Que vovozinha terrível!!!
Parece ser uma especialidade da Inglaterra, essas distintas
e simpáticas senhoras que viram o capeta quando sentam diante de uma máquina de
escrever!
Gosto de lê-las todas! Mas confesso que poucas vezes me vi
tão sacudido pela força e intensidade literária de uma obra, como ao ler esse
aparentemente inofensivo romance policial de P. D. James.
O que primeiro chamou a atenção foi a grossura do livro, bem
maior do que o habitual em histórias policiais. O motivo não tardou a se
mostrar: “Um Gosto por Morte” é muito mais que uma mera trama policial!
Indo quase que direto ao ponto: sabe aquele filme, “A Mosca”
(“The Fly” dirigido por David Cronenberg)? O cientista Brundle funde-se
geneticamente com uma mosca, transformando-se portanto em uma pavorosa
criatura: uma mosca de dois metros com diploma de Harvard!!! :)
Pois então, senhoras e senhores. P. D. James é igualmente o
pavoroso fruto da fusão improbabilíssima de dois monstros (ou melhor dizendo
monstras) sagrados da literatura inglesa:
Agatha Christie e... (rufem os tambores...)... Virginia Woolf!!!
Caraca!!!
Uma outra forma de dizer isso é: P. D. James é o elo
perdido! A ponte improvável entre o existencialismo profundamente sombrio de
Virginia Woolf e uma trama de assassinato na aristocracia inglesa, no melhor
estilo de Agatha Christie!!!
Vou confessar tudo.
Ainda estou sob o profundo impacto dessa leitura. No ano de
seu lançamento, 1986, “Um Gosto por Morte” vendeu meio milhão de exemplares só
na Inglaterra. Perfeitamente compreensível.
Essa é uma história absolutamente inglesa, com um sabor
profundamente britânico. Basta dizer que parte crucial da trama desenrola-se às
margens do rio Tâmisa (acho esse nome tão bonito! Uma linda tradução para
Thames river).
Também tem um pouquinho de Doris Lessing nessa mistura de bruxa,
algo desse olhar incrivelmente amargo. P. D. James é uma vovozinha muito má
indeed!!!
Notável a criação do comandante Adam Dalgliesh, investigador
da Scotland Yard e poeta. De início pensei que essa poetice do detetive era
caricatural, mas logo vovó PD mostrou
como sua poesia é mesmo visceral... O poeta é aquele que enxerga o óbvio, o que
faz de Dalgliesh um excelente detetive.
O recurso de dois ajudantes é muito bom. Sai da linearidade
da velha síndrome do doutor Watson (“o amigo burro do detetive”). Polarizando
ainda mais, um casal: a inspetora Kate Hicks e o ruivo detetive Massingham.
Dois corpos degolados numa igreja. Irmanados pela morte, em
vida foram muito diferentes: um era mendigo, e outro era barão.
Durante boa parte do livro cheguei a pensar que P. D. James
era superior a Agatha Christie!!!
Depois cheguei a ficar revoltado com o tanto de veneno que
percebi no livro!
E foi então que levei um rabo de arraia que me deixou
estatelado no chão, sem saber o que pensar.
Vovó Phyllis Dorothy James White, que aparece na orelha do
livro em uma foto incrivelmente irônica, conseguiu levar o romance policial
além de suas velhas fronteiras, audaciosamente indo onde nenhuma velhinha
simpática jamais esteve.
Livro fechado, não diria que é melhor que Agatha Christie,
pois Rainha só tem uma.
Mas que fiquei de boca aberta, fiquei.
Trechos do livro
Frase de abertura:
“Os cadáveres foram encontrados na manhã de quarta-feira, 18
de setembro, às oito e quarenta e cinco, por Emily Wharton, solteirona de
sessenta e cinco anos e beata da paróquia de Saint Matthews.”
Interessante:
“Quase tudo o homem pode vulgarizar, menos a morte.”
“É claro, vocês da polícia estão sempre querendo novos
depoimentos. Será que vocês, às vezes, não correm o risco de acreditar que tudo
que há de importante na vida pode ser colocado em palavras, assinado e admitido
como prova? Acho que é essa a atração do seu trabalho. Toda a confusão
incompreensível reduzida a palavras datilografadas numa folha de papel,
documentos apresentados como provas com etiquetas e números. Mas o senhor é um
poeta... ou, pelo menos, já foi. Não imagino que acredite ser o dono da
verdade.”
Ótima resenha!!!
ResponderExcluirGenial a ligação Virginia Wolf - Agatha Christie = P D James.