sábado, 6 de julho de 2024

A VINGANÇA É UMA PÁGINA ESCRITA COM TINTA ENVENENADA: MATA QUEM A ESCREVE

 


Resenha do livro “CONCEBIDO COM MALDADE”, de Louise DeSalvo

A ideia que motivou esse livro é muitíssimo interessante: a literatura como vingança, como forma de retribuir uma ofensa e de ferir aquele que nos feriu. Sou grato a essa leitura principalmente pela oportunidade de refletir sobre esse tema, tão importante para quem se propõe a escrever.


Podem me chamar de ingênuo, mas essa possibilidade de usar a escrita como instrumento de vingança não me ocorreu espontaneamente. Eu já estava em vias de publicar o meu primeiro livro, “O Sincronicídio” (https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/7847612), quando vi um meme na Internet dizendo algo como: “Não irrite um escritor, pois ele pode matar você em seu próximo livro.” O meme era direcionado a um escritor conhecido meu, cujo livro eu havia acabado de ler. Isso me fez “fechar a Gestalt”, como se diz: percebi que os desagradáveis personagens desse livro eram provavelmente inspirados em pessoas reais, que não devem ter gostado nem um pouco de se verem retratadas dessa forma (antes de morrerem na história). Daí a vingança...


Achei a ideia interessante e decidi experimentar. Nos contos de meu livro seguinte, o duplo “Labirinto Circular (https://www.amazon.com.br/Labirinto-Circular-Fabio-Shiva-ebook/dp/B09MSVN9GZ) / Isso Tudo É Muito Raro (https://www.amazon.com.br/Isso-Tudo-%C3%89-Muito-Raro-ebook/dp/B09MSWTTBP)”, usei e abusei da vendeta literária, espinafrando sem dó nem piedade aqueles que haviam me ofendido. Isso me fez sentir bem na época, mas hoje, ao reler esses contos, sinto vergonha por ter sido tão mesquinho.



Comecei meu romance seguinte, “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), ainda na força do ódio, assassinando esse escritor que havia me inspirado à vingança literária (ele havia aprontado uma comigo). Contudo durante o processo da escrita fui desistindo da vingança, e ficou apenas (oculta aos olhos do leitor) a motivação inicial.


 

Isso me preparou para o próximo livro, “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3), onde amigos e desafetos foram igualmente expostos e zoados com total imparcialidade. Aqui, graças a Deus, ocorreu uma luminosa mudança: o desejo não era mais a vingança, e sim fazer rir. O mesmo processo aconteceu, com ainda mais leveza, em meu livro mais recente, “Histórias de Mainha” (https://youtu.be/AepVx2Rf0Vk).


 

Mas foi em um livro publicado em 2020, “Contos da Era Bolsonaro” (https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/6871467), que a vingança literária alcançou o propósito certo e exato para mim. Não se tratava mais de me “vingar” de uma pessoa, mas de exorcizar uma ideia vil e nefasta: o bolsonarismo. Pois Bolsonaro em si é um ser humano tosco, patético e, em última instância, digno de pena. O malefício que ele causa no mundo decorre do fato de muitas pessoas se sentirem representadas por ele. O bolsonarismo já existia muito antes de Bolsonaro, que só fez tornar visível e inegável essa vocação fascista e escravagista de parte dos brasileiros.


Sobre o livro “Concebido com Maldade”, achei a execução bem inferior ao tema que o inspirou. Fiquei com a impressão de que a autora Louise DeSalvo teve a intenção de “se vingar dos vingadores”, adotando posições extremamente parciais e explicações pseudopsicológicas para lá de bizarras ao analisar as obras de Leonard Woolf, D. H. Lawrence, Djuna Barnes e Henry Miller. Com base nessas análises, que eliminaram qualquer vontade de ler esses autores, suas vidas e motivações parecem absolutamente incompreensíveis. Vingança concluída com sucesso.

O melhor do livro é mesmo a introdução, de onde tirei essas passagens marcantes:

“O escritor é o duelista que jamais luta na hora marcada, que guarda um insulto como qualquer outro objeto curioso, um item de colecionador, despeja-o mais tarde sobre sua mesa e empenha-se verbalmente num duelo com ele.” (Anais Nin)

“Sigmund Freud acreditava que o escritor cria uma obra de arte para modificar ou substituir, através da fantasia, as insatisfações com o mundo real. A obra de arte ocorre porque o escritor está infeliz ou insatisfeito. (...) A escrita criativa origina-se da necessidade do escritor de ser invulnerável ou invencível. Escrever, portanto, ‘conserta’ o ego.”

“Arthur Koestler afirma que o ato criativo é impulsionado por necessidades agressivas e empáticas. Por um lado, por meio do humor sátira e exagero, podemos ridicularizar um inimigo e desabafar nossa agressão. Paradoxalmente, o ato de criação nos obriga a tomar o lugar de nossos inimigos, invertendo os papéis com eles, mesmo quando os criticamos.”

Na medida em que possa ser sábio e proveitoso o conselho de “escrever sobre o que lhe incomoda”, mais vantajoso será, certamente, seguir o lema de Spinoza: “Não temer nem odiar, mas sim compreender.” Depois dessa extensa rememoração que essa leitura me proporcionou, fiquei muito feliz e grato ao constatar que tanto no livro que terminei há pouco (ainda não publicado) quanto no que estou escrevendo agora, o desejo de vingança não tomou parte, ao menos conscientemente.


 

  

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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