quinta-feira, 2 de agosto de 2012

OS INOCENTES – Hermann Broch


Dificilmente temos a oportunidade de ler um livro como esse.

“Os Inocentes” é uma obra rara, ousada, incrivelmente ampla em sua proposta, revolucionária em sua forma.

Um “romance” (o próprio autor hesita em qualificar o livro assim) composto de contos e poemas escritos ao longo de quase quarenta anos... uma obra complexa e vertiginosa!

Fiquei sem fôlego ao terminar de ler o livro. Na verdade, ao ler o posfácio do autor, onde ele explica a proposta de “Os Inocentes”, percebi que eu estava tão concentrado na leitura que cheguei a prender a respiração!

Não é um livro fácil, nem de longe. Exige do leitor bem mais que um livro comum. Mas ao final, a sensação é de doce vitória, tal a que experimentamos após galgar uma montanha ou superar um grande desafio.

Só para raros!



Hermann Broch é considerado um dos maiores escritores modernistas. Contemporâneo e amigo de James Joyce, compartilhou com ele a ambição de reinventar o romance.

Hoje essa discussão toda tem um sabor muito especial, pois já se vão décadas desde a suposta “morte do romance”. “Os Inocentes” mesmo foi publicado em sua versão final em 1950 (começou a ser escrito em 1913). Então é um debate já antigo, uma reflexão fora de seu contexto, uma filosofia deslocada no tempo. Ainda assim, que viagem, meus camaradas!!!

Depois que acabei de ler, o livro continuou se mexendo, vivo, dentro de minha mente!


Uma narrativa em várias e várias camadas. A trama central é maligna e genial em sua malvadeza. Cobrindo esse fio condutor, muito lirismo, muita filosofia, muito pensamento de cabeção. Pois não há dúvida de que Hermann Broch é um cabeção!!!

Não consigo contar nada sobre a história em si do livro. Sinto que seria uma traição à grandeza do todo me concentrar em uma pequena parte. Os editores é que não tem esses escrúpulos e colocaram tanto na orelha quanto na contracapa, de forma ostensiva, revelações que o autor prefere deixar o leitor adivinhar, e que mesmo assim só ocorrem no final do livro! Começo a suspeitar que o editor padrão nutre um profundo desprezo pela inteligência do leitor... e também pela integridade artística do livro.

Agradeço à querida Cyntia pela oportunidade de ler esse livro!!!

Que não é nem a obra-prima de Broch... consideram como tal “A Morte de Virgílio”, obra que foi capaz de deixar Aldous Huxley de boca aberta... imaginem!!!

Só para loucos!!!


“Relato da Origem do Romance”

Quis guardar esses trechos do posfácio, que aqui compartilho:

“A forma do romance – mesmo que se trate de obras de consumo fabricadas sem nenhuma ambição artística – modificou-se consideravelmente ao longo dos últimos anos. Como toda a arte, o romance também deve apresentar uma visão total do mundo, e particularmente a totalidade das vidas de seus personagens. Esta é uma exigência cada vez mais difícil de realizar num mundo que se torna a cada dia mais dividido e complexo. (...) A Ciência, por sua vez, não pode oferecer totalidades. Deve entregar esta tarefa à Arte, e com isso, também ao romance. Dessa maneira, o aspecto integral, exigido da Arte, adquiriu um caráter radical antes inimaginável, e para satisfazer essa exigência, o romance precisa de uma multiplicidade de planos, para cuja elaboração certamente não basta a velha técnica naturalista. Deve-se representar o homem na sua totalidade, com toda a gama de suas experiências vividas, desde as físicas e sentimentais até as morais e metafísicas. Assim se apela imediatamente ao lirismo, já que só ele é capaz de proporcionar a indispensável exatidão.”

“Que adianta então servirmo-nos da forma de um romance, para fazermos com que essa raça de burguesotes enfrente sua imagem no espelho? Só para obtermos uma satisfação artística? Só para demonstrarmos que num mundo de terror e de carnificina abstrata nenhuma tradição tem consistência, e que o romance tampouco pode se contentar com os recursos do passado? Para mostrarmos que o tratamento naturalista, ao qual o romance apegou-se muito mais do que as outras artes, necessita agora de uma complementação – possivelmente abstrata –, por mais concreta e honesta que seja sua índole? (...) A resposta já foi dada com monumental pertinência por Joyce. Na sua obra, ele comprovou que um mundo ultracomplexo só pode ser apresentado de modo aproximadamente total mediante o emprego de recursos pluridimensionais, além de especiais construções e abreviaturas de símbolos. Mas será que o pequeno-burguês – supondo que ele leia romances – se reconheceria num espelho artístico fabricado segundo esses princípios? Percebe ele o que significa Bloom? O pequeno-burguês nem sequer se identifica na mais simples caricatura. Pois, fazendo questão de nada ver do que se encontra sob a mais tênue superfície, tampouco o vislumbra. Para que serve então tal romance?

A pergunta toca um dos mais essenciais problemas da Arte, seu problema social. A quem ela deseja colocar diante do espelho? Que resultado espera obter com isso? Um despertar? Uma elevação? Nenhuma obra de arte jamais conseguiu ‘converter’ alguém, para que realizasse qualquer coisa.(...) O escritor consegue apenas expressar suas convicções, mas o abalo que delas provém restringe-se aos domínios estéticos. Elas só convencem quem antes já as tinha. Para o público, não tem nenhuma importância que um herói se imole no palco em prol desta ou daquela crença religiosa. Interessa-lhe apenas o acontecimento dramático do martírio em si. (...) Mas, mesmo que a obra de arte seja incapaz de obter uma conversão (...), ainda pertence ao processo catártico. A obra de arte pode ilustrá-lo. O Fausto, de Goethe, é o exemplo clássico. Mediante tal faculdade de apresentação do processo e – o que é ainda mais importante –, por seu poder de transmissão da catarse, a Arte atinge um significado social que atinge os domínios do metafísico.”

outras citações:

“Se as coisas não tivessem nomes não haveria entendimento, mas também não existiria a desgraça.”

“Toda obra de arte precisa conter uma mensagem que sirva de exemplo a ser seguido. Cumpre-lhe demonstrar, dentro de sua singularidade, a unidade e a universalidade do que acontece ao todo em geral. Essa regra é válida tanto na música, na qual é primordial, quanto na literatura que deve ser criada de acordo com um plano de construção predeterminado e pelo método do contraponto.”

“Mas na santidade, e somente nela
o homem ultrapassa a si mesmo,
e quando, absorto na oração,
entrega-se a uma força suprema,
o lado dianteiro de seu crânio,
o rosto, torna-se humano. Seu destino
chega a ser humano e pleno.
O mundo para ele adquire sentido.
Pois na santidade, e somente nela,
sem a qual não haveria sentido para ele,
o homem encontra a convicção da reverência,
dirigido àquela força suprema, e,
justamente assim, alcança a pura
humildade na terra.”

“E de repente ele soube que àquele a quem se dissolverem as dimensões do ser também será privado da capacidade de dormir com uma mulher.”

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