sexta-feira, 1 de julho de 2022

NO DIÁLOGO FILOSÓFICO ENTRE DOIS HOMENS SÁBIOS, VERDADES PRECIOSAS RESISTEM AO TEMPO

 


Resenha do livro “LEIBNIZ: Coleção Os Pensadores”

Criamos um inevitável vínculo afetivo com os livros que passamos muito tempo lendo. Levei meses sem conta para atravessar essas quinhentas e tantas páginas do volume da Coleção Os Pensadores dedicado a Gottfried Wilhelm Leibniz, ao passo de duas ou três páginas por dia. Apesar de não ver a hora de terminar essa leitura, quando afinal cheguei à última página senti uma tristeza fininha, como se estivesse me despedindo de um querido e sábio companheiro de viagem.


Leibniz foi, inegavelmente, um dos grandes gênios da humanidade. No ano de 1676, ele descobriu o cálculo diferencial (paralelamente a Isaac Newton, que acabou levando o crédito pela descoberta). Saber disso me fez temer o início dessa leitura, pois ainda estava traumatizado pela árida peregrinação pelo volume dedicado a Newton, repleto de fórmulas matemáticas incompreensíveis para mim. Felizmente esse volume de Leibniz traz a obra “Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano”, que trata de filosofia da pura e da boa, exatamente do tipo que eu gosto!


O livro é estruturado de forma muito interessante, como um diálogo entre dois amigos, sendo um deles sábio e o outro mais sábio ainda. O sábio é Filaleto, que é definido como “uma pessoa que deseja sinceramente conhecer a verdade”. Ele expressa principalmente muitas das ideias de John Locke e de René Descartes, que serão refutadas ou complementadas por seu amigo mais sábio ainda, Teófilo (cujo nome significa “amigo de Deus”). Separei esse trechinho como um exemplo delicioso e inspirador dessa prosa, que continua proporcionando preciosos ensinamentos nos dias atuais:

FILALETO: “Os que menos examinaram as suas opiniões são os que mais se apegam a elas.”

TEÓFILO: “Efetivamente, o que mais se tem direito de censurar nos homens não é a sua opinião, mas o seu juízo temerário em censurar a opinião dos outros, comos se para ter uma opinião contrária a deles fosse necessário ser estúpido ou mau.”


Vou falar primeiro do que eu gostei mais, que é uma das ideias centrais da metafísica de Leibniz, como muito bem resumido no prefácio (provavelmente escrito pela querida professora Marilena Chauí):

“A partir da noção de matéria como essencialmente atividade, Libniz chega à ideia de que o universo é composto de unidades de força, as mônadas, noção fundamental de sua metafísica.”


Encontrei esse conceito das mônadas (ou ideias muito semelhantes) em textos maravilhosos sobre espiritualidade, de diversas vertentes. Em minha concepção pessoal, entendo a mônada como uma espécie de “átomo espiritual”, a menor unidade energética contendo individualidade e a centelha divina da Consciência Crística.

Creio que essa pertinência espiritual da filosofia de Leibniz fará com que ele continue sendo relevante (ou ao menos lembrado com gratidão) em eras futuras e mais sábias que a nossa. Alguns trechos de sua filosofia bem que poderiam constar de algum venerando manual de yoga:

“As ideias e verdades inatas não podem ser apagadas, mas estão obscurecidas em todos os homens (como eles são no momento) pela sua inclinação às necessidades do corpo, e muitas vezes ainda mais pelos maus hábitos. Esses caracteres da luz interna brilhariam sempre no entendimento, e dariam calor à vontade, se as percepções confusas dos sentidos não se apoderassem da nossa atenção.”

“Creio que alimenta um conceito demasiado alto do seu entendimento aquele que imagina poder estender os pensamentos para além do lugar onde está Deus.”

No campo da moral também encontrei pérolas preciosas, que por si sós tornariam essa leitura mais do que válida:

“Que ninguém diga (…) que não pode dominar as suas paixões ou impedir que elas se desecadeiem e forcem a agir; pois, o que podemos fazer ante um príncipe ou algum homem importante, podemos fazê-lo também quando estamos sozinhos ou na presença de Deus, se o quisermos.”


Essa afirmação foi um excelente complemento ao constante lembrete de Paramahansa Yogananda, de que cada um de nós é o único responsável pelos próprios pensamentos. Jai Guru!

Mas mesmo se formos considerar apenas a esfera da filosofia ocidental, a relevância de Leibniz também se impõe. Ele foi claramente, por exemplo, um precursor de David Hume:

“Ora, todos os exemplos que confirmam uma verdade de ordem geral, qualquer que seja o seu número, não são suficientes para estabelecer a necessidade universal desta mesma verdade, pois não segue que aquilo que aconteceu uma vez tornará a acontecer da mesma forma.”


Esse tema, de que nada nos autoriza a supor a natureza como repetitiva e previsível, seria central na revolução conceitual promovida por Hume. No caso de Leibniz, esse pressuposto leva a uma concepção do idealismo que, para mim, continua sendo bastante atraente:

“Daqui parece dever-se concluir que as verdades necessárias, quais as encontramos na matemática pura e sobretudo na aritmética e na geometria, devem ter princípios cuja demonstração independe de exemplos, e consequentemente também do testemunho dos sentidos, embora se deva admitir que sem os sentidos jamais se teria vindo à mente pensar neles.”


Mas Leibniz foi também o precursor de Arthur Schopenhauer em uma de suas ideias mais interessantes:

“Visto ser evidente que o homem não tem a liberdade de querer querer ou não (…).”


A referência imediata é uma frase de Schopenhauer que ficou famosa ao ser citada por Albert Einstein:

“O homem pode fazer o que quer, mas não pode querer o que quer.”

(Aliás, sou muito grato a essa frase, que me permitiu encerrar uma discussão chatésima com um satanista que queria me converter para a igreja dele, inspirada na tal da Lei de Thelema, citada por Raulzito: “Fazes o que tu queres, há de ser tudo da lei”…)


Como não poderia deixar de ser, também encontramos em Leibniz passagens que ficaram desatualizadas em decorrência de descobertas posteriores. Uma das mais chamativas foi essa enfática afirmação, tornada obsoleta pela descoberta do célebre “salto quântico”:

“Nada se faz de repente, e uma das minhas grandes máximas, e das mais comprovadas, é que a natureza nunca faz saltos: o que eu denominei Lei da Continuidade.”

Na verdade, uma das coisas que mais me espantou nessa leitura foi o tanto de coisas absurdas que eram tidas como senso comum na época de Leibniz (entre os séculos XVII e XVIII). Por exemplo, vira e mexe Filaleto cita, como um fato público e notório, o nascimento de “monstros”, que seriam animais ou criaturas metade animal, metade humano, nascidas de ventres humanos. A princípio estranhei muito que tamanha ignorância pudesse conviver com tantas e inegáveis demonstrações de sabedoria. Mas depois me dei conta de que a época de Leibniz não é tão diferente assim de nossa própria época: hoje também temos maravilhosas realizações do espírito humano convivendo lado a lado com as mais tacanhas manifestações de ignorância e obtusidade. E assim caminha a humanidade…



 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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