O melhor de ter lido esse livro foi perceber o quanto podemos aprender, mesmo com leituras que não nos agradam muito. Não existe leitura em vão!
Quanto ao livro, a princípio achei esquisiiiiiiito...
John Dickson Carr é um nome bastante associado à ficção policial “clássica”, tendo inclusive exercido o cargo de Presidente tanto na associação de Escritores de Mistério da América (Mystery Writers of America) quanto no Clube dos Detetives de Londres (London Detective Club). Pelo que me lembro, Carr foi um dos grandes responsáveis pela elaboração das “regras” do romance policial que foi divulgada por uma dessas associações. Nunca tive acesso à lista completa de regras, mas sem dúvida é um documento muito interessante para os apaixonados pela ficção policial. Algumas regras são óbvias, tais como apresentar pistas suficientes para que o leitor possa descobrir a identidade do assassino. Outras são verdadeiras pérolas, como a expressa proibição de utilizar seres alienígenas ou tecnologias ainda não inventadas na trama!!!
Em “A Casa no Cotovelo de Satã” (“The House at Satan’s Elbow” no original) Carr apresenta uma trama dentro do estilo no qual ele tornou-se provavelmente o maior especialista mundial: o mistério do quarto fechado. Esta é uma subdivisão do romance policial onde o assassinato ocorre dentro de uma sala trancada por dentro. Esse tema foi abordado pelos maiores dentro da ficção policial, de Conan Doyle a Agatha Christie, passando por Edgar Wallace e, é claro, John Dickson Carr.
O “mistério do quarto fechado”, em si, é uma coisa. A especialização buscada por Carr é outra bem diversa. O que encontrei nesse livro de título tão sinistro foi uma trama estapafúrdia, que me lembrou os desenhos do Scooby Doo, com um fantasma passeando pelos corredores de uma velha mansão inglesa (a tal casa no cotovelo do cramulhão). O enredo é tão minuciosamente elaborado e cerebral, com base em detalhes técnicos, que se torna absolutamente inverossímil. Ninguém jamais cometeria um assassinato da forma descrita neste livro, ao menos em minha opinião.
Toda a atenção do autor parece estar focada no famoso “mistério do quarto fechado”, daí que todo o resto se torna secundário. Os personagens são pouco convincentes e as falas me deram a impressão de algum jogral ou peça colegial, uma absoluta confusão de vozes que teve o objetivo, acredito, de tornar as pistas ainda mais difíceis de serem percebidas.
Neste livro fui apresentado ao Dr. Gideon Fell, um dos célebres detetives de ficção. Como o próprio autor o descreve, “seu talento especial é útil somente em um caso tão louco que ninguém mais consegue entender”.
Outra característica do Dr. Fell é ser bastante volumoso corporalmente, pesando mais de 150 kg. Mas em matéria de peso, tanto quanto de talento, acho que ele não se compara ao muito mais interessante Nero Wolfe, criação de Rex Stout.
E então, o aprendizado!!!
Essas foram as minhas impressões ao terminar a leitura, mas eu não estava satisfeito. Como era possível que um autor tão respeitado pelo público e por seus pares cometesse um livro tão esquisito? Além disso, era patente que o autor sabia escrever, isso era algo que se evidenciava na leitura. Por quê, então, aqueles diálogos estapafúrdios e o tom burlesco de toda a trama?
Havia se tornado evidente que eu estava deixando de perceber algo. Se eu não era capaz de encontrar nenhum mérito no livro, era por uma falha de percepção minha.
A solução veio num clique. O livro que eu havia lido como uma história de suspense e mistério era na verdade uma farsa, uma comédia, uma sátira ao romance policial!!!
Tudo passou a fazer sentido, do climão Scooby Doo ao crime impossível, passando pelos diálogos que tanto haviam me incomodado. E até o próprio título do livro passou a encaixar como uma luva.
Esse John Dickson Carr é uma figura!!! Um senso de humor totalmente britânico aliado a uma mente meticulosa e caprichosa tinha que dar num livro desses!!!
E como foi que eu li um livro inteirinho de comédia acreditando que fosse de suspense???
Como pobre justificativa para minha percepção tardia, só posso dizer que uma piada contada há mais de meio século (o livro é de 1957) e em outro idioma talvez não seja facilmente reconhecida como tal...
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