Foi uma verdadeira terapia ler esse livro em plena pandemia do
coronavírus. Quando o obscurantismo e o negacionismo no Brasil acarretam
centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, é ao menos um
consolo testemunhar o brilhantismo do cientista brasileiro Marcelo Gleiser, que
aqui nos brinda com uma fascinante jornada pela história da ciência. Um dos
maiores méritos do livro é justamente apresentar a pesquisa científica não apenas
como uma atividade fria e racional, mas também como uma apaixonante aventura:
“A ciência tem o poder de expandir nossa percepção do mundo, permitindo-nos explorar mundos invisíveis e fascinantes, sejam eles células, átomos ou mesmo estrelas ou galáxias distantes. Esse é, provavelmente, um dos motivos que inspiram tantas pessoas a dedicarem suas vidas ao estudo da Natureza. De vez em quando elas se deparam com algo de novo, um mundo previamente invisível, que irá expandir nossos horizontes intelectuais, desafiando nossa imaginação. E, às vezes, esse mundo novo será também importante sob um ponto de vista mais prático.”
Um dos momentos que mais me emocionaram nessa aventura de descobertas foi confirmar que a afirmação de que somos feitos da matéria das estrelas não é só uma bela expressão poética como também a mais pura verdade científica:
“Portanto, o carbono, o oxigênio e outros elementos pesados, que não só fazem parte de nosso organismo como também são fundamentais para nossa sobrevivência, foram sintetizados no interior de estrelas moribundas antes de serem projetados através do espaço interestelar. Nós somos filhos das estrelas.”
Outra poderosa expressão do fascínio da ciência é a vastidão do Universo que ela foi capaz de desvendar:
“Vivemos num Universo povoado por um número gigantesco de galáxias, espalhadas pela vastidão do espaço cósmico. Nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo. O que temos de especial é a habilidade de nos maravilharmos com a beleza do cosmo.”
Chega a dar vertigem pensar na amplidão do Universo, que absolutamente não cabe na pequenez da mente humana. Pensar nisso me faz compreender ao menos em parte a atração de ideias anticientíficas como o terraplanismo. Imaginar a Terra como o centro do Universo é uma forma, ainda que tosca, de se sentir importante. Acho que o mecanismo psicológico que leva algumas pessoas a acreditar que a Terra é plana é o mesmo que leva outras a ingressar em alguma religião fundamentalista, que defende que só quem for dessa religião é “de Deus”, e o resto todo é “do Diabo”. Se essas pessoas que sucumbem ao fanatismo parassem para pensar sobre o tamanho do Universo, inevitavelmente perceberiam como estão idolatrando um deusinho minúsculo e mesquinho, do tamanho de seus egos.
Essa questão da ciência em contraponto à religião, aliás, é apresentada de forma muito sensível:
“Você não tem de acreditar nos cientistas. Você tem de compreender suas ideias. Mais ainda, você deve duvidar seriamente de qualquer cientista que tente convencê-lo, baseado em argumentos científicos, da futilidade de sua crença religiosa. Em contrapartida, você também deve duvidar de qualquer sacerdote que tente convencê-lo, baseado em argumentos religiosos, da futilidade da ciência moderna. O importante aqui é evitar uma competição entre ciência e religião.”
“Em outras palavras, não é o ‘Deus tapa-buracos’, invocado toda vez que atingimos o limite das explicações científicas, que faz com que a religião tenha um papel dentro do contexto científico. Se queremos encontrar um lugar para a religião na ciência moderna, devemos examinar as motivações subjetivas de cada cientista, e não o produto final de suas pesquisas. Ao assumir essa posição, estou me aliando a Einstein, que escreveu que ‘religião sem ciência é cega, e ciência sem religião é aleijada’.”
Vivemos em uma era em que a ciência e a religião ainda se enxergam, muitas vezes, como adversárias. Isso é lastimável, uma vez que os verdadeiros inimigos de ambas são a ignorância e o dogmatismo.
“O dogmatismo necessariamente leva à ignorância. E a ignorância inspira o dogmatismo.”
É comum as pessoas associarem o dogma apenas à religião. Contudo, como bem demonstra Marcelo Gleiser, a ciência também precisa constantemente lutar contra esse inimigo dentro de suas próprias fileiras. Dois exemplos apresentados no livro me marcaram bastante. O primeiro foi o caso de John James Waterson, que em 1845 apresentou à Royal Society de Londres uma hipótese corpuscular da matéria, que foi rejeitada e arquivada por puro preconceito:
“Era muito difícil para os físicos do século XIX aceitar a existência de objetos que não podiam ser vistos, mesmo que a hipótese corpuscular explicasse tantas das propriedades físicas dos gases.”
Alguns anos mais tarde, o físico austríaco Ludwig Boltzmann sofreu o mesmo preconceito por parte de seus colegas cientistas, que rejeitaram completamente sua teoria cinética dos gases. Dessa vez as consequências foram trágicas:
“Profundamente deprimido e em péssimo estado de saúde, Boltzmann suicidou-se em 1906, apenas dois anos antes de o trabalho experimental do físico francês Jean Perrin confirmar muitas de suas ideias. Embora jamais possamos saber o quanto do desespero de Boltzmann se devia à rejeição de seu trabalho, sua morte representa um dos episódios mais dolorosos na história da ciência.”
O motivo para que exista tanto preconceito e dogmatismo é o medo do desconhecido:
“Mudança, para melhor ou para pior, sempre demanda coragem. Abandonar velhas ideias, que em geral nos trazem uma confortável sensação de segurança e controle, não é nada fácil.”
“O conhecimento não representa necessariamente sabedoria, mas com certeza a ignorância nunca é uma opção razoável.”
Isso ficou mais evidente do que nunca com os incríveis avanços da ciência no século XX:
“Fenômenos relativísticos ou quânticos são bizarros apenas se vistos por nossa percepção limitada da realidade. Com mentes abertas, o que antes parecia não fazer sentido torna-se fascinante.”
“Mas, como vimos tantas vezes neste livro, certas ideias só são aceitas quando elas se tornam absolutamente inevitáveis.”
Encerro minha resenha, muito grato e feliz por essa leitura, com a deliciosa citação sobre o filósofo pré-socrático Tales de Mileto:
“Quando lhe perguntaram o que era difícil, Tales respondeu: ‘Conhecer a si próprio’. Quando lhe perguntaram o que era fácil, respondeu: ‘Dar conselhos’.”
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FAVELA GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:
https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica
Durante
esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única
garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade
preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais
luminoso e solidário.
O
livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do
cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos
tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos
mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo
das Trevas para a Luz.
A
versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na
tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor
e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o
PDF de todo o livro.
Fique
à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.
Leia
ou baixe todo o livro no link abaixo:
https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica
Link do livro no SKOOB:
https://www.skoob.com.br/livro/840734ED845858
Book
trailer
Entrevista sobre o livro na
FM Cultura
Obrigada. Publicação fabulosa!! :)
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Liberdade, em deixar passar o vento ...
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Beijos e um excelente dia...
Gratidão, querida!
Excluirbjs