sábado, 8 de junho de 2024

EM CADA GOLPE TROCADO NO RINGUE, ECLODEM AS TENSÕES E DESIGUALDADES SOCIAIS

 


Resenha do livro “HOMEM CINDERELA”, de Jeremy Schaap

Hoje é provável que a maioria das pessoas não conheça o nome de James J. Braddock. Há quase cem anos, contudo, ele se tornou um dos homens mais famosos dos Estados Unidos, ao disputar o título mundial dos pesos pesados com Max Baer. Mas o motivo de sua fama tem menos a ver com o boxe que com a conjuntura social de sua época, por conta da depressão econômica deflagrada pela quebra da bolsa de valores em 1929. Braddock tornou-se um símbolo de esperança para os trabalhadores norte-americanos, daí o apelido de “Homem Cinderela”. Depois de perder todo o dinheiro ganho com as lutas por conta da crise financeira e de passar por uma má fase nos ringues, Braddock ficou reduzido a fazer bicos como estivador nas docas para evitar que a família passasse fome. E então, em uma guinada da sorte, viu-se como o novo queridinho da América ao disputar o título de campeão dos pesos pesados.

A história do “Homem Cinderela” é contada com competência pelo jornalista Jeremy Schaap, que proporciona uma leitura interessante e instrutiva, conseguindo a proeza de manter o suspense da narrativa, mesmo que o final seja facilmente adivinhado.


Tive algumas oportunas reflexões ao ler esse livro. A primeira e mais óbvia é sobre o boxe em particular e o esporte em geral como formas mais positivas de lidar com a agressividade humana. Ao pensar nisso, vem de imediato à mente a inspiradora proposta das Olimpíadas, de promover a paz e a boa vontade entre os povos por meio do esporte. Logo em seguida, como contrapartida sombria, ocorre a lembrança de como está sendo cada vez mais comum banir as torcidas dos jogos de futebol, como uma tentativa de combater a violência nos estádios. Um sinal inquietante de que nossa sociedade está ficando mais e mais hostil.

Outro indício dessa ascensão da violência na sociedade é a popularidade das chamadas lutas de vale-tudo, das quais vêm surgindo modalidades cada vez mais agressivas. A julgar pela leitura de “Homem Cinderela”, essas lutas de hoje estão mais próximas da agressividade do boxe praticado há cem anos, quando as luvas protegiam bem menos os lutadores. O próprio James J. Braddock, por exemplo, teve que lutar algumas vezes com a mão esquerda fraturada.

Por essa perspectiva, ganha outra dimensão a descoberta de que o boxe encena, por meio dos lutadores no ringue, os conflitos existentes na sociedade:

“Grande parte dos atrativos do esporte era devida às rivalidades étnicas e raciais que ele suscitava, e que eram exploradas pelos organizadores e apreciadas pelos torcedores, muitos dos quais imigrantes ou norte-americanos de primeira geração. Irlandeses contra judeus. Judeus contra italianos. Italianos contra negros. Negros contra poloneses. Alemães contra todos eles. Os lutadores mudavam de nome, passando a chamar-se O’Brien ou Goldstein a fim de criar combates étnicos que fariam com que suas apresentações atraíssem maior número de espectadores.”


“Na virada do século [19 para 20], o maior astro do boxe era James J. Jeffries, que arrancou o título de Bob Fitzsimmons. Com 1,85m e quase 100 quilos, Jeffries era um homem enorme, especialmente em sua época. É mais lembrado por ter abandonado a aposentadoria aos 35 anos, a pedido de escritores como Jack London, que o chamou de ‘A Grande Esperança Branca’, a fim de desafia Jack Johnson numa luta pelo título em Reno, Nevada, em 4 de julho de 1910. Johnson, o primeiro negro a reinar como campeão dos pesos pesados, estraçalhou Jeffries, e sua derrota provocou manifestações racistas contra os negros e até linchamentos.”

Ao ler esses trechos, não pude deixar de pensar em como dois dos maiores campeões mundiais do boxe – Muhammad Ali e Mike Tyson, ambos negros – tiveram em comum também uma condenação à prisão (Ali, que não chegou a ser preso, por ter se recusado a lutar na Guerra do Vietnã e Tyson por estupro). E a incômoda pergunta que surgiu inevitavelmente: Ali e Tyson teriam sido sentenciados à prisão, caso fossem brancos?


Voltando a “Homem Cinderela”, recomendo a leitura. Eu gostei de ter lido, e olhe que a última luta de boxe que vi com algum interesse foi de Maguila. Imagino que fãs de boxe irão se divertir bem mais.


 

  

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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JÚBILO – Imago Mortis

JÚBILO! é o “álbum silencioso” do Imago Mortis, inicialmente concebido como um EP comemorativo do jubileu de prata (25 anos) da banda. A obra foi composta em julho de 2020, durante um dos piores períodos da pandemia do coronavírus, mas nunca chegou a ser gravada. A publicação do livro físico “DIÁRIO DE UM IMAGO: contos e causos de uma banda underground”, de Fabio Shiva, motivou o letrista a compartilhar o álbum nesse formato de “sombra de canções”, apenas com as letras. Uma experiência diferente, que vale a pena ser vivida. Boa catarse!

 

Leia o PDF grátis:

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7971321

 

 

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