sábado, 10 de agosto de 2024

A LEI DE TCHÉKHOV É CLARA: A ARTE DEVE SER SIMPLES (E COMPLEXA) COMO A VIDA

 


Resenha do livro “PEÇAS DE TCHÉKHOV”

Uma curiosa jornada literária me conduziu à leitura dessas Peças de Tchékhov. Tudo começou quando a Mundo Escrito postou o TBT de um vídeo (https://www.instagram.com/p/C5eHbh3C9lB/) em que eu respondia à pergunta: “O que é escrever bem?” Nesse vídeo, que data de 2018 ou 2019, eu menciono Shakespeare como “o maior escritor de todos os tempos”. Fiquei feliz ao ver o vídeo hoje e perceber que já avancei de lá para cá. Pois hoje estou mais consciente da pluralidade de literaturas, não me sendo mais possível enxergar um único escritor como “o maior de todos os tempos” – em que pese a minha imorredoura paixão por William Shakespeare.

Mas enfim, esse vídeo chamou a atenção de meu querido irmão poeta Adão Cunha, que me emprestou um longo artigo de Liev Tolstói baixando o sarrafo em Shakespeare. Foi uma absoluta surpresa descobrir que Tolstói (um autor que admiro muitíssimo) detestava Shakespeare tanto assim. Na maravilhosa troca de ideias que se seguiu com Adão, meu amigo comentou que só tinha um sujeito que Tolstói achava pior que Shakespeare: Anton Tchékhov.

Foi o suficiente para me fazer iniciar a leitura dessas Peças de Tchékhov, que eu dispunha em uma versão em inglês da Penguin Books (“Chehov Plays”), com tradução e introdução de Elisaveta Fen, que explica (em tradução livre minha):

“Na época em que Ivanov foi escrita, Tchékhov possuía noções muito bem definidas de como a arte dramática deveria ser. Ele disse a seus amigos que o teatro deveria ‘mostrar a vida e os homens como são, não como deveriam parecer se você os pusesse em pernas de pau’. ‘Deixe as coisas que acontecem no palco serem tão complexas e também tão simples como são na vida. Por exemplo, pessoas fazendo uma refeição à mesa, simplesmente fazendo uma refeição, mas ao mesmo tempo sua felicidade está sendo criada, ou suas vidas estão sendo esmagadas.’”

“Os personagens usualmente conversam da forma inconsequente e ilógica com que a maioria das pessoas o faz na vida do dia a dia. Situações e personagens arquetípicos são cuidadosamente excluídos, enquanto acontecimentos triviais e ordinários recebem pungência e significado pela sugestão de um contraste entre a aparente simplicidade das coisas e a subjacente complexidade do sentimento e da situação.”


Até então, eu só conhecia Tchékhov por sua fama como contista excepcional e por sua famosa “Lei”, que achei muito sábia e justa em minha jornada como escritor:

“Se um revólver aparece em determinada cena, ele deve ser disparado em uma cena seguinte.”

O que eu não imaginava é que o próprio Tchékhov levaria a sua Lei tão ao pé da letra: em quase todas as peças dessa antologia aparece um revólver, que de fato é disparado em seguida!

Mas há muito mais nessas peças que a mera utilização da célebre Arma de Tchékhov. Permeando as situações aparentemente banais do cotidiano, é perceptível uma constante indagação sobre o sentido da vida, em especial a partir da perspectiva da Arte. Como nessas falas do escritor Trigorin em “A Gaivota”, que talvez reflitam os dilemas do próprio autor:

“Estou obcecado dia e noite por um pensamento: devo escrever, devo escrever, simplesmente devo... Por algum motivo, assim que termino um romance, sinto que devo começar outro, então outro, depois outro... Escrevo com pressa, sem parar, e não posso fazer nada mais.”

“Um escritor menor, especialmente se não teve muita sorte, vê a si mesmo como desajeitado, estranho e indesejado. Ele fica nervoso e extenuado, e se sente irresistivelmente atraído para pessoas ligadas à literatura ou à arte, mas então fica apenas vagando no meio delas, sem ser reconhecido ou notado, incapaz de olhá-las direta e corajosamente nos olhos, como um jogador apaixonado que não possui nenhum dinheiro.”

“Sim, enquanto estou escrevendo eu gosto. Gosto de ler as provas também, mas... assim que a coisa sai impressa, não posso mais tolerá-la. Imediatamente vejo que não é como eu intencionava, que é um erro, que não deveria ter sido escrita de modo algum, então fico raivoso e deprimido...”


Também em “A Gaivota”, temos a atriz Nina, que parece expandir essas reflexões sobre a Arte e o sentido da vida:

“Acho que agora sei, Kostia, que o que importa em nosso trabalho – seja atuando ou escrevendo histórias – o que realmente importa não é a fama, ou o glamour, ou as coisas com as quais eu costumava sonhar, mas saber como suportar as coisas. Como carregar a sua cruz e ter fé. Eu tenho fé agora e não estou sofrendo tanto, e quando meu penso em minha vocação, não tenho medo da vida.”

É interessante notar que a Arte é descrita como um trabalho, um dever penoso a ser cumprido, em contraste com o ócio e a futilidade de uma aristocracia russa que via o trabalho como uma atividade para seres inferiores, como vemos nessa fala de “Três Irmãs”:

“Nós precisamos trabalhar, trabalhar! A razão pela qual nos sentimos deprimidos e temos uma visão tão sombria da vida é que nunca soubemos o que é fazer um esforço real. Somos filhos de pais que desprezavam o trabalho...”


Esse tema é uma constante nas peças de Tchékhov, para quem uma vida vivida no ócio é incompatível com a felicidade, como é belamente descrito nessas outras passagens de “Três Irmãs”:

“Não somos felizes e não podemos ser felizes; apenas desejamos a felicidade.”

“De algum modo a minha alma parece um piano caro que alguém trancou e cuja chave foi perdida.”

As peças de Tchékhov foram escritas entre o final do século XIX e o início do século XX. Em algumas cenas de “Três Irmãs” tive a impressão de que Tchékhov pressentia a Revolução que se aproximava daquele cenário aparentemente tão imutável:

“O tempo está chegando: há uma terrível nuvem carregada avançando sobre nós, uma poderosa tempestade está vindo nos refrescar! Sim, está vindo mesmo, já está bem próxima, e vai expulsar toda essa ociosidade e indiferença, esse preconceito contra o trabalho, essa podridão do tédio que aflige nossa sociedade.”

“Pode muito bem ser que no tempo que virá a vida que vivemos hoje pareça estranha, desconfortável e estúpida, não muito limpa e até pervertida...”


Já em “Tio Vânia” achei que Tchékhov estava profetizando bem além da Revolução Russa:

“Vocês seguem destruindo as florestas insensivelmente, e logo não sobrará mais nada na terra. Do mesmo modo vocês insensivelmente destroem os seres humanos e logo, graças a vocês, não haverá mais lealdade, nem integridade, nem capacidade de autossacrifício. Por que vocês não conseguem olhar para uma mulher com indiferença, a não ser que ela lhes pertença? Porque (...) há um demônio em cada um de vocês. Vocês não poupam nem a mata, nem os pássaros, nem as mulheres, nem uns aos outros.”

Foi mais do que auspicioso esse meu primeiro contato com a dramaturgia de Anton Tchékhov, detestado por Tolstói e amado por tantos. Anseio agora por ler os seus contos tão louvados, bem como assistir alguma de suas peças sendo encenada.


 

 

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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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HISTÓRIAS DE MAINHA

“É claro que minha mãe é muito mais do que as anedotas contadas aqui. Ainda assim, acredito que será possível, mesmo para quem não a conhece pessoalmente, ter acesso a algo de sua essência pela leitura deste livro. Não se trata de uma biografia, e nem poderia, mas sim de algo como um lúdico holograma. Em cada piada, em cada risada, espero que você tenha acesso a uma alegria mais profunda, que talvez seja inexprimível por meio das palavras.” (Fabio Shiva)

 

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