poético de frases como:
“Tinha
sua tez a cor das pétalas de magnólia, quando vão desfalecendo ao beijo do sol.”
O
autor parece ter ficado bastante ressentido com a crítica de que sua Emília,
protagonista de “Diva”, é uma mulher impossível, que jamais poderia existir em
carne e osso. Esse incômodo com a crítica acaba levando José de Alencar a
adotar um curioso e criativo estratagema em “Senhora”, quando em uma conversa
de salão algum figurante tece essa crítica ao seu romance anterior, “Diva”. E
quem é que sai em defesa do autor? Justamente a heroína de “Senhora”:
“–
Já leram Diva?
Respondeu
um silêncio cheio de surpresa. Ninguém tinha notícia do livro, nem supunham que
valesse a pena de gastar o tempo com essas coisas.
–
É um tipo fantástico, impossível! sentenciou o crítico.
Acrescentou
ele ainda algumas coisas acerca do romance, cujo estilo censurou de incorreto,
cheio de galicismos, e crivado de erros de gramática. O desenlace especialmente
provocou acres censuras.
A
crítica, por maior que seja a sua malignidade, produz sempre um efeito útil que
é de aguçar a curiosidade. O mais rigoroso censor mau grado seu presta
homenagem ao autor, e o recomenda.
Pela
manhã Aurélia mandou comprar o romance, e o leu em uma Sexta, ao balanço da
cadeira de palha, no vão de uma janela ensombrada pelas jaqueiras cujas flores
exalavam perfumes de magnólias. A noite apareceu o crítico.
–
Já li a Diva, disse depois de corresponder ao cumprimento.
–
Então? Não é uma mulher impossível?
–
Não conheço nenhuma assim. Mas também só podia conhecê-la Augusto Sá, o homem
que ela amava, e o único ente a quem abriu sua alma.
–
Em todo o caso é um caráter inverossímil.
–
E o que há de mais inverossímil que a própria verdade? retorquiu Aurélia
repetindo uma frase célebre. Sei de uma moça... Se alguém escrevesse a sua
história, diriam como o senhor: "É impossível! Esta mulher nunca
existiu". Entretanto eu a conheci.
Mal
pensava Aurélia que o autor de Diva teria mais tarde a honra de receber
indiretamente suas confidências, e escrever também o romance de sua vida, a que
ela fazia alusão.”
É
no mínimo curioso, aos olhos contemporâneos, que tenha doído tanto em José de
Alencar a crítica de que seus personagens careciam de realismo, quando o que
tornou sua obra celebrada e estudada até hoje seja justamente o romantismo
exacerbado de suas páginas!
Eu
mesmo acho difícil que tenha existido algum dia uma mulher como Emília. Seu
pudor excessivo, que não tolera sequer que algum cavalheiro toque suas mãos se
não estiver usando luvas, a tornaria um caso clássico de histeria, doença muito
em voga nessa época. Contudo o outro lado de Emília, seu lado audaz, insensível
às convenções sociais e caprichoso até a crueldade, sugere uma personalidade
totalmente diversa e incompatível.
Essa
contradição não impede a diversão do leitor, muito pelo contrário: junto com o
apaixonado Augusto, o leitor vai se esforçando por compreender que mulher é
essa, tão terrível e fascinante, e aí está a graça maior do romance. A graça e
o suspense: aos meus olhos, pelo menos, essa história de amor tem um toque meio
sombrio e sinistro, como se tivesse sido psicografada pelo espírito de Edgar
Allan Poe, desencarnado há poucos anos pela época em que “Diva” foi escrito.
Longe de vislumbrar um “...e foram felizes para sempre”, imaginei o pobre do
Augusto sendo soterrado vivo em alguma fria catacumba, submetido às infinitas
torturas de amor que tanto agradavam Emília. Sinistro!
Só
posso encerrar com esses lindos versos de Manuel Bandeira:
“Sou
assim, por vício inato.
Ainda
hoje gosto de Diva,
Nem
não posso renegar
Peri,
tão pouco índio, é fato,
Mas
tão brasileiro… Viva,
Viva
José de Alencar!
\\\***///
ESCRITORES
PERGUNTAM, ESCRITORES RESPONDEM
Escrever
para quê?
Doze
escritores dos mais diversos estilos e tendências, cada um de seu canto do
Brasil, reunidos para trocar ideias sobre a arte e o ofício de escrever. O
resultado é este livro: um bate-papo divertido e muito sério, que instiga o
leitor a participar ativamente da reflexão coletiva, investigando junto com os
autores os bastidores da literatura moderna. Uma obra única e atual, recomendada
a todos os que amam o mundo dos livros.
Disponível
no link abaixo, leia e compartilhe:
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5890058
Gostei muito da postagem!
ResponderExcluirCorpos unidos sentindo bater o coração
Beijos e uma boa noite!
Gratidão, querida!
Excluirbeijos!