quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Lendo quadrinhos em "O Sistema"


Capa da edição nacional.

A linguagem dos quadrinhos é objeto de estudo em diversas áreas, em especial nas artes gráficas e na literatura. E merece essa pesquisa. É curioso quando dizemos "ler" quadrinhos. Os gibis oferecem um grande leque de possibilidades para, por página, se inserir um imenso volume de informação, em imagem e texto. Mas sempre nos fascinamos, mesmo, com aquelas obras onde, apenas, lemos quadrinhos, literalmente.

Desde algumas histórias da Turma da Mônica, sem diálogos, isso nos chama a atenção. É algo legal, divertido e interessante. E muito criativo. Afinal, criar uma história bem amarrada e instigante sem diálogo escrito não é para qualquer um do ramo. É necessária bastante criatividade, mais do que a normal. Talvez por isso já lançaram almanaques compendiando histórias da Mônica sem balão de diálogo. Will Eisner era mestre nessas narrativas (afinal, além de grande autor e ilustrador, foi uns dos primeiros teóricos da área). O livro New York - A Grande Cidade é indicado apenas como exemplificativo do grande talento do saudoso gênio da nona arte.

Histórias em quadrinhos sem diálogos escritos são uma espécie de ápice da mídia. Assim, literalmente, embarcamos numa narrativa integralmente gráfica. E, neste terreno, destaco O Sistema do nova-iorquino Peter Kuper, aqui publicado pela Editora Abril, em formato americano, com grampos (acabamento canoa), colorida e em papel tipo jornal, mas de uma qualidade razoável (melhor do que o comum à época). A capa leva o selo Vertigo Vérité (um subtítulo derivado da Vertigo - estampa adulta da DC Comics -, naquela antiga onda de profusão de selos para quadrinhos que, no final das contas, eram quase sempre a mesma temática do selo original).

O Sistema narra, em três capítulos, uma história simples e complexa. Narra a história dos sistemas. Dos vários sistemas que nos cercam. Desde os mínimos sistemas de relações interações pessoais básicas, até os grandes sistemas políticos, sociais e econômicos que vigoram (e sempre vigorarão). E mais: que tudo é comandado pelo caos, somente. Quanto à arte, nos faz recordar o grafite (sim, o dos grafiteiros), e a técnica para produzir a HQ foi, realmente, a mesma que os grafiteiros usam nos muros alheios. Aliás, a presença de um garoto pichador e ilustrador está sempre ali, nas páginas, para nos alertar disso. Diferentemente do grafite, o autor utilizou pintura com aerógrafo, em grandes quadros, posteriormente adaptados ao tamanho específico para a revista.

Arte de "O Sistema".

A obra tem como núcleos principais uma dançarina e seu filho, um mendigo e seu cão, o policial corrupto, um traficante e seu irmão, um espião e mercenário industrial, o homem de negócios aético, a garota hacker, o jovem que todos os dias visita o pai no hospital, e, claro, os símbolos primevos dos grandes sistemas mundiais: as grandes corporações. São diversos microcosmos formando um macrocosmo. Mini sistemas sociais tecendo outros maiores.

Acerca da temática do gibi, destaco as três epígrafes (uma em cada capítulo) utilizadas pelo autor:
William Blake: "Preciso criar um sistema para não ser escravizado pelo sistema de outra pessoa". 
Alexander Pope: "Quem vê com os mesmos olhos, como deus de tudo, um herói tombar ou um pardal cair, átomos e sistemas ruírem, e agora uma bolha estourar, depois um mundo". 
Eramus Darwin: "Estrela após estrela do céu cairá. Sóis afundarão em sóis e sistemas ruirão. No fim, extintos, irão desabar num centro escuro e a Morte, a noite e o caos a tudo envolverão".
A história, sem diálogos ou recordatórios, é amarrada por meio de vários elementos físicos entre os vários núcleos que compõem a história. Por exemplo: se, num momento, para alternar da cena do policial corrupto para a do imigrante taxista, o autor faz com que a viatura policial cruze com o táxi, passando para o próximo personagem. Às vezes, se usa o metrô, passando de um núcleo a outro. Outras vezes, um avião que voa entre tais núcleos de personagens, bem como um pássaro. Muito corriqueiro, também, é o uso da mesma programação de TV, assistida simultaneamente pelos mesmos personagens. Assim, Peter Kuper mantem uma narrativa ininterrupta, uma verdadeira narrativa gráfica. Acredito que a divisão da obra em três capítulos se deu justamente para dar um fôlego a essa dinâmica, tanto ao leitor quanto ao próprio autor.

É um quadrinhos que vale a pena e pode ser encontrado em sebos. E nesta mesma linha de linguagem, no âmbito nacional, recomendo os gibis Pequenos Heróis (de Estevão Ribeiro e outros) e as HQs de Gustavo Duarte (Có, Táxi e Birds). Se você gosta de arte sequencial, leia essas obras.

Kleiton Gonçalves é autor de Blog do Neófito. Siga-nos!

3 comentários:

  1. Massa hem!!!
    Grande resenha!!!
    Eu gostei muito dessa história, muito conteúdo sem palavras!!!

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  2. Obrigado pela citação, Kleiton! Estamos na correria para produzir o segundo número de Pequenos Heróis! Um abraço!

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