Resenha do
livro “A SOMBRA MATERNA”, de Melodie Johnson Howe
Uma versão feminina das “Aventuras de Sherlock Holmes”: parece incrível que essa ideia só tenha sido posta em prática em 1989. Esse foi o ano do lançamento de “A Sombra Materna” (“The Mother Shadow” no original) nos Estados Unidos. A intenção é declarada explicitamente:
“Estava pensando em Holmes e Watson... Johnson e Boswell... Vance e Van Dine. Repare como são igualmente famosos. Não se pode falar de Holmes sem falar no bom doutor. Mas onde estão as mulheres? Você não vê essa espécie de relacionamento clássico, forte, entre mulheres. As mulheres se isolam, como animais doentes, e escrevem pequenos diários em quartos alugados. Pobres mulheres!”
Essa fala é de Claire Conrad, a detetive da história, que apresenta evidentes referências a Sherlock: ela possui uma mente extraordinariamente aguçada, que a aparta dos mortais comuns, e fica deprimida quando não tem um caso muito difícil para resolver. Mas Claire é uma personagem com méritos próprios: ela se expressa de um modo muito peculiar e é muito refinada e elegante, alternando roupas totalmente pretas ou brancas a cada dia. Além disso, tal como o Batman, seus pais foram assassinados quando ela era criança, em um crime ainda sem solução.
Mas a graça maior do livro é que a autora Melodie Johnson Howe não se limita a criar um “Sherlock de saias”. Toda a trama é permeada pelo olhar muito feminino (e deliciosamente irônico) de Maggie Hill, a narradora da história, que esbanja personalidade e tem muito mais vida própria que o bom doutor Watson jamais sonhou em ter. E a parceria entre Maggie e Claire está longe de ser harmoniosa. É no embate entre essas duas mulheres tão diferentes, empenhadas em resolver um mistério para lá de bizarro, que reside boa parte do fascínio do livro.
A autora nos brinda ainda com algumas ótimas tiradas, como por exemplo:
“Você pode dizer a idade de uma árvore contando os anéis dentro do tronco. Você pode dizer a idade de uma tartaruga contando as pintas na barriga. Se quer saber a idade de uma mulher, olhe para o seu pescoço.”
“O rock’n’roll já atingiu a meia-idade, mas nunca cresceu.”
“Waingrove era um daqueles homens heterossexuais que não gostam de mulher. Eles não gostam da nossa feminilidade: seios, coxas, quadris, vagina. Não gostam do jeito como rimos para nós mesmas ou para os homens. Não gostam do nosso cheiro. E, principalmente, não gostam quando sentem que estamos no seu caminho. Senti que, se fôssemos três animaizinhos na estrada, Waingrove apontaria o carro para nós.”
“A infância e a velhice são grandes equalizadoras. (...) É apenas entre as duas que temos a chance de ser nós mesmas.”
Uma curiosidade
sobre Melodie Johnson Howe: antes de se dedicar à escrita, ela foi atriz de
cinema, atuando em filmes como “Meu Nome é Coogan” e “O Jogo Perigoso do Amor”
(https://youtu.be/bPKiU8MSgl0).
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Fabio
Shiva é músico, escritor e produtor
cultural. Fundador da banda Imago Mortis. Coautor e roteirista de ANUNNAKI -
Mensageiros do Vento, primeira ópera rock em desenho animado produzida no
Brasil. Publicou livros de gêneros diversos: romance policial, ficção
especulativa, contos, crônicas, infantojuvenil e poesia, além de várias
antologias poéticas como organizador. Ghost Writer com seis livros
publicados. Idealizador e proponente de diversos projetos aprovados em editais
públicos, como Oficina de Muita Música!, Gaia Canta Paz, Pé de Poesia, Doce
Poesia Doce, Poesia de Botão, Gincana da Poesia e P.U.L.A. (Passe Um Livro
Adiante). Autor convidado na Bienal do
Livro Bahia 2022 e da FLIPO Castro Alves 2025. Desde 2023 atua à frente da
Natesha Editora.
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