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domingo, 28 de maio de 2023

A ARTE DE INVENTAR CONVERSAS IMPOSSÍVEIS PARA CONTAR UMA HISTÓRIA

 


Resenha do livro “COMO ESCREVER DIÁLOGOS”, de Silvia Adela Kohan

Esse livro chegou pelo correio, como uma linda surpresa de meu querido Manoji Axel Guedes. E chegou em boa hora, quando estou prestes a iniciar a revisão de um novo romance em que a narrativa se dá principalmente através dos diálogos. Achei o livro muito útil e pretendo relê-lo de tempos em tempos.

Mesmo quem não pretende escrever diálogos pode gostar de ler esse livro, desde que seja apaixonado por literatura. Uma primeira e muito importante reflexão a respeito dos diálogos na ficção, à qual nem sempre damos a devida importância, é sobre o quanto os diálogos dos romances e contos se distanciam das conversas que realmente acontecem na vida real.

Vou citar como exemplos bem marcantes as considerações de dois talentosos escritores a respeito. O britânico de origem polonesa Joseph Conrad considera os diálogos literários monstruosamente falsos, pois na vida real a maioria das pessoas nunca escuta o que as outras estão dizendo, o tempo todo pensando no que vai dizer em seguida. Já o cubano de origem franco-suíça Alejo Carpentier abomina igualmente os diálogos da ficção, por serem totalmente diferentes do caos de interrupções, hiatos e continuações desconexas de uma conversa real, que pula de assunto a assunto a cada dois minutos.


A essas reflexões mencionadas em “Como Escrever Diálogos”, acrescento um questionamento do brasileiro Luiz Ruffato, que assisti em uma entrevista concedida por ele no Curta! (meu canal favorito). Ruffato pontua que as falas de personagens trabalhadores, humildes, geralmente são escritas de forma caricatural, com ênfase nos erros de português. Mas as falas dos personagens de classe média e alta são escritas em português sem erros, sendo que as pessoas de classe média e alta também cometem erros em seu falar. Como escritor, eu sempre desgostei desses diálogos que arremedam o falar do povo (embora, devo acrescentar, sejam recomendados no livro de Silvia Adela Kohan). Mas nunca havia atinado nessa seletividade elitista de reproduzir as falas do povo de forma caricatural e as falas dos abastados de forma melhorada. Considero esse pensamento do Ruffato um ganho para toda a vida, por isso é que compartilho aqui nessa resenha sobre o tema.

 

Para dar uma palhinha do livro, cito uma lista elaborada pela autora com “14 passos concretos para a criação de bons diálogos”:

“1. Definir a intenção do relato.

2. Fazer fichas completas dos personagens: sabendo quem são eles, saberemos como falam.

3. Decidir se a ambientação prepara o diálogo ou se do diálogo surge a ambientação: saber a causa de nossa escolha.

4. Dosar a informação: não acumular informações importantes na forma de um inventário, de modo explicativo e direto, mas diluí-las ao longo dos diversos discursos.

5. Só pontuar o diálogo com interjeições e interrogações se for realmente necessário.

6. O diálogo deve ser real para nós e verossímil para o leitor.

7. Não recorrer à nossa experiência pessoal, mas à personalidade inventada, que não pertence à realidade e é independente do escritor.

8. Não fazer os personagens dialogarem em vão, por mais tempo do que o episódio requer.

9. Não abusar do verbo “dizer”. Limitar o uso dos verbos dicendi no estilo direto, sempre que sua eliminação não leve a equívocos.

10. Não informar sobre a biografia dos personagens pelo diálogo, a menos que um dos personagens necessite dessa informação: seria um mecanismo falho, pois os que conversam entre si já sabem, em princípio, quem é o seu interlocutor.

11. Avaliar se, numa cena, faltam diálogos ou há diálogos em excesso.

12. Atenção aos dialetos. Se vamos utilizá-los, é importante garantir que o leitor poderá interpretar corretamente o significado das falas.

13. Intercalar o verbo “dizer” – “eu disse”, “ele disse”, “ela dizia” – com outros verbos mais precisos, sobretudo quando o personagem faz ou diz algo de um determinado modo.

14. Tentar mostrar as emoções que assaltam o falante, e não simplesmente mencioná-las.”

 


  

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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ESCRITORES PERGUNTAM, ESCRITORES RESPONDEM

Escrever para quê? 

Doze escritores dos mais diversos estilos e tendências, cada um de seu canto do Brasil, reunidos para trocar ideias sobre a arte e o ofício de escrever. O resultado é este livro: um bate-papo divertido e muito sério, que instiga o leitor a participar ativamente da reflexão coletiva, investigando junto com os autores os bastidores da literatura moderna. Uma obra única e atual, recomendada a todos os que amam o mundo dos livros.

Disponível no link abaixo, leia e compartilhe:

http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5890058 

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