Ao terminar essa leitura tive uma gratificante sensação, que muito
curiosamente foi bastante parecida com a que experimentei ao permanecer por
alguns instantes na absorta contemplação de uma pintura em algum museu ou salão
de arte. Foi essa a impressão que me causou a literatura de R. K. Narayan: a de
um quadro pintado com maestria e leveza, expressando através de tonalidades
sutis e ágeis pinceladas uma série complexa de emoções indistintas. Trata-se de
uma cena completa e acabada, onde nada falta, mas de alguma forma persiste o
sentimento de que existe todo um universo mais amplo, de onde a pintura foi
recortada, e que apenas pressentimos ao admirá-la.
Rasipuram Krishnaswami Iyer Narayanaswami, mais conhecido como R. K. Narayan, nasceu em Madras, Índia, no ano de 1906 e viveu até os 94 anos. “O Pintor de Letreiros” foi publicado em 1977, quando o autor estava com 71 anos e mais de 10 livros de sucesso, que lhe renderam prêmios e adaptações cinematográficas. A trama gira em torno de Raman, cuja profissão é pintar letreiros para os comerciantes de Malgudi, a cidade fictícia no sul da Índia, onde se passam todas as histórias de Narayan. A determinação de Raman em permanecer solteiro é abalada quando ele conhece a intempestiva Daisy, que trabalha como missionária na ingrata missão de conscientizar as populações carentes sobre a necessidade do controle de natalidade.
Esse pano de fundo possibilita cenas muito interessantes, como as reflexões de Raman sobre as “crianças sujas e maltrapilhas” que pululavam nas calçadas ao redor do mercado de Malgudi:
“Nesse ritmo, invadiriam o planeta inteiro – mas não havia de ser nada: embora parecessem esfomeadas, suas peles, achocolatadas ou quase negras, reluziam saudáveis e seus olhos brilhantes irradiavam vitalidade. De onde vinham? Alguém compareceu à cerimônia de casamento de seus pais? Ou, ainda, quem eram esses pais? Talvez não houvesse nada de errado com a vinda delas ao mundo. Tinham tanto direito de estar aqui como qualquer outra pessoa; mais bocas para alimentar – tudo bem, é só achar mais comida para essas bocas e pronto.”
Quando li esse trecho, achei a princípio que o autor estava retratando a ingenuidade de Raman, que enxerga de forma tão simplista um problema tão complexo. Contudo, ao transcrever essa citação acima, me dei conta de que talvez exista uma profunda sabedoria nessa suposta ingenuidade. Afinal, a fome no mundo é um problema insolúvel, ou só parece insolúvel porque estamos todos empenhados em competir uns com os outros?
Esse outro trecho, onde o autor descreve a beleza de Daisy, também me fez pensar:
“Adequava-se às feições dela, que eram de um marrom translúcido – a melhor textura que a pele humana podia ter.”
Uma pele marrom é a marca da mestiçagem, o que me fez concordar que realmente é a cor mais bonita para a pele humana. Cada vez mais penso, como Jorge Amado, que a miscigenação é a única solução para o racismo, o preconceito e a intolerância. E encontrar isso expresso de forma tão sutil – e audaciosa para um autor indiano que escreve em inglês! – no texto de Narayan foi um presente inesperado.
Tal como a sabedoria, o senso de humor e a ironia desses outros trechos:
“Posso persuadir os animais silvestres a seguir meus conselhos, mas já não tenho a mesma certeza quanto a poder influenciar os seres humanos. (...) Posso enxotar as cobras do meu caminho. É preciso falar com elas. Elas nunca discutem. Mas basta falar alguma coisa para um ser humano, para que isso vire polêmica.”
“Um método certeiro para arranjar-se uma esposa parecia ser quebrar-lhe a clavícula com delicadeza.”
“A maior parte da conversa social é só uma falação sem sentido, que de alguma forma conforta a humanidade com uma ilusão de comunicabilidade.”
Finalizando essa resenha, quero registrar minha crescente admiração por Graham Greene, que além de um grande escritor parece ter sido também um admirável ser humano. Foi graças a ele que Narayan publicou seu primeiro romance, e não é a primeira vez que vejo um louvor de Graham Greene a outros escritores adornando a contracapa de seus livros:
“Narayan é o escritor de língua inglesa que mais admiro.” (Graham Greene)
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FAVELA
GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:
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Durante
esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única
garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade
preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais
luminoso e solidário.
O
livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do
cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos
tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos
mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo
das Trevas para a Luz.
A
versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na
tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor
e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o
PDF de todo o livro.
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à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.
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Book
trailer
Entrevista sobre o livro na
FM Cultura
Muito obrigada pela bela publicação :))
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No despertar da melancolia...
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Beijo. Votos de um dia feliz.
Gratidão por essa energia boa, querida!
ExcluirBjs