sexta-feira, 4 de novembro de 2022

NA FERINA LÍNGUA FEMININA, A LITERATURA DO SARCASMO COMO CATARSE

 


Resenha do livro “ZIGNAU: DOZE MULHERES IMPLACÁVEIS E UM HOMEM EM PÂNICO”, de Marta Pessoa

Fui atraído para a leitura desse livro inicialmente pelo título “Zignau”, expressão que evoca afetivas e divertidas lembranças. Trata-se de uma palavra bem conhecida aqui na Bahia e que minha mãe, principalmente, gosta bastante de usar. Acho que os cariocas têm uma expressão parecida, mas não totalmente equivalente: “dar um perdido”. A autora Marta Pessoa definiu com muita propriedade:

“Gíria nordestina que significa enganar alguém de um jeito matreiro, sem comprometer a amizade ou o relacionamento. O zignau deve ser cometido de forma elegante, tomando-se cuidado para não provocar raiva nem prejuízo.”

O subtítulo do livro também é sensacional: “doze mulheres implacáveis e um homem em pânico”! E assim, com a curiosidade bem aguçada, iniciei a leitura.

Marta Pessoa escreve com habilidade essas treze crônicas que expressam pontos de vista de alter egos da autora. A idade é um dos temas recorrentes, rendendo algumas das melhores passagens do livro:

“É desrespeitoso elogiar alguém por parecer mais jovem do que é. Alguém, por acaso, elogia pobre dizendo que ele parece rico? Ou alegra um idiota dizendo que ele parece inteligente?”

“Ver os outros envelhecerem nos torna mais velhos.”

“Mulher velha é assim, sempre se acha menos velha e mais sabida que as amigas.”

“Homens velhos não perdoam as mulheres que ousam usufruir dessa prerrogativa, que os machos julgam ser apenas deles: o direito de comprar, impunemente, o fim da solidão.”

“Essa amiga, dez anos mais jovem do que eu, me conheceu quando eu estava ainda naquela faixa etária na qual deveríamos estacionar para sempre, caso Deus tivesse alguma consideração pela humanidade. Eu estava no esplendor de meus quarenta e poucos anos.”

O trecho acima, aliás, vibrou em sincronicidade com essa outra frase que recentemente reli em um livro de Agatha Christie (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2022/10/reflexoes-diante-do-espelho-do-tempo.html):

“Nenhum homem, nenhuma mulher completa-se antes dos quarenta e cinco. É quando a individualidade se afirma.”

Marta não exagera ao chamar suas mulheres de “implacáveis”. Sua pena ferina rende boas tiradas ácidas:

“O melhor do casamento é a viuvez, acreditem em mim.”

Esse olhar cáustico segue uma metodologia formal:

“Entre os traços mais detestáveis que compunham minha personalidade, estava a tendência a perscrutar falhas e hipocrisias nos que me rodeavam.”

A ironia não é menor quando a autora (em um de seus alter egos) aparentemente debruça-se sobre si mesma:

“E para ser justa e coerente com os critérios que eu sempre usei para avaliar os outros, eu fui e ainda sou muito, muito feia, bastante mesmo. Sou a famosa forminha de fazer monstro.”

O que a leva a concluir, com justeza:

“Sou uma ‘gênia’ do escárnio.”

E foi nesse ponto que recebi o prêmio maior que tive com essa leitura. Pois por natureza não sou muito habituado a esse sarcasmo tão impiedoso, e a leitura transcorria em variados graus de desconforto. E então ocorreu outra sincronicidade. Uma amiga começou a ler meu romance “Favela Gótica” (https://youtu.be/FjoydccxJGA) e fez o seguinte comentário: “Achei bem escrito, mas é muito pesado para mim.”


Entendi perfeitamente o comentário dessa amiga, que me fez relembrar algumas passagens especialmente brutais desse livro. E então, despertado pela sincronicidade, perguntei a mim mesmo: “como é que você é capaz de escrever coisas tão chocantes em alguns de seus livros, e agora está achando um pouco de sarcasmo pesado demais?”

Acredito que onde ocorre a sincronicidade existe uma mensagem guardada para nós, crença que só vem sendo confirmada pela experiência. Pois aqui me dei conta de que essas cenas agressivas que eu escrevi não tinham o intuito de chocar por chocar, mas expressavam algo que (assim espero) obedece a um chamado mais elevado: de propiciar catarse, revelação e transcendência.

E foi com esses olhos renovados que terminei a leitura de “Zignau”, com muita alegria e gratidão, celebrando de novo e de novo essa intensa e inesgotável magia chamada Literatura!


 

  

\\\***///

FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

Facebook: https://www.facebook.com/sincronicidio

Instagram: https://www.instagram.com/prosaepoesiadefabioshiva/


Conheça o novo livro de Fabio Shiva, MEDITAÇÃO PARA CRIANÇAS:

https://www.verlidelas.com/product-page/medita%C3%A7%C3%A3o-para-crian%C3%A7as


 

https://youtu.be/uyuY8KEdlJE

 

 

11 comentários:

  1. Eu amei o seu comentário Fábio confesso que fiquei com vontade de ler Zignau e dar muita risada... quem sabe consigo?

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  2. É Roquelina, não sei pq saiu como anônimo, aiai rssss

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  3. Interessante.
    Há anos atrás; intitulei com um amigo, com Quem trabalhava educação ambiental; o projeto, q também abraçava as oficinas ecológicas: Geraldo Soares!
    O que tem a ver com o discorrer do Fábio Shiva (?!)
    A palavra já diz:
    INTERESSANTE!
    E vou continuar..

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  4. Ainda hj, em reunião com parte do Grupo de teatro Bando Cênico ( q criei há anos atrás); falava sobre a gratidão q tenho por Fábio Shiva (independente da relação familiar); por toda a sua generosidade, escondida por uma capa transparente da sua performance espiritualista!

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  5. Então; ao nos presentear c seu comentário/ avaliação e a auto avaliação; esse ícone no seio da arte e cultura, nos oportuniza uma reflexão acerca do espelho q tanto usamos às vezes para a "razão" estética; validando o adágio:
    "... Gato escondido com rabo de fora!"
    Então, estar acompanhando e seguindo pessoas q tem um carimbo na testa, escrito; 'Aqui reside um amigo!', já impõe uma tônica de 'não vou ficar parado!'.
    Concluo dizendo:
    - Assim como tento ajudar a alguns; muito mais, qd estava meio estagnado , no seio da Pandemia; Fábio me puxou para concluioum livro do meu pai, parado há 35 anos ( por vários fatores) e, retomar meu projeto, 'Antes arte do que tarde!
    Por isso, a palavra 'INTERESSANTE'; reflete meu raciocínio presente!
    Grato Sempre!

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  6. Então; ver a análise textual de Fábio fui para frente do espelho da consciência.
    A reflexão me conduziu a reeditar diante da imaginação nada de surreal ( como também produzo parte da minha arte); acerca do grande favor q Esse primo me propiciou:
    - Retomar um livro do meu pai, (parado há 35 anos), por fatores diversos... E isso, já dá um outro livro!
    Então;'Eu não estou soZinho'; vai sair pelas VERLIDELAS; graças a esse 'Maestro das oportunidades artísticas e Culturais".
    Todos q encontram espaço no CURA Poética; no Sarau VERLIDELAS; e nos demais espaços; "... Violão canto...", "Gaia canta..." são alguns cdis exemplos da dignidade desse homem, q com a esposa Fabíola Barreto e família, tem mostrado o amor só próximo, através de atitudes; vislumbrando a sua Espiritualidade!
    Sou grato a todos com quem construí minha história e aos novos amigos!

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    Respostas
    1. Valeu pelos ricos comentários e pelo carinho de sempre, querido Airesa! Abração!

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