Por
volta de 2005 fui presenteado pela querida amiga Leila de Souza Mendes com uma
majestosa coleção de pockets de Agatha Christie e Isaac Asimov, que devorei com
infinita alegria e gratidão. Esse “Early Asimov”, coletânea dos primeiros
contos escritos por Isaac, um dos primeiros que li, foi uma leitura muito
marcante. Pois cada conto é acompanhado por um relato do próprio Asimov sobre
as circunstâncias em que foi escrito e todo o processo para que cada história
fosse vendida para uma das muitas revistas de ficção científica que circulavam
nos Estados Unidos durante as décadas de 1930 e 1940.
Esses
relatos são simplesmente deliciosos, não raro bem mais interessantes que as
histórias em si, que afinal são os primeiros esforços de um jovem de pouco mais
de 18 anos, que ainda escreveria obras muito mais marcantes e que acabaram
consagrando-o como um dos principais nomes da ficção científica no século XX.
Asimov tem um jeito muito cândido e cativante de falar sobre seu processo
literário, encarando com muito bom humor a própria vaidade e outras
vicissitudes dos escritores. Para o leitor, é um deleite adentrar “por trás dos
bastidores” e conhecer um pouco sobre as motivações e desafios do escritor,
sobre técnicas de escrita e mercado editorial. Para o aspirante a escritor que eu
era ao ler esse livro pela primeira vez, então, é um aprendizado muito rico e
inspirador!
E
a segunda leitura, feita mais de dez anos depois, trouxe novos aprendizados e
descobertas. Por sincronicidade, durante a leitura me deparei com um
interessante artigo (https://www.1843magazine.com/culture/the-daily/if-you-think-scifi-is-about-the-future-think-again),
que afirma que a ficção científica pode estar mais interessada no passado e na
nostalgia que propriamente no futuro. E nostalgia é bem a palavra-chave para
definir o prazer de ler esses primeiros escritos de Asimov hoje.
É
muito interessante ler textos sobre o futuro escritos há tantos anos. Primeiro,
pelo tanto que o autor foi capaz de vislumbrar. No caso de Asimov, não foi
pouco: ele foi o primeiro a utilizar a palavra “robótica” (embora ainda não
nesses primeiros contos) e não é exagero afirmar que a ciência robótica deve
muito ao seu gênio imaginativo. Entretanto, ao menos em minha opinião, não é
menos instrutivo e divertido observar, beneficiado pelo ponto de vista do
futuro, o quanto um autor de ficção científica ainda fica condicionado às
tecnologias e costumes de sua época. Isso vale como um precioso lembrete do
quanto temos de condicionamento dos valores e crenças de nosso tempo, que
muitas vezes tomamos como eternos, quando não passam de modismos que mudam
daqui para ali.
E
esses primeiros e imaturos escritos de Asimov são muito férteis nesses deliciosos
anacronismos. Muitos são de ordem estritamente tecnológica, como dois
astronautas às voltas com um manual mimeografado em uma nave espacial, ou um
marciano (e terráqueos do futuro) que datilografa seus escritos em uma máquina
de escrever. Mas os mais interessantes, para mim, são o de ordem social, como
vermos um eminente psicólogo galáctico que tem por esposa uma típica Amélia dona
de casa, cuja ocupação principal é preparar o jantar do maridão...
Por
falar em psicologia, nessa segunda leitura achei muito tocante o
desconhecimento de Asimov a respeito, que o levou a considerar a psicologia
como uma ciência exata, colocando o psicólogo no papel de um super-homem, com o
poder de prever e influenciar o comportamento dos outros a partir de fórmulas
matemáticas. Um conceito ingênuo, certamente, mas que acabou culminando na
formulação da interessantíssima “Psico-história”, ciência inventada por Asimov
que seria capaz de prever com exatidão o futuro, desde que aplicada a grandes
quantidades de seres humanos.
Esse
conceito da Psico-história, bem como outras ideias geniais de Asimov, acabaram
sendo alvo de um tributo de minha parte, em meu primeiro romance, “O
Sincronicídio”, que comecei a escrever pouco tempo depois de ler “Early Asimov”
pela primeira vez. Não à toa, o mote que motivou a trama do livro foi: “As
bodas alquímicas de Isaac Asimov e Agatha Christie, com as bênçãos do padre
Hermann Hesse”.
Como
acabei de reler um da Agatha antes desse do Isaac, é certo que está na hora de
reler algum do querido Hermann...
\\\***///
ESCRITORES PERGUNTAM,
ESCRITORES RESPONDEM
Escrever
para quê?
Doze
escritores dos mais diversos estilos e tendências, cada um de seu canto do
Brasil, reunidos para trocar ideias sobre a arte e o ofício de escrever. O
resultado é este livro: um bate-papo divertido e muito sério, que instiga o
leitor a participar ativamente da reflexão coletiva, investigando junto com os
autores os bastidores da literatura moderna. Uma obra única e atual,
recomendada a todos os que amam o mundo dos livros.
Disponível
no link abaixo, leia e compartilhe:
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5890058
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