SHIVA, Fábio.
Favela Gótica. Rio de Janeiro: Verlidelas Editora, 2019, 276p.
Necessariamente não é uma resenha, mas um apanhado de impressões que o
livro despertou. Favela Gótica não pertence ao gênero das minhas preferências,
no entanto, comprei-o por um, posso dizer, feliz acaso, ao tomar conhecimento
do seu lançamento, por cujo autor tenho grande admiração. Comprei o livro e, de
imediato, dispus-me a lê-lo. Como costumo fazer, passei de relance os olhos
numa primeira leitura dinâmica. Encantei-me desde a primeira página (a
epígrafe) pelo estilo que prendeu a minha atenção, fazendo-me querer de fato
conhecer a trama de toda a história. Daí fiz uma primeira leitura mais
aprofundada, e depois mais outra, e mais outra, passando então a pesquisar o
que era estranho para mim.
Fábio Shiva, como leitor, tem o dom de despertar o desejo para a leitura
dos livros aos quais ele faz resenhas, tornando-os atraentes e convidativos. Como escritor, ele
tem o dom de atrair os leitores para suas próprias obras, devido às
características do seu estilo, que, no caso, mesmo abordando o lado degradado
do ser humano, o faz de maneira muito humana. Que paradoxo! Em Favela Gótica
encontramos poesia (incrível!) ao lado do horror! Seus personagens são os
anti-heróis, que retratam a miséria do submundo do crime, sem artifícios, mas
com a emoção que o tema permite. Há frases que caracterizam uma filosofia de
sobrevivência, tipo: “A fome nunca existe no futuro ou no passado, somente no
eterno agora” (p.13). “Lar de multidões de solitários ... destituídos de
qualquer laço de identidade ...” “Ser
normal é só a maneira mais ordinária de ser monstruoso” (p. 14). O sumário, a
princípio, de difícil entendimento, mostra o conteúdo dividido em duas
intrigantes partes: 1ª – Das trevas (per asper); 2ª – Para a luz (ad astra),
enriquecidos ou enfatizados pelo uso das mesmas expressões em latim. Cada
capítulo, distinguido pelo título, traz uma ilustração referente ao seu teor,
além de uma espécie de introito ao mesmo, seguido de algum contundente dito de
algum famoso, como Mark Twain (1º capítulo), Oscar Wilde (3º), Platão (4º),
Sócrates (5º capítulo) e tantos outros encimando os 10 capítulos em que a
história é montada.
Muito interessante também é a presença dos “Registros Akáshicos”, que
permeiam toda a história, no intuito de dar maiores informações ao próprio
desenvolvimento de todo o enredo. Nestes registros aparecem histórias paralelas
entrecortando a história principal, os quais, numa leitura também paralela,
porém, sequenciada, pode-se perceber seus liames com a temática. Em um desses
enigmáticos registros, destaquei o lirismo contido no meio do horror: “ ... o
poder de devastação da droga é revelado em toda a sua horripilante exuberância.
Como também a frágil obstinação da carne, persistindo no engano da vida, mesmo
quando maltratada além de toda esperança” (p. 21).
A história tem o foco em Liana, descrevendo sua degradante vida, cercada
por outros personagens de um mesmo cenário criminoso, mas contada com tanta
expressividade, que acaba levando o leitor (no caso, eu) a torcer e até a amar
Liana, desejando que ela consiga sair ilesa dos tentáculos dos males que lhe
perseguem. Felizmente, e para alívio dos que captam a chama da vida (ah, ela
possui vida, apesar dos pesares), a história termina bem, ainda bem! A trama é
incrível, já foi dito. E o que muito impressiona é a apresentação dos
povoadores de toda a história. O autor lança mão de recursos estilísticos da
antiguidade clássica, criando personagens mitológicos, que poderiam estar nos
contos de Homero, quando os compara a figuras antropomórficas, tais como: “ ...
um sapo velhinho e encarquilhado” (p. 53), “ ... um sagui baixinho e gorducho”
(p. 62), “ ... uma ratazana gorda e nariguda” (p. 76), outras, como uma freira
de lindos chifres de cabra, ou outras freiras que parecem hienas, cobras,
aranhas, etc. (p. 163). Sua história esbanja metáforas de alto nível literário,
quando apresenta homens e mulheres como: jacarés, lobos, múmias, fantasmas,
etc. e até um Monstro Elemental, cujo registro akáshico o apresenta como alguma
entidade da natureza, banida pelas circunstâncias da atualidade. “O progresso
científico e tecnológico, entretanto, erigiu novos altares sobre as ruínas dos
velhos templos, e os luminosos seres que zelavam pelo bom funcionamento dos
ciclos naturais, foram gradualmente sendo esquecidos, degradados,
vilipendiados” (p. 106). Algumas figuras
evocam heróis de escritores famosos, como Quasie, uma freira monstruosa de
aparência, porém doce e protetora de Liana, tal qual o Quasímodo, com a sua
Esmeralda, no “O Corcunda de Notre Dame”, de Vitor Hugo. Além de encontrarmos
seres alienígenas vivendo disfarçada e livremente entre os mortais (p. 193 e
outras). Um outro personagem, que no
final torna-se tão importante ao clímax da história, o Mandrá, passa quase
despercebido nos relatos anteriores onde aparece, até o momento em que ele
mesmo se revela como peça importante no desenlace finalmente revelado no
capítulo 10. Enfim, é uma história incrivelmente bem elaborada e interessante,
que arrasta o leitor até seu final com o mesmo brilho, mesmo nos momentos mais
macabros.
Neuza de
Brito Carneiro
Feira de
Santana, 06 de agosto de 2019.
Simplesmente maravilhoso!
ResponderExcluirGratidão, amada Pedrina!
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ResponderExcluirHoje, apenas uma breve passagem para vos desejar um bom fim de semana.
Pequenos mas felizes... momentos inolvidáveis...
Beijos. Para a semana volto com mais tempo
Boa semana, querida Cidália!
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