Resenha do livro “O EXECUTANTE”, de Rubem Mauro Machado
Esse foi o meu primeiro contato com a prosa de Rubem Mauro Machado, que em 1986 foi o vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance, com “A Idade da Paixão”. Aqui, em “O Executante”, temos três histórias curtas, sendo que a que dá título ao livro também foi laureada, com o Prêmio Jerônimo Monteiro de Contos de Mistério e Suspense, promovido pela Abril Cultural. Um dado curioso é que tanto esse conto quanto o que abre o livro, “A Carícia da Serpente”, foram inspirados em fatos reais. Apenas “Assassinato em Copacabana”, como adverte Rubem, deve sua origem “única e exclusivamente à imaginação do autor”.
Gostei do estilo seco e direto das histórias, com laivos de amargura e pessimismo que bem justificam a inclusão desse livro na coleção “Noir Brasileiro” da Editora Record. Não há dúvida a respeito do talento de Rubem Mauro Machado como contador de histórias. Contudo o que marcou essa leitura foram reflexões que dizem mais respeito ao momento histórico que atualmente vivemos, de rápidas e profundas transformações sociais, que tornam a leitura de “O Executante” problemática nos dias de hoje.
É que logo nas primeiras páginas de “A Carícia da Serpente”, temos uma digressão do protagonista narrador, o jornalista Hipólito, a respeito de travestis que frequentam a noite da Lapa, no centro do Rio de Janeiro. O texto segue o tom cínico e brutal do resto da narrativa – e é aí que mora o problema. Mesmo tratando-se do ponto de vista do personagem (não necessariamente do autor), é uma descrição agressivamente homofóbica, cuja leitura me causou desconforto. Não creio que um escritor hoje utilizasse tal linguagem, e muito menos que uma editora a publicasse, a menos que a intenção fosse a de uma explícita homofobia. O que, estou certo, não foi o caso desse livro publicado em 2000. Em um quarto de século, o mundo mudou muito, e hoje temos consciência de muita coisa que era invisível há alguns anos. E também, decorre inevitavelmente, estamos cegos para muita coisa que será revelada pelo olhar do futuro. E assim caminha a humanidade...
Mas vamos aos louvores. Gostei especialmente dessa passagem, que compara as delegacias dos seriados americanos com a triste realidade brasileira:
“Delegacia, nesses filmes americanos que passam na TV, é sempre um lugar asséptico, onde os tiras, elegantes como médicos (o detalhe diferenciador é o revólver no sovaco, em vez do estetoscópio no pescoço), bebem café o tempo todo e trocam piadas inteligentes, enquanto decifram a charada de crimes bem arquitetados. A coisa é tão divertida que você lamenta não fazer parte daquela grei. Na realidade, delegacia, pelo menos no Brasil (nunca pisei em terra de gringo), é um lugar triste, sórdido e burocrático, como qualquer outra repartição pública – só que tudo agravado pelo tipo de trabalho que ali se executa.”
E esse trecho também me deliciou, pois sou desses que trabalham dormindo:
“Eu tenho uma teoria: quando tiver um problema difícil para resolver, deite-se com ele e deixe que seu inconsciente, ou subconsciente, sei lá, trabalhe por você. Sem cobrar honorários, sem o cansar ou aborrecer, ele acabará por lhe dar uma resposta, uma solução. Imagino que muitos artistas e escritores devam trabalhar assim: dormindo.”
\\\***///
FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de
“Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica),
“Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O
Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/).
Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).
Facebook: https://www.facebook.com/fabioshivaprosaepoesia
Instagram: https://www.instagram.com/fabioshivaprosaepoesia/
Nenhum comentário:
Postar um comentário