É interessante como há livros com centenas de páginas que lemos sem que deixem o menor vestígio em nossa alma, enquanto outros, pequetitos, nos proporcionam as mais extraordinárias jornadas. Esse segundo caso descreve bem a minha leitura de “O Gato por Dentro”, de William Burroughs, que me proporcionou muitas e variadas reflexões.
A primeira delas é sobre como há livros que só podem ser escritos por autores consagrados. Um autor iniciante dificilmente ousaria tentar algo como “O Gato por Dentro”, pois precisa primeiro seduzir e encantar o seu leitor, mostrar a que veio. Só um escritor cuja excelência na escrita é tida como certa pelo leitor pode se permitir algumas indulgências, certo de que serão encaradas com a devida paciência (quando não reverência) pelo público fiel. Não vai aí nenhum tipo de crítica, apenas uma constatação: é bom que possamos ter livros assim, onde o autor pode ousar mais, experimentar mais e até relaxar mais.
Uma coisa certamente fica fora de dúvidas: William Burroughs escreve muito bem! Ler esse livro só fez aumentar a minha vontade de conhecer sua obra mais famosa, “Almoço Nu”. Ele pratica um tipo de Literatura que reverbera profundamente em mim: uma Literatura que sugere sangrentas batalhas travadas consigo mesmo, onde existe um código de honra que jamais pode ser quebrado, mesmo ao custo da própria vida...
O que não impede que em “O Gato por Dentro” Burroughs se permita explicitar a própria metáfora, talvez com medo de não ser compreendido:
“O livro dos gatos é uma alegoria, na qual a vida passada do escritor se apresenta como uma charada felina.”
O autor, contudo, consegue se enxergar o suficiente para se desnudar de interpretações mais óbvias:
“Um psicanalista diria que eu estou simplesmente projetando essas fantasias em meus gatos.”
O certo é que ele fala de muitas outras coisas quando fala de gatos:
“Eu postulo que os gatos começaram como companheiros psíquicos, como Familiares, e nunca se afastaram dessa função.”
“Quando as florestas são derrubadas para dar lugar a motéis, Hiltons e MacDonald’s, morre também toda a magia do universo.”
“Um ritual de iniciação para os altos escalões da SS nazista era arrancar os olhos de um gato depois de alimentá-lo e acariciá-lo por um mês.”
Mas certamente o que motivou os mais acalorados debates que tive com o autor foi a maneira como ele retratou os cães:
“Os cães são os únicos animais além do homem com um conhecimento do certo e do errado.”
Já de cara contesto essa afirmação. Já tive a oportunidade de conviver tanto com cães quanto com gatos, e estou convencido de que os gatos sabem perfeitamente quando estão fazendo algo que nos desagrada. A diferença é que os cachorros geralmente se denunciam assim que aprontam alguma traquinagem, enquanto os gatos parecem ser imunes à “culpa católica”.
Logo em seguida, entretanto, Burroughs desanca numa virulenta diatribe contra os cães:
“Mas o rosnado de um cão é feio, o rosnado de uma multidão de brancos racistas no linchamento de um paquistanês... o rosnado de alguém que usa um adesivo ‘Mate uma bicha por Jesus’, um rosnado hipócrita e nervoso."
Sou muito grato por esses trechos, que me provocaram a mais completa discordância, pois me trouxeram também muitas reflexões e aprendizados:
1) Que mania é essa que nós temos de criar antagonismos e polarizações em quase tudo? Por que o elogio dos gatos têm que implicar na crítica aos cães, e vice-versa? É muito curioso que Burroughs ame os gatos por ver tanta humanidade neles, e odeie os cães exatamente pelo mesmo motivo. Para mim, ficou a impressão de que ele enxergou só o lado bom da humanidade nos gatos, e só o lado ruim nos cachorros. Não deixa de ser original, pois geralmente as pessoas fazem o contrário, considerando o cachorro “amigo, fiel etc.” e o gato “interesseiro, egoísta etc.”
2) Ao identificar o lado sombrio dos cães com as manifestações de ódio e intolerância nos humanos, o autor me proporcionou um interessante insight: a raiva geralmente nasce de um desejo frustrado, mas o ódio deve ter suas origens no medo. Odiamos aquilo que tememos, e geralmente tememos aquilo que não compreendemos. Tenho para mim que todo racista teme a exuberância física de outras etnias, e que todo homofóbico teme a sexualidade que não é reprimida. O que me leva à conclusão de que William Burroughs, celebrado escritor, foi um homem que não compreendia os cachorros...
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FAVELA
GÓTICA liberado na íntegra no site da Verlidelas Editora:
https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica
Durante
esse período de pandemia, em meio a tantas incertezas, temos uma única
garantia: a de que nada será como antes. Estamos todos tendo a oportunidade
preciosa de participar ativamente na reconstrução de um mundo novo, mais
luminoso e solidário.
O
livro Favela Gótica fala justamente sobre “a monstruosidade essencial do
cotidiano”, em uma história cheia de suspense, fantasia e aventura. Ao nos
tornamos mais conscientes das sombras que existem em nossa sociedade, seremos
mais capazes, assim como a protagonista Liana, de trilhar um caminho coletivo
das Trevas para a Luz.
A
versão física de Favela Gótica está à venda no site da Verlidelas, mas – na
tentativa de proporcionar entretenimento a todos durante a quarentena – o autor
e a editora estão disponibilizando gratuitamente, inclusive para download, o
PDF de todo o livro.
Fique
à vontade para repassar o arquivo para amigos e parentes.
Leia
ou baixe todo o livro no link abaixo:
https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica
Link do livro no SKOOB:
https://www.skoob.com.br/livro/840734ED845858
Book
trailer
Entrevista sobre o livro na
FM Cultura
Gostei da publicação!! :))
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Coisas de uma Vida
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Beijos e um dia feliz
Hoje também estou aqui » Sempre Miúda