segunda-feira, 5 de abril de 2021

A VIDA NÃO É ÚTIL – Ailton Krenak

 


Esse pequeno grande livro é composto de cinco textos que foram adaptados de entrevistas, palestras e lives realizadas por Ailton Krenak entre novembro de 2017 e junho de 2020. Ao término da leitura, cheguei à conclusão de que Krenak pode ser chamado, com toda propriedade, de um autêntico “Arauto do Apocalipse”, se considerarmos o significado original e mais profundo da palavra “apocalipse”, que é “revelação”.

A revelação que Ailton Krenak nos traz é a de uma sabedoria ancestral, que é uma herança preciosa de toda a humanidade, mas que só chega até o momento presente graças à determinação e coragem dos povos indígenas, que souberam preservá-la. Contudo o grande mérito de Krenak é o de ser um admirável tradutor, que expressa os conhecimentos dos filhos das florestas em uma linguagem que não só é compreensível para os habitantes das “selvas de pedra”, como é capaz até mesmo de tocar seus enrijecidos corações. A mensagem de Krenak é dura e cheia de verdades amargas, contudo traz em seu âmago uma revitalizadora fé em novos futuros para a espécie humana:

“Quando pensamos na possibilidade de um tempo além deste, estamos sonhando com um mundo onde nós, humanos, teremos que estar reconfigurados para podermos circular. Vamos ter que produzir outros corpos, outros afetos, sonhar outros sonhos para sermos acolhidos por esse mundo e nele podermos habitar. Se encararmos as coisas dessa forma, isso que estamos vivendo hoje não será apenas uma crise, mas uma esperança fantástica, promissora.”

Eu fiquei especialmente feliz ao ver a fala de Krenak reverberar em total sintonia com o pensamento sistêmico defendido por cientistas como Fritjof Capra, que afirma ser a pandemia do coronavírus uma resposta biológica do planeta aos desatinos cometidos pela humanidade. É basicamente o mesmo que diz Krenak, com outras palavras:

“É incrível que esse vírus que está aí agora esteja atingindo só as pessoas. Foi uma manobra fantástica do organismo da Terra tirar a teta da nossa boca e dizer: ‘Respirem agora, quero ver’.”

“O que estamos vivendo pode ser a obra de uma mãe amorosa que decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por um instante. Não porque não goste dele, mas por querer lhe ensinar alguma coisa. ‘Filho, silêncio.’ A Terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: ‘Silêncio’. Esse é também o significado do recolhimento.”

“Ou você ouve a voz de todos os outros seres que habitam o planeta junto com você, ou faz guerra contra a vida na Terra.”

“Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário.”

“O que estou tentando dizer é que a minha escolha pessoal de parar de derrubar a floresta não é capaz de anular o fato de que as florestas do planeta estão sendo devastadas. Minha decisão de não usar automóvel e combustível fóssil, de não consumir nada que aumente o aquecimento global, não muda o fato de que estamos derretendo.”

“Isso que as ciências política e econômica chamam de capitalismo teve metástase, ocupou o planeta inteiro e se infiltrou na vida de maneira incontrolável.”

“Se uma parte de nós acha que pode colonizar outro planeta, significa que ainda não aprenderam nada com a experiência aqui na Terra. Eu me pergunto quantas Terras essa gente precisa consumir até entender que está no caminho errado.”

“Os seres humanos não têm certificado, podem dar errado. Essa noção de que a humanidade é predestinada é bobagem.”

“Essas incríveis tecnologias que a gente utiliza hoje, que nos põem em conexão, têm uma boa dose de ilusão. São como um troféu que a ciência e o conhecimento nos deram e que usamos para justificar o rastro que deixamos na Terra.”

É praticamente impossível falar sobre pandemia no Brasil sem mencionar as ideias e práticas genocidas de nosso atual desgoverno. E Krenak faz isso com muita acuidade e elegância:

“O presidente da República disse outro dia que brasileiros mergulham no esgoto e não acontece nada. O que vemos nesse homem é o exercício da necropolítica, uma decisão de morte. É uma mentalidade doente que está dominando o mundo. E temos agora esse vírus, um organismo do planeta, respondendo a esse pensamento doentio dos humanos com um ataque à forma de vida insustentável que adotamos por livre escolha, essa fantástica liberdade que todos adoram reivindicar, mas ninguém se pergunta qual o seu preço.”

“Governos burros acham que a economia não pode parar. Mas a economia é uma atividade que os humanos inventaram e que depende de nós. Se os humanos estão em risco, qualquer atividade humana deixa de ter importância.”

Tenho um tio que sempre me chocou por demonstrar uma raiva intensa e irracional contra os povos indígenas. Mais recentemente, esse tio se tornou para mim o mais acabado exemplo de apoiador fanático das ideias fascistas e anti-humanas que hoje estão na moda entre os autoproclamados “cidadãos de bem”. Lendo Krenak, pude compreender melhor como esses dois fenômenos estão profundamente interligados, de modo que o ódio contra os povos ancestrais alimenta o fanatismo fascista, e vice-versa:

“Os povos nativos resistem a essa investida do branco porque sabem que ele está enganado, e, na maioria das vezes, são tratados como loucos.”

“Eles escravizaram tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e o mundo como um lugar maravilhoso. O mundo possível que a gente pode compartilhar não tem que ser um inferno, pode ser bom. Eles ficam horrorizados com isso, e dizem que somos preguiçosos, que não quisemos nos civilizar. Como se ‘civilizar-se’ fosse um destino. Isso é uma religião lá deles: a religião da civilização." 

“Talvez o que incomode muito os brancos seja o fato de o povo indígena não admitir a propriedade privada como fundamento. É um princípio epistemológico. Os brancos saíram, num tempo muito antigo, do meio de nós. (...) Então, quando a gente se reencontra, há uma espécie de ira por termos permanecido fiéis a um caminho aqui na Terra que eles não conseguiram manter.”

É importante ressaltar que o que motiva Krenak é uma inabalável confiança no propósito maior da vida:

“Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro.”

“Quem sobrevive a uma grande catástrofe costuma pensar em mudar de vida porque teve uma breve experiência do que é, de fato, estar vivo.”

“Temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver.”

Que assim seja! Gratidão, Ailton Krenak!


  

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FAVELA GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Durante esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais luminoso e solidário.

 

O livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo das Trevas para a Luz.

 

A versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o PDF de todo o livro.

 

Fique à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.

 

Leia ou baixe todo o livro no link abaixo:

https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica

 

Link do livro no SKOOB:

https://www.skoob.com.br/livro/840734ED845858

 

Book trailer

https://youtu.be/FjoydccxJGA


 

Entrevista sobre o livro na FM Cultura

https://youtu.be/IuZBWIBYeHE


 

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