Comunidade Resenhas Literárias: UM LIVRO EXTRAORDINÁRIO SOBRE O MENINO QUE SÓ QUERIA SER “NORMAL”

Resenha do livro “EXTRAORDINÁRIO”, de R. J. Palacio

Como chorei lendo esse livro! Foi uma leitura emocionante e inspiradora do início ao fim. Gratidão à autora R. J. Palácio pela sensibilidade e graça com que tratou de um tema tão difícil e sempre importante, de modo a criar uma história tão bonita. Ao final da leitura, na breve biografia da autora, descobri que ela trabalhou por muitos anos como editora e diretora de arte. Esse longo aprendizado profissional certamente está presente no texto de “Extraordinário”, que é uma história excepcionalmente bem contada, sob todos os ângulos.

August Pullman, o herói de “Extraordinário”, é um menino com uma severa deformidade facial que precisa encarar o desafio de pela primeira vez frequentar uma escola e conviver com as reações das outras crianças, que vão do espanto à pura e simples crueldade. A autora toma esse primeiro ano escolar de Auggie (apelido de August) como cenário para a sua versão pessoal e muito comovente do tema arquetípico do “Patinho Feio”. Muito interessante é o recurso de dividir a história em trechos narrados por diferentes personagens (August, sua irmã e alguns colegas de escola), que vão compondo um mosaico que traz profundidade e ressonância à narrativa.

Uma frase pronunciada por August logo no início do livro ficou reverberando em minha mente:

“Sabe o que eu acho? A única razão de eu não ser comum é que ninguém além de mim me enxerga dessa forma.”

Considero essa história tão importante porque trata de um tema essencial para o nosso tempo: por que é tão difícil para nós lidar com o diferente? Essa dificuldade é a razão de incontáveis violências e sofrimentos ao longo da história humana. O grande mérito de “Extraordinário” é abordar essa diferença no plano mais básico e simples possível: a diferença de August se manifesta em seu corpo, em sua própria face. Por ter um rosto diferente, ele é segregado, perseguido, humilhado. E os executores dessas perseguições não são agentes do mal, mas outras crianças. Será que o comportamento dessas crianças é uma reação instintiva, algo inato à espécie humana? Penso que não.

Nossa sociedade atual é fundada sobre alguns mitos perniciosos, sendo o mais nocivo deles o de que precisamos estar sempre competindo uns com os outros. A própria escola é um aparelho ideológico que propaga essa ideia da competição como valor, juntamente com a televisão e, mais recentemente, a Internet. Dentre outros malefícios gerados por essa ética da competição é que obrigatoriamente passa a existir um único jeito certo de ser e de se comportar, e até de parecer. A competição divide o mundo em vencedores e perdedores, e só o modo dos vencedores pode ser tido como “certo” e “normal”. É por isso que o diferente é uma ameaça a própria existência dos “normais” (de acordo com essa ideologia). Pelo simples fato de estar ali, o diferente pode contaminar os outros, tornando-os impuros e fracassados como ele. E é por isso que o diferente deve ser eliminado sem dó nem piedade, pelo bem de todos os “normais”.

Sei que estou extrapolando um pouco o que é contado em “Extraordinário”, mas essa foi a leitura que fiz dessa história, que (como bem definiu Drummond) me pareceu capaz de fazer “acordar os homens e adormecer as crianças”.

O livro virou filme em 2017. Ainda não assisti, pois queria ler o livro primeiro. Mas só de ver o trailer (https://youtu.be/6g80d7igX0k?si=UvPcHoKLm_rw1Ym9), não é que chorei de novo?