Resenha do livro “O PODER E A GLÓRIA” de Graham
Greene
Graham Greene é um de meus escritores favoritos, que leio com crescente admiração. Sempre termino a leitura de um livro dele com a sensação de que cresci como leitor, como escritor e como ser humano. Sem contar que suas histórias são muito envolventes e instigantes. Graham Greene é diversão e arte!
E esse “O Poder e a Glória” é um dos melhores que li dele. Sempre me incomodou ver aqui e ali Graham Greene ser rotulado como “escritor católico”. Ele é um Escritor (com maiúscula!), e pronto. Escreveu inclusive alguns ótimos livros de espionagem, como “O Fator Humano” e “O Americano Tranquilo”. Outras de suas histórias giram em torno das questões e dogmas do catolicismo, mas esse é apenas o ponto de partida para a Literatura de primeira qualidade. Chamar Greene de “escritor católico” é de um reducionismo lastimável, algo tão estranho para mim como seria ver alguém chamando Jorge Amado de “escritor candomblecista” ou Stephen King de “escritor ateu”.
“O Poder e a Glória” foi publicado em 1940 e retrata as perseguições religiosas ocorridas durante a chamada Guerra Cristera, no México. Durante esse período, a Igreja Católica foi banida do país e todos os padres do México tiveram três opções:
1) Fugir do país.
2) Casar-se, como uma humilhante forma de renegar a
Igreja.
3) Fuzilamento.
Quero destacar a abertura do livro, que já dá ideia da potência narrativa de Mr. Greene:
“O sr. Tench saiu para procurar seu cilindro de éter, sob o escaldante sol mexicano e a poeira esbranquiçada. Alguns urubus observavam do telhado com uma indiferença ultrajante: ele ainda não era carniça.”
A trama gira em torno de um sacerdote em crise (está longe de ser um santo), em uma emocionante jornada de autoconhecimento, enquanto tenta escapar do fuzilamento e ainda exercer, da maneira possível, o seu sacerdócio. Ele é perseguido implacavelmente por um tenente do exército, que considera seu dever sagrado capturar e executar o último padre do México. As motivações do tenente são habilmente resumidas nesse trecho:
“Enfurecia-o pensar que ainda havia pessoas no país que acreditavam em um Deus bondoso e misericordioso. Há místicos que têm fama de terem tido experiências diretas com Deus. Ele também era um místico, e o que experimentara era o vazio – uma certeza absoluta da existência de um mundo moribundo, gélido, de seres humanos que tinham evoluído de espécies animais sem nenhuma razão de ser. Ele sabia.”
Quanto ao padre que é o protagonista de “O Poder e a Glória”, é um personagem extremamente complexo, que vai se revelando aos poucos para o leitor, especialmente em suas interações com outras pessoas. Como nessa passagem tocante em que ele é agredido por uma pessoa repulsiva:
“Quando se visualizava um homem ou uma mulher cuidadosamente, podia-se sempre começar a sentir piedade de alguém – era uma qualidade que a imagem de Deus trazia consigo. Quando se via as linhas nos cantos dos olhos, a forma da boca, o modo como crescia o cabelo, era impossível odiar.”
Outra cena muito comovente é quando o padre é preso à noite, e colocado em uma cela junto com vários outros presos, em total escuridão. À medida que o dia amanhece ele vai conseguindo enxergar as pessoas que interagiram de forma muito aflitiva durante a madrugada:
“Todas as vozes se transformaram lentamente em rostos – não houve qualquer surpresa. O confessionário ensina a reconhecer a forma de uma voz: o lábio pendurado de um queixo fraco e a falsa candura de olhos francos demais.”
O homem diante da morte é um tema magistralmente explorado nesse romance:
“Ninguém sabia realmente quanto poderia durar um segundo de dor. Poderia durar todo um purgatório – ou uma eternidade. Por algum motivo, pensou num homem que um dia ouvira em confissão e que estava prestes a morrer de câncer – os parentes tiveram de usar máscaras por causa do cheiro terrível que exalava dele. Ele não era um santo. Nada na vida era tão feio quanto a morte.”
O livro é pontuado por frases marcantes como:
“A esperança é um instinto que só o raciocínio humano pode matar.”
“Era um erro que se cometia com frequência: achar que só porque os olhos não expressavam nada não havia nenhum sofrimento.”
Terminei a última página com a gratidão por ter nutrido a minha alma com uma autêntica obra de arte.
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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor
de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).
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JÚBILO – Imago Mortis
JÚBILO! é o “álbum silencioso” do Imago Mortis, inicialmente concebido como um EP comemorativo do jubileu de prata (25 anos) da banda. A obra foi composta em julho de 2020, durante um dos piores períodos da pandemia do coronavírus, mas nunca chegou a ser gravada. A publicação do livro físico “DIÁRIO DE UM IMAGO: contos e causos de uma banda underground”, de Fabio Shiva, motivou o letrista a compartilhar o álbum nesse formato de “sombra de canções”, apenas com as letras. Uma experiência diferente, que vale a pena ser vivida. Boa catarse!
Leia
o PDF grátis:
https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7971321
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