sábado, 16 de junho de 2012

UM GOSTO POR MORTE – P. D. James



Que vovozinha terrível!!!

Parece ser uma especialidade da Inglaterra, essas distintas e simpáticas senhoras que viram o capeta quando sentam diante de uma máquina de escrever!

Gosto de lê-las todas! Mas confesso que poucas vezes me vi tão sacudido pela força e intensidade literária de uma obra, como ao ler esse aparentemente inofensivo romance policial de P. D. James.

O que primeiro chamou a atenção foi a grossura do livro, bem maior do que o habitual em histórias policiais. O motivo não tardou a se mostrar: “Um Gosto por Morte” é muito mais que uma mera trama policial!

Indo quase que direto ao ponto: sabe aquele filme, “A Mosca” (“The Fly” dirigido por David Cronenberg)? O cientista Brundle funde-se geneticamente com uma mosca, transformando-se portanto em uma pavorosa criatura: uma mosca de dois metros com diploma de Harvard!!! :)

Pois então, senhoras e senhores. P. D. James é igualmente o pavoroso fruto da fusão improbabilíssima de dois monstros (ou melhor dizendo monstras) sagrados da literatura inglesa:  Agatha Christie e... (rufem os tambores...)... Virginia Woolf!!!

Caraca!!!
Uma outra forma de dizer isso é: P. D. James é o elo perdido! A ponte improvável entre o existencialismo profundamente sombrio de Virginia Woolf e uma trama de assassinato na aristocracia inglesa, no melhor estilo de Agatha Christie!!!

Vou confessar tudo.

Ainda estou sob o profundo impacto dessa leitura. No ano de seu lançamento, 1986, “Um Gosto por Morte” vendeu meio milhão de exemplares só na Inglaterra. Perfeitamente compreensível.

Essa é uma história absolutamente inglesa, com um sabor profundamente britânico. Basta dizer que parte crucial da trama desenrola-se às margens do rio Tâmisa (acho esse nome tão bonito! Uma linda tradução para Thames river).

Também tem um pouquinho de Doris Lessing nessa mistura de bruxa, algo desse olhar incrivelmente amargo. P. D. James é uma vovozinha muito má indeed!!!

Notável a criação do comandante Adam Dalgliesh, investigador da Scotland Yard e poeta. De início pensei que essa poetice do detetive era caricatural,  mas logo vovó PD mostrou como sua poesia é mesmo visceral... O poeta é aquele que enxerga o óbvio, o que faz de Dalgliesh um excelente detetive.

O recurso de dois ajudantes é muito bom. Sai da linearidade da velha síndrome do doutor Watson (“o amigo burro do detetive”). Polarizando ainda mais, um casal: a inspetora Kate Hicks e o ruivo detetive Massingham.

Dois corpos degolados numa igreja. Irmanados pela morte, em vida foram muito diferentes: um era mendigo, e outro era barão.

Durante boa parte do livro cheguei a pensar que P. D. James era superior a Agatha Christie!!!

Depois cheguei a ficar revoltado com o tanto de veneno que percebi no livro!

E foi então que levei um rabo de arraia que me deixou estatelado no chão, sem saber o que pensar.

Vovó Phyllis Dorothy James White, que aparece na orelha do livro em uma foto incrivelmente irônica, conseguiu levar o romance policial além de suas velhas fronteiras, audaciosamente indo onde nenhuma velhinha simpática jamais esteve.

Livro fechado, não diria que é melhor que Agatha Christie, pois Rainha só tem uma.

Mas que fiquei de boca aberta, fiquei.


Trechos do livro

Frase de abertura:
“Os cadáveres foram encontrados na manhã de quarta-feira, 18 de setembro, às oito e quarenta e cinco, por Emily Wharton, solteirona de sessenta e cinco anos e beata da paróquia de Saint Matthews.”

Interessante:
“Quase tudo o homem pode vulgarizar, menos a morte.”

“É claro, vocês da polícia estão sempre querendo novos depoimentos. Será que vocês, às vezes, não correm o risco de acreditar que tudo que há de importante na vida pode ser colocado em palavras, assinado e admitido como prova? Acho que é essa a atração do seu trabalho. Toda a confusão incompreensível reduzida a palavras datilografadas numa folha de papel, documentos apresentados como provas com etiquetas e números. Mas o senhor é um poeta... ou, pelo menos, já foi. Não imagino que acredite ser o dono da verdade.” 


Um comentário:

  1. Ótima resenha!!!
    Genial a ligação Virginia Wolf - Agatha Christie = P D James.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...