domingo, 14 de fevereiro de 2021

O CÃO AMARELO – Georges Simenon

 


“O Cão Amarelo”, publicado em 1931, é não apenas um dos primeiros, como um dos mais famosos romances policiais de Georges Simenon que têm como herói o Comissário Maigret. Simenon é certamente um de meus escritores favoritos, e li muitos livros dele dando tratos à bola para descobrir o que torna as suas histórias tão incrivelmente irresistíveis.

Para começo de conversa, suas tramas de mistério estão bem distantes do tradicional jogo de adivinhação que constitui o fascínio maior do romance policial clássico, o chamado “whodunit” (“quem matou ?”), que tem como indiscutível rainha a inglesa Agatha Christie. Nas histórias do belga Simenon, o deleite não está tanto em adivinhar a identidade do assassino (o que pode até ocorrer), mas em simplesmente mergulhar na história, tal como o herói improvável Jules Maigret, que na maioria das vezes dá a impressão de não saber muito bem o que está fazendo:

“— Não compreendo ainda inteiramente os seus métodos, comissário, mas creio que começo a adivinhá-los.

Maigret viu seus olhos risonhos e soltou em direção ao sol uma espessa baforada de fumo.

— Pois tem sorte, meu velho. Sobretudo no que concerne a este caso, no qual o meu método consistiu justamente em não ter nenhum... Se quer um bom conselho, se deseja fazer progresso na profissão, não me tome por modelo, nem procure extrair teorias daquilo que me vê fazer.

— E, todavia, constato que agora o senhor chega aos indícios materiais, mas só depois de...

— Justamente, depois. Depois de tudo. Fiz a investigação, por assim dizer, às avessas, do fim para o princípio, o que não impede que faça a próxima do princípio para o fim. É uma questão de atmosfera. Uma questão de pessoas. Quando cheguei, dei de cara com uma pessoa, que me interessou sobremaneira e que não larguei mais...”

A palavra-chave é “atmosfera”. Assim como o método de Maigret é mergulhar na atmosfera do local onde o crime foi cometido, um dos maiores encantos do texto de Simenon é a sua capacidade de envolver o leitor na atmosfera de suas histórias. Em “O Cão Amarelo” há inclusive uma referência explícita a essa misteriosa conexão entre o ambiente externo e as tensões psicológicas vivenciadas pelos personagens:

“Aliás, e sem que se pudesse dizer por que, a sensação de alívio era geral. Isso talvez tivesse alguma coisa a ver com o tempo que, de súbito, consertara. O céu dava a impressão de haver sido lavado há pouco. Era azul, de um azul um pouco pálido mas vibrante, em que cintilavam umas poucas nuvens ligeiras. O horizonte parecia. até, mais vasto, como se houvessem aberto a calota celeste. O mar, muito liso, resplendia, pontilhado de pequenas velas, que pareciam bandeiras espetadas num -mapa de estado-maior.”

Um dos segredos para se obter esse clima tão envolvente das histórias está, creio eu, na habilidade ímpar de Simenon em descrever cenários. Não conheço outro autor que se equipare a ele no talento de insuflar vida e poesia aos cenários de seus enredos. Selecionei alguns trechos que falam por si dessa poderosa e sedutora capacidade descritiva:

“Uma bela mansão de pedra cinzenta, de frente para o mar. A cada vinte segundos, o pincel luminoso do farol incendiava as vidraças.”

“No terrapleno, havia, já, umas cinquenta barracas, com montes de manteiga, ovos, legumes, suspensórios e meias de seda. À direita, estacionavam caleças de todos os modelos possíveis; e o conjunto era dominado pela passagem fugidia das grandes coifas brancas e aladas, de renda aberta.”

“Adivinhava-se o sol, por trás da abóbada uniforme de nuvens.”

“Maigret estava imóvel, parecia deslumbrado com o panorama do pequeno porto, a Ponta do Cabélou, à esquerda, com seu bosque de abetos e seus acessos rochosos, a baliza vermelha e negra, as boias escarlates que marcavam a passagem até as Ilhas Glénan, que a cerração não permitia perceber muito bem.”

“Todos os planos eram irregulares. Havia tetos muito baixos e outros da altura de dois homens. Aqui e ali, janelas acesas. Algumas tinham persianas contra as quais se projetavam silhuetas, como um teatro javanês de sombras. Num quarto ao longe uma mulher lavava um bebê numa bacia esmaltada.” 

“Havia um friozinho no ar. O vento vinha do largo, do mar alto, e cheirava aos sargaços cujas grossas touceiras negras se destacavam contra a areia branca da praia.”



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Durante esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais luminoso e solidário.

 

O livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo das Trevas para a Luz.

 

A versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o PDF de todo o livro.

 

Fique à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.

 

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Entrevista sobre o livro na FM Cultura

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