Resenha do livro “UMA HORA POR DIA” de Maria Helena
Azevedo
Li esse livro como quem degusta uma caixa de bombons finos: mordiscando e saboreando cada verso, sentindo o lírico licor escorrer na língua e impregnar os sentidos. Li devagarzinho, com pena de virar a página, sabendo que cada uma delas me aproximava mais do inevitável fim. Ao menos um consolo foi encontrar, no fim da jornada, a poesia mais bonita:
“é isso: uma hora por dia,
escrever, ler poesia.
assim, como quem caminha,
mas não: escrever, ler poesia.
em lugar de pôr o tênis,
sim, pegar a almofada.
no manual da sobrevivência,
sim, está escrito: poesia.”
Essa é a linda proposta
de Maria Helena Azevedo nesse livro inesquecível: uma hora de Poesia por dia, como
uma prática de saúde, de cura, de sobrevivência. Faço ideia de que a própria
autora não imaginava aonde essa poética jornada a conduziria. Tudo o que ela
pode fazer é se manter fiel ao objetivo estabelecido e seguir, passo a passo,
verso a verso, rumo ao desconhecido. E confiar sempre que a Poesia irá mostrar
o caminho:
“um mínimo verso foi
acrescentado.
é disso que eu falava:
gotejando
prossegue a poesia.
no âmago e à flor
de qualquer um emerge.”
E essa Poesia que
emerge, gota a gota, vai fazendo transbordar um verdadeiro maravilhamento, à
medida que vão se desvelando os vislumbres de um cotidiano que é transformado
pelo próprio olhar poético da autora. Ler o livro de Maria Helena Azevedo é testemunhar
uma vida sendo transmutada em Poesia pela própria intenção de enxergar e
expressar a vida de forma poética:
“viver é dádiva sem dono,
deixar viver é obrigação.”
A única vez que
senti algo parecido ao ler um livro de Poesia foi com Fernando Pessoa, essa
sensação de estar diante de uma obra única e coesa (e não apenas um mosaico de
instantes poéticos agrupados na forma de um livro) e, por isso mesmo, muito
mais intensa e poderosa. Somente ao término da leitura foi que me dei conta do
tamanho da influência que “Uma hora por dia” exerceu em minha vida. Eu, que já
senti tanta Poesia passando por mim, vira e mexe me perguntava por que é que
até hoje não havia publicado um livro de poemas, contentando-me em lançar as
poesias separadas, como folhas ao vento. E agora, finalmente, encontro-me
escrevendo um livro de poemas, concebido desde o início como um livro, com uma
meta específica e difícil, à qual estou me dedicando com a mesma sinceridade
que senti em Maria Helena Azevedo, com a esperança de que um dia o meu livro
possa despertar em alguém o mesmo que o livro dela despertou em mim:
“antes de tudo, a poesia.
senão, que seria do nosso dia?
repetir o ramerrão das coisas
fugidias.
a poesia, não: é permanente.
parar o óbvio, fazer o
imanente.
poesia é o ópio da gente.”
“Uma hora por dia”
foi finalista do Prêmio Jabuti de 2009.
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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).
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