quarta-feira, 18 de abril de 2012

CRIME E CASTIGO – Fiódor Dostoiévski


Tive tanto medo de ler esse livro! Adiei e adiei o início da leitura. Uma vez começada, cheguei ao absurdo de tentar aliviar a paulada alternando com um livro de terror clichê... Agora, depois de finalmente ter acabado de ler “Crime e Castigo”, só posso dizer que tinha também razão ao ter medo. Não se lê Dostoiévski impunemente!

“Crime e Castigo” é considerado um dos maiores clássicos da literatura mundial. Não é por acaso. Mas não espere o leitor uma sucessão de frases memoráveis e passagens eruditas, recheadas de primorosos e inofensivos pensamentos. Nada disso. Dostoiévski tornou-se grande à custa de futucar fundo na alma, de remexer nos abismos do espírito, de chafurdar no lamaçal das violentas emoções proibidas.

É isso que faz sua obra imortal: a universalidade da apaixonada contradição humana. Os dramas e sofrimentos que seus personagens enfrentam poderiam muito bem ser os nossos mesmos. Pela força de sua pena, nos sentimos irmanados com as mais abjetas criaturas e os mais condenáveis comportamentos.

Dostoiévski olhou no fundo da própria alma. Não é de se admirar que tenha conseguido revelar tanto da alma de seus leitores no mesmo processo.

Tivesse eu lido esse livro há alguns anos, e o impacto teria sido ainda mais tremendo. Tempos atrás li “Os Irmãos Karamázov”, que chacoalhou o edifício de minha personalidade até os alicerces. Dessa vez eu estava mais preparado, mais amadurecido pela caminhada, menos disposto a pagar com meu próprio sangue pelas revelações de Dostoiéviski.

Ainda assim, meus camaradas! Que pancada!

Pude ao menos admirar com uma certa frieza alguns dos inesgotáveis recursos literários utilizados pelo mestre russo. A maneira como ele alonga a ação, como induz o leitor a adivinhar o que vem em seguida e, mesmo assim, acompanhar indefeso cada parágrafo de agonia e suspense, só a genialidade desse pequeno “truque” já valeria para colocar Dost no panteão sagrado! Mas tem muito mais de onde veio esse...

Um recurso que achei particularmente engenhoso foi utilizado na apresentação do protagonista Raskólnikov. No início do livro o autor expõe cada pensamento e cada reação emocional de seu personagem até a minúcia. Logo em seguida, em uma cena de grande impacto emocional, Dost nos priva do acesso aos pensamentos e emoções de Raskólnikov. Somos apresentados apenas às suas reações externas, às suas palavras e atos. Porém com que habilidade o autor já nos havia transportado para dentro de seu personagem, tornando supérflua a descrição de seus sentimentos, pois nós mesmos já sentimos em nosso peito a sua aflição e agonia!

Pelo tema de sua história, “Crime e Castigo” não deixa de ser ainda um certo tipo muito especial de romance policial.

Uma obra grandiosa e inesquecível!


Citações:


“Dava-se nele um fenômeno inteiramente novo. No seu foro íntimo compreendia ou – o que era muito pior – sentia que estava para sempre afastado do convívio dos homens, que lhe era defesa qualquer expansão sentimental, como a de há pouco, que lhe seria impossível sustentar uma conversação qualquer, não só com essa gente da polícia, mas até com os seus próprios parentes. Nunca, até então, experimentara sensação tão cruel.”

“Nova sensação terrível o dominava progressivamente. Era uma repulsa física para tudo o que o cercava, um obstinado e maligno sentimento de ódio; todos com quem se encontrava tornavam-se-lhe repugnantes. Odiava-lhes os rostos, os gestos. Se alguém lhe falasse, sentia que lhe cuspiria na cara ou o morderia.”

“(...) foram saindo aos poucos, levando no coração aquele vago sentimento de satisfação que ainda o homem mais compassivo não deixa de experimentar à vista da desgraça alheia.”

“Sou um homem porque erro. Nunca uma simples verdade será alcançada sem serem cometidos catorze enganos e muito provavelmente cento e catorze. E o erro nos conduz a muitas coisas boas, mas devemos errar sob nossa própria responsabilidade. Digam tolices, mas digam-nas as suas próprias, e eu os beijarei por isso! Errar em nosso caminho é melhor que acertar em caminho alheio.”

“Eu queria ser um Napoleão; aqui tens por que matei.”

“Qual é a minha opinião a seu respeito? Considero-o um destes homens que deixariam arrancar as entranhas contanto que encontrassem uma fé ou um deus. Pois bem, procure-os. Antes de tudo, há muito tempo que o senhor precisa mudar de ar. Depois, o sofrimento é uma coisa boa. Sofra! Nikolai tem talvez razão em querer sofrer.”

“Bateu à porta; foi a mãe quem a abriu. Dúnetchka saíra e a criada também não estava em casa. Pulkéria Alieksándrovna ficou a princípio muda de surpresa e alegria; depois tomou a mão do filho e levou-o para o quarto.
- Até que enfim te vejo!, disse ela com a voz trêmula de emoção. Não te zangues, Ródia, se tenho a fraqueza de te receber com lágrimas: é a felicidade que as faz correr. Pensas que estou triste? Não; estou alegre, bem alegre; apenas tenho este tolo costume de chorar. Desde a morte de teu pai choro por qualquer coisa. Senta-te, querido filho, estás cansado, bem vejo. Ah!, como estás sujo!”


Mãe é mãe, seja aqui ou na Rússia...


 

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