terça-feira, 15 de julho de 2025

MAIGRET X POIROT: DUAS VISÕES DO ROMANCE POLICIAL CLÁSSICO


 

Resenha do livro “MAIGRET E OS FLAMENGOS”, de Georges Simenon

Tive a oportunidade de assistir à versão cinematográfica de Kenneth Branagh para o clássico de Agatha Christie, “Noite das Bruxas” (eu gostei bastante, mas imagino que alguns fãs mais ardorosos de Agatha tenham detestado, por conta das liberdades tomadas com a história original) logo depois de ler o ótimo “Maigret e os Flamengos”, de Georges Simenon. Isso me inspirou a fazer essa comparação entre o famoso detetive belga Hercule Poirot, criado pela inglesa Agatha Christie, e o também famoso comissário francês Jules Maigret, criação do escritor belga Georges Simenon.


É impressionante que esses dois personagens, tão diferentes entre si, possam ser enquadrados na mesma categoria de clássicos do romance policial. Pois é tão grande a diferença entre Maigret e Poirot quanto a que existe, digamos, entre um acarajé e um sushi. Essa analogia gastronômica é intencional, para frisar que a diferença é tão grande que nem cabe um julgamento do tipo “qual é melhor”, sendo isso uma pura e simples questão de gosto pessoal (eu, por exemplo, gostava mais de sushi antes de me tornar vegetariano, mas agora acho que nada supera um bom acarajé...).

O sushi e o acarajé são comidas deliciosas (embora certamente haja quem discorde) e típicas de suas regiões de origem. E isso é praticamente tudo o que esses dois pratos têm em comum. Da mesma forma, Jules Maigret e Hercule Poirot ficaram célebres na literatura policial por investigarem misteriosos crimes de morte. E suas histórias, cada qual ao seu modo, são igualmente saborosas, ao menos para um leitor apaixonado como eu.

Mas vamos às diferenças. Do ponto de vista puramente físico, Poirot é pequeno e roliço, nada predisposto a proezas musculares, enquanto Maigret é uma verdadeira muralha humana, muitas vezes amedrontando um suspeito pela mera imponência de sua presença. Não é incomum, tampouco, que Maigret troque tabefes com malfeitores, e chegou a ficar horas sangrando depois de levar um tiro, recusando-se a ir para o hospital antes de pegar o criminoso. Já Poirot, pelo que eu me lembre, só atirou em alguém uma única vez (mas essa vez me fez chorar...).

Sobre o método de investigação. Poirot é o detetive cerebral, que se vale de suas famosas “pequenas células cinzentas” para elucidar os enigmas mais complicados. Para Maigret, o importante é sentir “o clima” de um crime: ele fica vagando, aparentemente a esmo, pelos arredores da cena do crime (sempre dando uma passada no bar mais próximo para tomar um grogue ou uma cerveja e morder alguns sanduíches), até aparecer com a solução.


A resolução do mistério em si é, ao meu ver, uma das diferenças cruciais entre um romance policial de Agatha Christie e de Georges Simenon. Nos livros de Agatha, esse é o propósito central da trama, e a cena da revelação do assassino acontece com toda a pompa, geralmente com Poirot reunindo os suspeitos em um típico salão inglês, com lareira e tudo, e acusando um por um até chegar no verdadeiro culpado. Nas histórias de Simenon, entretanto, a identidade do criminoso é quase um detalhe secundário, pois o que importa mesmo é o drama vivenciado pelos personagens que orbitam ao redor do crime.

Nas aventuras de Poirot, 90% da diversão é tentar adivinhar o assassino a partir das pistas e despistes lançadas pela autora ao longo da história. Já com Maigret mergulhamos em uma trama intensa, com personagens vívidos, em que a descoberta do assassino é apenas um dentre outros elementos igualmente marcantes.

 

Isso é bem exemplificado em “Maigret e os Flamengos”, que traz o comissário em visita extraoficial à cidade de Givet, na fronteira com a Bélgica. Mais interessante que desvendar “quem matou” é apreciar o rico panorama humano traçado por Simenon, com a família Peeters (os flamengos) no centro de tensões que culminam em um brutal assassinato.

Diferenças à parte, o certo é que a diversão é garantida em ambos os casos. Viva Poirot! E viva Maigret!


 

 

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Fabio Shiva é músico, escritor e produtor cultural. Fundador da banda Imago Mortis. Coautor e roteirista de ANUNNAKI - Mensageiros do Vento, primeira ópera rock em desenho animado produzida no Brasil. Publicou livros de gêneros diversos: romance policial, ficção especulativa, contos, crônicas, infantojuvenil e poesia, além de várias antologias poéticas como organizador. Ghost Writer com seis livros publicados. Idealizador e proponente de diversos projetos aprovados em editais públicos, como Oficina de Muita Música!, Gaia Canta Paz, Pé de Poesia, Doce Poesia Doce, Poesia de Botão, Gincana da Poesia e P.U.L.A. (Passe Um Livro Adiante). Autor convidado na Bienal do Livro Bahia 2022 e da FLIPO Castro Alves 2025. Desde 2023 atua à frente da Natesha Editora.

 

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