quarta-feira, 9 de novembro de 2022

A TRAGÉDIA AMARALINA DE ÉDIPO ÀS AVESSAS A SERVIÇO DA CRÍTICA SOCIAL


 

Resenha do livro “AQUELES MALDITOS OLHOS AZUIS”, de Gilvã Mendes

Ao ler essa angustiante prosa poética de Gilvã Mendes, foi ficando cada vez mais evidente que “Aqueles Malditos Olhos Azuis” é um legítimo e raro representante contemporâneo do gênero literário conhecido como tragédia. Essa constatação muito me emociona e reforça as conexões pressentidas com o autor, uma vez que também sou um ardoroso devoto de Melpômene, musa inspiradora da tragédia, a quem dediquei um de meus poemas prediletos:


À SENHORA MELPÔMENE


Gratidão, gratidão, gratidão,

Ó Musa da dor e do pranto!

Que eu continue a ouvir o Teu canto

Ecoando em meu coração!

 

E que, vestindo a noite por manto

E então vertendo a fúria em canção,

Eu continue a ecoar o Teu canto,

Vivo e sangrando, em meu coração!

 

Gratidão, Musa do pranto e da dor,

Por nossa humana condição,

Tão afeita à Tua canção!

 

Gratidão pelo Teu severo amor,

Que da feia flor da solidão

Gera esplendor e imensidão!


Quando falamos em tragédia, logo nos vem à mente a tragédia grega, que foi a primeira e, talvez, a mais luminosa expressão desse ramo da Literatura. Digo “talvez” porque as obras-primas de Sófocles, Eurípedes e Ésquilo certamente encontram concorrentes à altura na tragédia elisabetana, que teve em William Shakespeare seu grande representante. Quem foi o maior herói trágico: Édipo ou Hamlet? Na verdade não importa determinar uma resposta para essa pergunta, quando podemos nos beneficiar igualmente da leitura dessas duas obras magníficas!

Boa parte do poder da tragédia reside no fenômeno da catarse, que foi estudado por Aristóteles em sua “Poética”. De acordo com o filósofo, a catarse consiste em vivenciar, por meio de uma obra de arte (tal como a tragédia), emoções aflitivas (tais como medo, ódio e pena) e nessa própria vivência se libertar dessas emoções. É uma ferramenta muito poderosa, da qual tem se valido muitos grandes artistas ao longo dos séculos.

No caso de “Aqueles Malditos Olhos Azuis”, a tragédia e a catarse estão a serviço de uma visceral crítica social. A trama se desenrola em um bairro popular de Salvador, o Nordeste de Amaralina, e traz como heroína a sofrida Nice, que passo a passo vai seguindo sua descida ao inferno, na trilha inescapável das exclusões e injustiças. Nesse contexto, “Aqueles Malditos Olhos Azuis” surgem como um tocante signo lírico da “tragédia amaralina” de Nice, ao representarem tanto um objeto de desejo como o símbolo-mor da opressão e inferiorização da protagonista.

Gilvã Mendez trata de um tema tão pesado e escabroso como essa história de Édipo às avessas com sensibilidade e delicadeza, traçando um quadro muito vívido com pinceladas sutis. A história de Nice é chocante, sim, mas serve a um elevado propósito. Esse livro é um comovente e inspirado grito de alerta: “Isso algum dia terá fim?”


  

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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