quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

ÉTICA – Baruch Spinoza

 


Que alegria entrar nos primeiros dias de 2021 na luminosa companhia de Spinoza! Sua “Ética” é, sem dúvida, uma das mais audaciosas e colossais aventuras já empreendidas pelo espírito humano. Assim como não há dúvida de que Baruch Spinoza (ou Benedito de Espinosa, como também ficou conhecido, por conta da antigo costume de traduzir o nome das personalidades históricas) pode ser considerado um dos maiores sábios já produzidos pela humanidade.

A “Ética” de Spinoza, publicada postumamente em 1677, ano da morte do autor, tem a ambiciosa proposta de investigar a natureza de Deus e da alma, bem como das paixões humanas e dos fatores que, por um lado, escravizam o homem e, por outro, podem conduzi-lo a trilhar o caminho da liberdade e da felicidade. Mas o filósofo ainda achou isso pouco, e resolveu que sua Ética seria “demonstrada à maneira dos geômetras”, ou seja, por meio de uma minuciosa e exaustiva análise lógica de uma série de proposições, que vão se acumulando e sustentando umas às outras. A imagem que surgiu em minha mente ao ler esse livro foi a de um gigantesco castelo de cartas, onde cada carta representa uma ideia sutil sobre a verdadeira natureza da realidade.

Está claro que uma simples resenha não teria como abranger totalmente esse autêntico Himalaia da Filosofia Mundial. Por isso vou me limitar a comentar apenas um ponto que me impactou mais diretamente. A primeira parte da “Ética” de Spinoza, “De Deus”, já começa abordando uma das principais dificuldades enfrentadas por aqueles que se dispõem a investigar esse tema crucial:

“Os que confundem a natureza divina com a natureza humana atribuem facilmente a Deus afetos próprios do homem, mormente enquanto também ignoram como são produzidos na mente esses afetos.”

Em minha opinião, essa mania do homem de criar um Deus à sua imagem e semelhança, ou seja, atribuindo características e limitações humanas à essência divina, é uma das principais causas da ignorância e do sofrimento que ainda grassam em nosso planeta. Como Spinoza demonstra em sua magistral filosofia, conhecer Deus equivale a alcançar a suprema felicidade e descobrir o sentido da vida. Por que, então, ao longo dos séculos da história humana, tanto sangue foi derramado e tantos atos sórdidos foram perpetrados em nome de Deus?

A “Ética” de Spinoza me ajudou a entender um pouco melhor esses paradoxos, assim como o paradoxo “complementar” do ateísmo. Pois logo de início o filósofo nos fala sobre a necessidade da existência de Deus:

“Deus, ou, por outras palavras, a substância que consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita, existe necessariamente.”

É importante termos em mente que esse enunciado não é uma dogmática afirmação teológica, mas uma proposição filosófica, que é objeto de análise e escrutínio racional. Tanto que em seguida Spinoza propõe aos que discordam da necessária existência de Deus:

“Se negas isto, concebe, se te for possível, que Deus não existe e, portanto (...), a sua essência não envolve a existência. Ora, isto (...) é absurdo; por conseguinte, Deus existe.”

É muito difícil acessar as complexidades de raciocínio que estão envolvidas nessas proposições sem ter lido o livro. Contudo, não é necessário seguir esse caminho mais árduo. Sigamos esse singelo conselho do filósofo e tentemos, realmente, conceber que Deus não existe. No ponto em que me encontro de minha própria existência e reflexões, considero essa tarefa impossível de ser realizada de forma intelectualmente honesta.

E aqui chegamos ao X da questão: em minha opinião, todos aqueles que se consideram ateus, se forem examinar com isenção suas propensões e pensamentos, irão descobrir que na verdade estão apenas contestando uma concepção específica de Deus, tal como proposta por alguma determinada religião. Dizendo isso de forma mais clara, quando o ateu diz que “Deus não existe”, de fato está querendo dizer que “o Deus da igreja católica não existe”, ou “o Deus evangélico não existe”, ou o “Deus muçulmano, judeu, hindu etc. não existe”.

Duas coisas me impressionam muito quando penso sobre esse assunto. A primeira é como as pessoas que se consideram ateias não se dão conta de que, ao afirmar que o universo é obra do acaso, simplesmente estão afirmando sua crença em um Deus chamado “Acaso”? E um Deus muito inverossímil, diga-se de passagem. Basta considerar um único exemplo para que esse ponto de vista fique bem claro: imagine que estamos diante de uma obra de arte de grande complexidade, tal como a “Mona Lisa” de Da Vinci, a “Tocata e Fuga em Ré Menor” de Bach ou a “Ética” de Spinoza. Daí chega alguém e diz que o vento soprou diversos pigmentos aleatórios sobre uma tela, ou uma sequência qualquer de sons foi registrada, ou bastou jogar um monte de letras para o alto para ver que palavras formavam... Se parece absurdo negar a inteligência e a intenção criadora por trás de uma obra de arte, por que ainda há quem ache lógico, científico e racional negar a Inteligência Divina que criou um ser capaz de criar a “Mona Lisa”, a “Tocata e Fuga” e a “Ética”?

O segundo motivo de espanto é o outro lado da moeda dessa mesma questão: como é possível ainda existirem tantas pessoas acreditando piamente que o Deus de sua religião escolhida é o único verdadeiro, e que todas as outras religiões estão enganadas ou (pior ainda) são obra do Diabo? Foi de tanto pensar nessa questão, inspirado pela “Ética” de Spinoza, que finalmente atinei numa resposta: a maioria das religiões e concepções de Deus que temos hoje surgiram em uma época em que a humanidade vivia segmentada em pequenas nações, desconhecendo quase tudo sobre outros povos e acreditando que a Terra era o centro do universo. Nessa época, antes da Internet e do Telescópio Hubble, talvez fizesse sentido alimentar concepções tão diminutas de Deus, que eram incapazes sequer de abranger a humanidade como um todo, que dirá as incontáveis galáxias, com suas infinitas possibilidades de vida... O que Spinoza me ajudou a perceber, com sua inesgotável paciência com as limitações humanas, é que todas essas descobertas que ampliam tanto as dimensões do universo conhecido ainda são muito recentes, e que talvez ainda subsistam, até como memória genética, essas versões tão minúsculas de Deus!

Até aqui falei apenas das reflexões motivadas pela leitura da primeira das cinco partes da “Ética” de Spinoza. Bem queria falar das outras quatro partes, mas tenho meus próprios livros para escrever!

Gratidão, grande sábio Spinoza, por me fazer sentir tanto orgulho por pertencer a espécie humana!


 

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FAVELA GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Durante esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais luminoso e solidário.

 

O livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo das Trevas para a Luz.

 

A versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o PDF de todo o livro.

 

Fique à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.

 

Leia ou baixe todo o livro no link abaixo:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Link do livro no SKOOB:

https://www.skoob.com.br/livro/840734ED845858

 

Book trailer

https://youtu.be/FjoydccxJGA



 

Entrevista sobre o livro na FM Cultura

https://youtu.be/IuZBWIBYeHE




 

4 comentários:

  1. A reflexão que propõe, baseada na Ética de Espinosa, é tão velha como o mundo e será sempre motivo de especulação e discussão, enquanto o mundo for mundo.
    Abraço amigo.
    Juvenal Nunes

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  2. Gratidão pelo comentário, amigo Juvenal!

    Grande abraço!

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