sábado, 8 de junho de 2019

DIVA – José de Alencar



Motivado pelo encantamento que foi a releitura de “Senhora”, resolvi ler “Diva”, um dos poucos romances de José de Alencar que eu ainda não havia lido. Trata-se de uma obra menor que “Senhora”, tanto em extensão quanto em arte. Contudo aqui também é possível beber o néctar poético de frases como:

“Tinha sua tez a cor das pétalas de magnólia, quando vão desfalecendo ao beijo do sol.”

O autor parece ter ficado bastante ressentido com a crítica de que sua Emília, protagonista de “Diva”, é uma mulher impossível, que jamais poderia existir em carne e osso. Esse incômodo com a crítica acaba levando José de Alencar a adotar um curioso e criativo estratagema em “Senhora”, quando em uma conversa de salão algum figurante tece essa crítica ao seu romance anterior, “Diva”. E quem é que sai em defesa do autor? Justamente a heroína de “Senhora”:

“– Já leram Diva?
Respondeu um silêncio cheio de surpresa. Ninguém tinha notícia do livro, nem supunham que valesse a pena de gastar o tempo com essas coisas.
– É um tipo fantástico, impossível! sentenciou o crítico.
Acrescentou ele ainda algumas coisas acerca do romance, cujo estilo censurou de incorreto, cheio de galicismos, e crivado de erros de gramática. O desenlace especialmente provocou acres censuras.
A crítica, por maior que seja a sua malignidade, produz sempre um efeito útil que é de aguçar a curiosidade. O mais rigoroso censor mau grado seu presta homenagem ao autor, e o recomenda.
Pela manhã Aurélia mandou comprar o romance, e o leu em uma Sexta, ao balanço da cadeira de palha, no vão de uma janela ensombrada pelas jaqueiras cujas flores exalavam perfumes de magnólias. A noite apareceu o crítico.
– Já li a Diva, disse depois de corresponder ao cumprimento.
– Então? Não é uma mulher impossível?
– Não conheço nenhuma assim. Mas também só podia conhecê-la Augusto Sá, o homem que ela amava, e o único ente a quem abriu sua alma.
– Em todo o caso é um caráter inverossímil.
– E o que há de mais inverossímil que a própria verdade? retorquiu Aurélia repetindo uma frase célebre. Sei de uma moça... Se alguém escrevesse a sua história, diriam como o senhor: "É impossível! Esta mulher nunca existiu". Entretanto eu a conheci.
Mal pensava Aurélia que o autor de Diva teria mais tarde a honra de receber indiretamente suas confidências, e escrever também o romance de sua vida, a que ela fazia alusão.”

É no mínimo curioso, aos olhos contemporâneos, que tenha doído tanto em José de Alencar a crítica de que seus personagens careciam de realismo, quando o que tornou sua obra celebrada e estudada até hoje seja justamente o romantismo exacerbado de suas páginas!

Eu mesmo acho difícil que tenha existido algum dia uma mulher como Emília. Seu pudor excessivo, que não tolera sequer que algum cavalheiro toque suas mãos se não estiver usando luvas, a tornaria um caso clássico de histeria, doença muito em voga nessa época. Contudo o outro lado de Emília, seu lado audaz, insensível às convenções sociais e caprichoso até a crueldade, sugere uma personalidade totalmente diversa e incompatível.

Essa contradição não impede a diversão do leitor, muito pelo contrário: junto com o apaixonado Augusto, o leitor vai se esforçando por compreender que mulher é essa, tão terrível e fascinante, e aí está a graça maior do romance. A graça e o suspense: aos meus olhos, pelo menos, essa história de amor tem um toque meio sombrio e sinistro, como se tivesse sido psicografada pelo espírito de Edgar Allan Poe, desencarnado há poucos anos pela época em que “Diva” foi escrito. Longe de vislumbrar um “...e foram felizes para sempre”, imaginei o pobre do Augusto sendo soterrado vivo em alguma fria catacumba, submetido às infinitas torturas de amor que tanto agradavam Emília. Sinistro!

Só posso encerrar com esses lindos versos de Manuel Bandeira:

“Sou assim, por vício inato.
Ainda hoje gosto de Diva,
Nem não posso renegar
Peri, tão pouco índio, é fato,
Mas tão brasileiro… Viva,
Viva José de Alencar!



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ESCRITORES PERGUNTAM, ESCRITORES RESPONDEM
Escrever para quê? 
Doze escritores dos mais diversos estilos e tendências, cada um de seu canto do Brasil, reunidos para trocar ideias sobre a arte e o ofício de escrever. O resultado é este livro: um bate-papo divertido e muito sério, que instiga o leitor a participar ativamente da reflexão coletiva, investigando junto com os autores os bastidores da literatura moderna. Uma obra única e atual, recomendada a todos os que amam o mundo dos livros.
Disponível no link abaixo, leia e compartilhe:
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5890058

 

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