Simplesmente
brutal!!!
Esta
pungente tragédia nordestina é tão forte e contundente porque é, sobretudo, uma
tragédia essencialmente humana. Paulo Honório, protagonista e narrador de “São
Bernardo”, é tão universal quanto Édipo ou Hamlet, em suas ações e motivações.
Se Édipo age porque não sabe, e Hamlet não age porque sabe, talvez Paulo
Honório seja aquele que age para descobrir que não sabe...
Otelo
e Dom Casmurro são outras figuras clássicas evocadas nesta poderosa obra, por
conta do avassalador ciúme de Paulo Honório. Ao contrário de seus ilustres predecessores,
contudo, o ciúme do herói de “São Bernardo” não nasce do amor, mas do
sentimento de posse, que coisifica pessoas e relações. Madalena recusa-se a ser
um mero objeto possuído, tal como a fazenda de São Bernardo, e por ousar expressar
opiniões próprias incorre na ira ciumenta de Paulo Honório.
A
prosa de Graciliano Ramos é poderosa e angustiante, enxuta ao extremo, onde não
há sequer uma vírgula sobrando. A narrativa é de uma aridez tamanha que deixa a
garganta da gente seca, implorando por uma gota de umidade! Isso aliado a uma
concepção literária das mais altas, a serviço de um profundo questionamento
sobre o sentido da vida humana e da ordem do mundo, imaginem! Tudo considerado,
em minha opinião teria sido merecidíssimo se Graciliano tivesse sido o primeiro
brasileiro a ganhar o Nobel de Literatura...
A
edição que li traz, após o magistral romance, um ensaio crítico de João Luiz
Lafetá, muito interessante, de onde copio algumas ideias para referência futura:
*
“Sumário Narrativo” X “Cena”: “O ‘sumário narrativo’, explica-nos Norman
Friedman, ‘é a exposição generalizada de uma série de eventos, abrangendo um
certo período de tempo e uma variedade de locais’; a cena, por sua vez, implica
a apresentação de detalhes concretos e específicos, dentro de uma estrutura bem
determinada de tempo e lugar.” (177)
*
“V. Propp demonstrou que os contos populares se constituem sempre em torno de
um núcleo simples: o herói sofre um dano ou tem uma carência, e as tentativas
de recuperação do dano ou de superação da carência constituem o corpo da
narrativa” (V. Propp, Morfologia del
cuento). (179)
*
“O romance, segundo Lukács, é a história da busca de valores autênticos por um
personagem problemático, dentro de um universo vazio e degradado, no qual
desapareceu a imanência do sentido à vida” (G. Lukács, A Teoria do Romance). (195)
*
“Como afirma Lukács, a mais humilhante impotência da subjetividade manifesta-se
menos no combate contra estruturas sociais vazias do que ‘no fato dela estar
sem forças diante do curso inerte e contínuo da duração’.” (196)
Curiosamente,
em seu brilhante e extenso ensaio o crítico deixa de mencionar dois aspectos
que muito chamaram minha atenção:
1)
O cachorro da fazenda chama-se Tubarão, em um rico e sugestivo paralelismo com
a cachorra Baleia de “Vidas Secas”.
2)
O que para mim sintetizou de forma brilhante a coisificação (ou reificação) de
pessoas e relações em “São Bernardo” é o filho de Paulo Honório e Madalena, “franzino
e amarelo”, rejeitado por todos, que é destituído até mesmo da simples
dignidade de um nome. Ele é apenas o “menino”. Brutal!!!
E
viva a Literatura Brasileira! Viva Graciliano Ramos!
\\\***///
ESCRITORES PERGUNTAM,
ESCRITORES RESPONDEM
Escrever
para quê?
Doze
escritores dos mais diversos estilos e tendências, cada um de seu canto do
Brasil, reunidos para trocar ideias sobre a arte e o ofício de escrever. O
resultado é este livro: um bate-papo divertido e muito sério, que instiga o
leitor a participar ativamente da reflexão coletiva, investigando junto com os
autores os bastidores da literatura moderna. Uma obra única e atual,
recomendada a todos os que amam o mundo dos livros.
Disponível
no link abaixo, leia e compartilhe:
http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5890058
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