domingo, 29 de maio de 2011

Foi apenas um sonho

Tentei em outros momentos escrever uma resenha deste livro, mas encontrava-me incapacitado diante das palavras. É difícil falar sobre uma escrita que capta a essência do natural, do que habita as nossas vivencias, mas que não conseguimos descrever com maestria. Poucos são os autores que conseguem a façanha de relatar exatamente os sentimentos humanos e suas situações – transformá-los em palavras, tão próprias de significado que não são questionadas – e acredito que este seja o caso. Ainda sinto que não poderei descrevê-lo como merece ser feito, mas deixá-lo de fazer seria também um colapso às idéias.
Foi apenas um sonho é real. Não haveria forma mais fidedigna de começar este texto. A estranha contradição entre título/conteúdo e a afirmação de realidade, porém, é justificável. Lançando pela primeira vez no ano de 1961, o romance narra às desventuras do casal Frank e April Wheeler, vivendo as efervescências do subúrbio norte americano dos anos 50. Apesar de temporal, os problemas apresentados aos seus personagens transpõem-se a outras realidades e momentos. É a esperança de fazer-se notável e temer a falta de percepção alheia, de almejar outra realidade e acreditar ser ela mais feliz e sustentável do que a sua própria que o fazem presente. E é por conta destes aspectos que décadas após a sua publicação original, permite que seja pontual na temporalidade.
O jovem casal desponta para a vida com a ânsia de serem bem sucedidos. Encalham, porém, ao se depararem com os sentimentos palpáveis de uma humilde história. Passam a ser a dona de casa frustrada e o homem social afundado em um trabalho medíocre e burocrático, quando ambos almejam serem os agentes de mudança. O livro, sem sombras de dúvidas, consegue transpor ao leitor a realidade do casal e a descrição sentimental ocorrida, sendo possível sentir o marasmo, a tensão, a esperança existente em diversos momentos. Os casos amorosos, os ambientes de trabalho, os problemas, discussões, tudo descrito de uma forma tão próxima a realidade que não poderia ser apenas um sonho.
Buscando abandonar o sentimento de que poderiam ser muito mais do que apresentam, traçam planos para um futuro brilhante, distante de tudo e todos que se fazem presentes. É interessante notar como as vidas dos personagens secundários passam a girar em torno do casal e como tornam-se vítimas da construção de uma miragem – como espelham-se no casal como modelo de vida. O sonho é dividido então entre aqueles que habitam próximos a vida dos Wheeler. Estes, que optam pela fuga da realidade local, despertam nos personagens secundários os desejos de transformação de suas vidas diante de sua presença.  Seus planos de sucesso são interrompidos por um fator inesperado que dá novo fôlego a trama e que levam personagens e leitor a uma discussão moral/ética interessante.
O romance de Richard Yates desperta no leitor o sentimento de fragilidade, por não ter a liberdade de transformar a sua escrita, e o intimida ao levá-lo a perceber nas suas linhas o cotidiano dos seres humanos. O grande trunfo consiste no despertar do leitor a vontade de mudança junto aos protagonistas da trama. Penso ser um romance muito interessante para os amantes para os leitores ávidos. Não à toa, o romance foi classificado como um dos cem melhores do século por uma revista norte americana.
Ele é a prova de que vale a pena frustrar-se com a vida alheia.

Um comentário:

  1. Eu, infelizmente fiz o caminho inverso, assisti primeiro o filme e perdi o total interesse em ler o livro. Não curti a versão apresentada, mas sua resenha despertou de novo a vontade de mergulhar nessa história.

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