Resenha de “O LIVRO DAS FÁBULAS” de Hermann Hesse
Hermann Hesse é um de meus seres humanos favoritos. Através da leitura e releitura de seus livros incomparáveis, fui aprendendo a amar e admirar a luminosa, corajosa e nobre alma do autor, na mesma medida em que seus textos me inspiraram a buscar a luz, a coragem e a nobreza em minha própria vida. Li pelo menos duas vezes cada uma de suas obras principais: “O Lobo da Estepe”, “Demian”, “Sidarta” e meu preferido, “O Jogo das Contas de Vidro”. Já iniciei a terceira rodada de leituras com “Viagem ao Oriente”, que aliás é o livro que recomendo a todos como primeiro contato com Hesse. Há também alguns poucos que só li uma vez, como “Debaixo das Rodas” e “Knulp”.
Dito isso, preciso explicar que essa ordem de leitura é ditada pelo destino. A cada vez que leio um livro de Hermann Hesse, fico tão enlevado que preciso imediatamente compartilhar esse encantamento com alguém querido. Daí passo adiante o livro, confiando que outro exemplar me chegará às mãos no momento certo. Até aqui, a vida não me tem falhado nessa abundante provisão.
E isso tudo para falar de minha alegria de ler “O Livro das Fábulas” pela primeira vez! Esse é o segundo livro de contos dele que leio, então existe ainda o frescor de saborear o seu estilo inconfundível em narrativas mais curtas. E por falar em estilo, alguns dos contos estão tão impregnados da alma de Hesse que não poderiam ter sido escritos por outra pessoa. Esse é o caso, especialmente, de “Um Passeio há Cem Anos”, “O Contador de Histórias” e “’Chagrin d’Amour’”, que me deram uma nostalgia profunda, uma vontade de morar para sempre no planeta Hermann Hesse!
Mas “O Livro das Fábulas” traz também algumas deliciosas surpresas, como “A Involuntária Viagem de Anton Schievelbeyn pelas Índias Orientais”, aventura de navegações e naufrágios que evoca clássicos como “A Ilha do Tesouro” de Robert Louis Stevenson e “Robinson Crusoé” de Daniel Defoe.
Um dos contos que mais me marcaram foi “O Anão”, que traz essa inspiradora fala sobre a arte de contar histórias:
“Uma boa história é como uma boa montaria. A caça brava vive escondida e é preciso armar emboscadas e ficar de tocaia horas e horas a fio, na boca dos precipícios e florestas. Os caçadores mais apressados e impetuosos afugentam a caça e nunca obtêm os melhores exemplares.”
Outro conto que me
fez pensar bastante foi “Uma Noite com o Doutor Faustus”, onde Hesse visita
esse personagem tão caro à Literatura Alemã (tendo inspirado as célebres obras
de Goethe e Thomas Mann). Aqui Mefistófeles, o endiabrado servo do Doutor
Faustus, aparece com um maravilhoso invento, que permite captar cenas que
“estão ainda ocultas no insondável futuro”. Diante do Doutor e de um convidado
de honra, Mefistófeles coloca a engenhoca infernal para funcionar, transmitindo
um constrangedor espetáculo de ruídos assustadores (provavelmente o barulho do
trânsito de uma cidade moderna), além de trechos de poesia rasa, música sensual
e idolatria geral à mediocridade.
Essa é a maneira de Hesse de tecer sua refinada crítica à decadência das artes e dos valores espirituais na sociedade moderna. Esse é um tema recorrente em sua obra, e me lembro do impacto que tive ao ler, em “O Lobo da Estepe”, as sinistras (e certeiras) previsões que Hesse foi capaz de tecer a partir do impacto de ouvir a música de Mozart transmitida por um gramofone. Isso evoca imediatamente outro alemão genial, Walter Benjamin, em seu livro “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, junto com um debate que continua polêmico: será que de fato estamos vivendo essa decadência na cultura e na arte? Ou isso configura, como querem alguns, o eterno queixume dos velhos diante do que é novo: “no meu tempo as coisas eram bem melhores…”?
Penso que qualquer resposta generalizante será equívoca. Existe, de fato, um componente pessoal de sempre achar que aquilo que encantou sua juventude é melhor que aquilo que encanta a juventude dos outros. Contudo, ao ler Hermann Hesse, é inevitável sentir no tutano dos ossos que a humanidade está destinada a coisas mais elevadas que aquilo que ocupa os corações e mentes da maioria das pessoas hoje. Não digo isso como lamentação, mas como esperançoso prenúncio: a decadência das artes anuncia o inevitável fim da atual e enferma sociedade, com o consequente advento de uma nova sociedade. Como leitor, como artista e como ser humano passo meus dias vislumbrando o alvorecer dessa bem-vinda novidade.
\\\***///
MANIFESTO – Mensageiros do Vento
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590
Um experimento literário
realizado com muita autenticidade e ousadia. A ideia é apresentar um diálogo
contínuo, não de diversos personagens entre si, mas entre as diversas vozes de
um coral e o leitor. Seguir a pista do fluxo da consciência e levá-la a um
surpreendente ritmo da consciência. A meta desse livro é gerar ondas, movimento
e transformação na cabeça do leitor. Clarice Lispector, Ferreira Gullar, James
Joyce e Virginia Woolf, entre outros, são grandes influências. Por demonstrarem
que a literatura pode ser vista como uma caixa fechada, e que um dos papéis
mais essenciais do escritor é, de dentro da caixa, testar os limites das
paredes... Agora imagine esse livro escrito por uma banda de rock! É o que
encontramos no livro MANIFESTO – Mensageiros do Vento, disponível aqui. Leia e
descubra por si mesmo!
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5823590
Uma publicação bastante interessante!! :))
ResponderExcluir*
Beijos. Boa tarde! :)
Gratidão, querida!
Excluirbjs