terça-feira, 8 de setembro de 2020

MAUS: A HISTÓRIA DE UM SOBREVIVENTE – Art Spiegelman

 


Essa é uma obra impressionante sob muitos aspectos. Primeira história em quadrinhos a ser agraciada com o prestigioso prêmio Pulitzer, em 1992, “MAUS” foi publicada em capítulos, ao longo de 11 anos, entre 1980 e 1991, e conta a história verídica de Vladek Spiegelman, um judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, tal como é contada por ele próprio ao seu filho Art, que por sua vez teve a genialmente desconcertante ideia de transformar essa narrativa brutal em uma história em quadrinhos onde os personagens são caracterizados como animais antropomorfizados: os judeus são ratos, os nazistas são gatos, os soldados americanos são cachorros e assim por diante. Aliás o título “MAUS”, que adquire uma conotação ambígua em português, nada mais é que a palavra “rato” em alemão.

 

Um fator que logo chama a atenção nessa leitura é a crueza com que o autor expõe as dificuldades de relacionamento com o pai, e também alguns momentos muito dolorosos passados pela família, como o suicídio da mãe de Art, ocorrido em 1968, que é descrito em minuciosos e excruciantes detalhes. Essa exposição tão íntima e visceral me fez lembrar de uma crônica de Fernando Sabino sobre a arte de escrever, com muitos conselhos preciosos para escritores iniciantes. O melhor desses conselhos, aliás, é a célebre máxima de Sinclair Lewis: “escrever é a arte de sentar o rabo em uma cadeira”! Em outro trecho dessa crônica do Sabino lemos que um escritor experiente, que já é traquejado em seu ofício de palavras, é capaz de escrever uma história envolvente a partir de uma história banal, do tipo que se poderia contar durante um jantar em família. Mas o escritor iniciante, que não possui esses recursos, precisa ter a coragem de arrancar o próprio coração e colocá-lo, ainda sangrando, na mesa de jantar...

 

Art Spiegelman certamente não tem o menor pudor de apresentar seu coração sangrando diante dos leitores. Mas ele está longe de ser um escritor inexperiente, pois toda essa impiedosa exposição de seus conflitos familiares serve a um altíssimo recurso literário, quando o autor começa a retratar, com a mesma fria imparcialidade, os horrores do nazismo e do holocausto. Diante da sinceridade inapelável de seu narrador, cada página de “Maus” torna-se um inestimável documento histórico sobre os abismos e monstruosidades que os seres humanos são capazes de cometer uns contra os outros.


O que nos leva a reflexões que, infelizmente, ainda se fazem muito necessárias e atuais: o que é o nazismo? Que fenômenos são responsáveis pelo surgimento do nazismo? Como é possível que existam nazistas nos dias de hoje? Será mesmo verdade que existem nazistas brasileiros?

 

Ao notar a minha própria perplexidade ao formular essas perguntas, tomei consciência de dois erros básicos de raciocínio que geralmente cometemos ao falar sobre o nazismo. O primeiro erro é considerar o nazismo como uma espécie de aberração histórica, um fenômeno isolado no tempo e no espaço, e restrito à Alemanha da primeira metade do século XX. Esse é um tema muito extenso e complexo, por isso vou me limitar a comentar aqui, como um convite à pesquisa e à reflexão, sobre o quanto a nossa sociedade de hoje foi literalmente construída a partir de valores nazistas. Acontece que boa parte da ideologia nazista foi cunhada pelo então Ministro da Propaganda, Joseph Goebbels. Ele cunhou uma série de leis da comunicação que foram utilizadas para fomentar o ódio racial e justificar o holocausto, como por exemplo, a chamada lei do inimigo único: “o pão está caro? A culpa é do judeu. Você está desempregado? A culpa é do judeu. Sua esposa está lhe traindo? A culpa é do judeu.” E o xis da questão é que essas mesmas leis da comunicação formuladas por Goebbels continuam em vigor nos dias de hoje. Foram inventadas para legitimar o massacre de seres humanos, mas hoje são usadas para vender sabão em pó, refrigerantes e até partidos políticos. Ou seja, a dita sociedade de consumo, na qual querendo ou não vivemos todos, cresceu e floresceu graças a uma ideologia nazista. Pense nisso...

 

O segundo erro de raciocínio, muito comum, é associar o nazismo exclusivamente ao ódio racial. É certo que o nazismo está intimamente associado a ideologias de supremacia étnica, mas a verdadeira base do nazismo é o ódio. E assim como acontece com o amor, o ódio não tem cor, não tem religião nem nacionalidade. Por isso é que é possível, sim, lamentavelmente, que existam nazistas brasileiros. Novamente, esse é um tema muito complexo, que pede estudo e reflexão. Deixo aqui, como um primeiro passo nesse sentido, a constatação de que o ódio é filho do medo. Geralmente as pessoas abraçam o ódio porque não conseguem reconhecer ou aceitar o próprio medo. O nazismo floresceu na Alemanha do século passado, da mesma forma que ideologias muito parecidas estão atualmente florescendo no Brasil, graças a um sentimento disseminado de medo, que é intencionalmente cultivado no coração das pessoas. Basta lembrar que o slogan da campanha eleitoral de Hitler apelava diretamente a esse medo: foi eleito graças à promessa de conseguir um emprego para cada alemão... e um marido para cada alemã! Hoje uma promessa tão fantasiosa provoca risos, mas na época as pessoas levaram a sério. Assim como hoje levam a sério promessas igualmente fantasiosas, mas que de alguma forma conseguem apelar a esse medo.

 

E ao transmutar o medo em ódio, existe todo um aparato ideológico para dar uma aparência de virtude, patriotismo e até de religiosidade a esse ódio. É quando a pessoa começa a se sentir superior ao objeto de seu ódio (que no fundo é apenas medo disfarçado), é que esse ódio se transforma em nazismo. Quando um homem se sente virtuoso, um autêntico “cidadão de bem” ao exercer o ódio contra outro ser humano, esse é um sinal claro de que mais um nazista surgiu no mundo.

 

“Olhe quantos livros já foram escritos a respeito do Holocausto. Qual o sentido disso? As pessoas não mudaram... Talvez elas precisem de um maior e mais novo Holocausto.” (Art Spiegelman)


 

\\\***///


FAVELA GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Durante esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais luminoso e solidário.

 

O livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo das Trevas para a Luz.

 

A versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o PDF de todo o livro.

 

Fique à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.

 

Leia ou baixe todo o livro no link abaixo:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Link do livro no SKOOB:

https://www.skoob.com.br/livro/840734ED845858

 

Book trailer

https://youtu.be/FjoydccxJGA


 

Entrevista sobre o livro na FM Cultura

https://youtu.be/IuZBWIBYeHE

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...