terça-feira, 20 de setembro de 2022

O DEVER DA ESPERANÇA DIANTE DA PANDEMIA DO RESSENTIMENTO

 


Resenha do livro “PROJETO NACIONAL: O DEVER DA ESPERANÇA” de Ciro Gomes

Ler este livro me fez sonhar com dias mais luminosos para o Brasil – e, por extensão, para o mundo. Nesse futuro mais esclarecido (que acredito que não esteja tão distante), o povo elege seus representantes não a partir de identificações pessoais baseadas em emoções primitivas, mas a partir da análise racional de projetos de governo. Nesse futuro de meus sonhos, as pessoas votam em projetos, não em personalidades. E ao final de cada mandato os governantes eleitos devem prestar contas dos projetos que foram apresentados, mostrando ao povo o quanto foi cumprido ou não e porque.

Como produtor cultural, estou acostumado a inscrever projetos em editais públicos. E em todos os projetos que realizei com o dinheiro público tive que prestar contas de tudo o que foi feito. Penso que nossa sociedade será imensamente beneficiada se cada político eleito tiver essa mesma obrigação de qualquer produtor cultural, dando satisfação ao povo de cada promessa feita durante a campanha.

O que nos traz ao conturbado cenário das eleições de 2022. Dois fatores me chamaram mais a atenção em meio ao clima de tensão e hostilidade generalizada:

1) Todos (ou quase todos) estão absolutamente convencidos de que estão “do lado certo”. Independente de que lado seja esse, o lado que cada um escolheu é tido como o único certo – e 100% certo. A isso se chama “monopólio da virtude”, expressão refinada que oculta terríveis perigos: se acredito que estou do lado do Bem e da Verdade absolutos, qualquer pessoa que discorde de mim será não apenas minha inimiga, mas inimiga do Bem e da Verdade e, portanto, deve ser reduzida ao silêncio por quaisquer meios necessários. Isso evoca logo outra expressão tristemente banalizada: “ódio do bem”…

2) Nessa guerra do Bem absoluto contra o Mal absoluto (com cada lado acreditando estar “do lado do Bem”), a primeira vítima a tombar é a verdade. Tenho testemunhado com crescente estarrecimento jornalistas e figuras públicas, amigos e parentes, conhecidos e desconhecidos afirmando, postando e compartilhando coisas que certamente sabem que não são verdadeiras, unicamente porque possuem poder destrutivo para causar um bom estrago “no outro lado”. As Fake News são tão nocivas porque contam com tantos cúmplices conscientes em sua propagação. Quando a verdade sai de cena, tudo o que sobra é uma sangrenta batalha de narrativas.

Considerando esses dois fatores em conjunto, detectamos com pesar, no Brasil (e no mundo) de hoje, um acirrado fanatismo de parte a parte, que se torna ainda mais grave pelo progressivo e voluntário descolamento da realidade. Quando pensamos que os políticos refletem e representam os valores do povo, é de dar calafrios imaginar o tamanho do problema em que continuamos nos metendo a cada eleição.

Como costuma acontecer, felizmente, a solução pode estar embutida no próprio problema. E o problema maior, no caso, é que as pessoas estão condicionadas a votar com o fígado e não com o cérebro. O ano de 2022 é apenas o exacerbamento do que acontece desde sempre: as eleições são decididas pelas emoções. E a emoção que mais está presente nos corações e mentes dos brasileiros hoje, ao que tudo indica, é o ressentimento.

O bolsonarismo, que tomou de assalto as urnas do país em 2018, é uma força bruta e cega que se alimenta quase que exclusivamente do ressentimento. Quando compreendemos isso, fica um pouco mais fácil elucidar tantas insanidades e absurdos em nome de Deus, pátria, família etc. A grande tragédia de nosso momento atual, ao meu ver, é que esses quase quatro anos sob essa toxicidade bolsonarista acabaram contaminando também os não-bolsonaristas com a aflitiva enfermidade do ressentimento.

Penso se tratar de uma autêntica pandemia, talvez não menos grave que a da Covid. No Brasil, a “Pandemia do Ressentimento” atingiu primeiro as pessoas mais vulneráveis, que sofriam de outras sérias comorbidades como a homofobia, o racismo, o elitismo e o machismo. Com o passar do tempo, contudo, como não foram tomadas as medidas necessárias para a erradicação da doença, o vírus do ressentimento foi se espalhando até nas comunidades mais saudáveis.

Gostaria de estar exagerando. Temo não estar sendo drástico o suficiente. Com muita tristeza, vim observando amigos e familiares queridos, que hoje adotam a religião (só consigo concebê-la nesse sentido) do lulopetismo, adotando as mesmas atitudes de intolerância e arrogância que antes eram o imediato sinal identificador do bolsonarista arraigado.

Bolsonaro é um infortúnio sem limites para o mundo. Dentre outras tantas tragédias, cito que 400 mil brasileiros (no mínimo) morreram sem necessidade, unicamente por conta de seu negacionismo anti-vida. Dizendo isso de outra forma, de cada 11 pessoas que morreram de Covid no Brasil, 8 estariam vivas hoje, se não fosse pelo governo Bolsonaro. Isso é um crime hediondo, no qual têm responsabilidade todos que votaram em Bolsonaro e especialmente aqueles que continuam apoiando seu desgoverno até hoje. Mesmo que consigam escapar da justiça humana, certamente não escaparão de uma justiça mais elevada, essa sim infalível.

Está claro que Bolsonaro é o mal. Contudo será mesmo Lula o bem? Parte do ressentimento que alimenta o bolsonarismo não se deve a motivos espúrios (homofobia, racismo, elitismo etc.), mas à imensa decepção provocada pelos escândalos de corrupção do PT e, sobretudo, com a grave crise financeira que estourou na mão de Dilma, mas foi orquestrada durante o governo de Lula. Se Lula não tivesse errado tanto, e decepcionado tanto, Bolsonaro não teria se fortalecido tanto com o ressentimento nacional e continuaria sendo apenas um inexpressivo deputado do baixo clero.

Entre Lula e Bolsonaro, mil vezes Lula, é claro. Contudo temo por nosso Brasil nos próximos anos, quando (espero de todo coração estar enganado) Lula entregar mais decepção para um povo que já sofreu tanto e que foi levado a acreditar que seu governo será algo como a segunda vinda de Cristo. Sobretudo porque o grande mal do bolsonarismo são os bolsonaristas, e eles continuarão aí, “acumulando raiva e rancor”, e (espero de todo coração estar enganado) mais empoderados do que nunca, pois estarão isentos da penosa obrigação de justificar as barbaridades do governo Bolsonaro, com as duas mãos livres para jogar pedras no telhado dos outros… Temo que só estejamos alimentando o retorno do bolsonarismo em 2026 ao eleger Lula em outubro.

Enquanto isso, em meio a essa lastimável “briga de foice no escuro”, lá estava Ciro Gomes, apresentando um projeto robusto, complexo, bem elaborado, para ser conhecido por todos, para ser debatido e enriquecido pelo debate, para ser posto em prática e aperfeiçoado pela experiência. Se hoje boa parte dos brasileiros ainda não está interessada em um projeto de desenvolvimento, mas em disputas movidas pelo ressentimento, que isso não seja motivo de tristeza, nem de rebeldia, mas de esperança: esse lindo projeto já existe. E um dia, se Deus quiser, será colocado em prática. Para mim, isso basta.


 

 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “TANTO TEMPO DIRIGINDO SEM NINGUÉM NO RETROVISOR: Contos da Era Bolsonaro” (https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/6871467), e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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