Resenha do livro “AS YOU LIKE IT” [“COMO GOSTAIS”],
de William Shakespeare
Comecei minhas leituras de 2022 esplendidamente, com “SHAKESPEARE DE A a Z – LIVRO DAS CITAÇÕES” (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2022/01/as-mil-almas-de-william-shakespeare.html), que reacendeu minha paixão por Shakespeare. Fiz então o voto de ler mais obras do Bardo ao longo do ano, o que cumpri ao reler “Ricardo III” (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2022/03/a-tragedia-do-rei-ricardo-iii-nao.html), uma de minhas peças favoritas dele. E agora, no final do ano, encerro com muita alegria com uma peça que leio pela primeira vez: “As You Like It”, que em português ganhou o título de “Como Gostais”.
Toda vez que leio uma comédia de Shakespeare, fica evidente como esse gênero literário é bem mais suscetível ao passar do tempo que a tragédia… Os motivos para chorar parecem ser sempre os mesmos, mas os motivos para rir é que mudam de acordo com a moda. Enquanto tragédias como “Macbeth” ou “Ricardo III” continuam nos arrebatando com seu irresistível poder de catarse, nas comédias de Shakespeare o interesse é mais histórico que cômico propriamente. No caso mesmo de “Como Gostais”, as piadas dessa peça foram escritas há mais de 420 anos!
Ainda assim, imagino que a situação central da história continue saborosa, no melhor estilo da “comédia de erros”: Rosalind precisa fugir às pressas da cidade, por conta de uma perseguição política. Para ludibriar seus perseguidores, ela se disfarça como um jovem mancebo. Contudo ao chegar na floresta onde o duque seu pai também está exilado, Rosalind encontra Orlando, o moço por quem se apaixonou à primeira vista, ainda na cidade. Orlando está também perdidamente apaixonado por Rosalind, mas não a reconhece sob o disfarce masculino. E então, através de um desses deliciosos artifícios de Shakespeare, o pseudo-rapaz propõe a Orlando fingir ser Rosalind, para que ele vá treinando seu palavreado de forma a conseguir conquistar sua amada, quando a encontrar. Ou seja, a trama gira em torno de uma moça que finge ser um rapaz que finge ser a moça que é ela mesma!
Essa comédia deve ter tido um sabor ainda mais rico para as plateias originais do século XVII, graças a um detalhe curioso: na época de Shakespeare, as mulheres eram proibidas de atuar no teatro. Assim, todos os papeis femininos eram interpretados por homens (o que era do conhecimento de todos). Imagino que mestre Shakespeare tenha aqui feito uma brincadeira metalinguística, bem evidente para o público de sua época, mas que hoje passa quase despercebida.
Dito isso a respeito da história em si, cabe dizer que continuamos lendo e reverenciando Shakespeare até hoje não por conta das histórias que ele conta, mas sim pelo modo inigualável que ele tem de contar uma história. Separei alguns trechos que mais me evocaram esse “jeito Shakespeare”, que entendo como sendo uma forma intensamente poética de descrever situações e sentimentos, começando por esse verso que talvez tenha inspirado a célebre “Autopsicografia” de Fernando Pessoa:
“The truest poetry is the most feigning.”
[“A poesia mais verdadeira é a
mais fingida.”]
São frases tão inspiradas que adquirem a força de provérbios, tais como:
“Beauty provoketh thieves sooner than gold.”
[“A beleza provoca os ladrões
antes do que o ouro.”]
“Who ever lov’d, that lov’d not at first sight?”
[“Quem já amou, que não amou à
primeira vista?”]
“The fool doth think he is
wise, but the wise man knows himself to be a fool.”
[“O tolo pensa que é sábio,
mas o sábio sabe que é um tolo.”]
Mas penso que sua força maior vem de expressarem de forma muito vívida e abrangente determinadas situações ou mesmo a personalidade de um personagem, que por conta de falas tão expressivas ganha vida própria e começa a respirar diante dos olhos do leitor:
“Only in the world I fill up a place, which may be better supplied, when I have made it empty.”
[“Somente no mundo eu preencho
um lugar, que pode ser mais bem suprido, quando eu o tiver esvaziado.”]
“The Duke is humorous, what he
is indeed
More suits you to conceive,
than I to speak of.”
[“O Duque é bem-humorado, o
que ele é de fato
Mais combina com você conceber
do que comigo falar.”]
“Know you not master, to some
kind of men,
Their graces serve them but as
enemies,
No more do yours: your virtues
gentle master,
Are sanctified and holy
traitors to you;
Oh what a world is this, when
what is comely
Envenoms him that bears it?”
[“Não sabes, mestre, que para
alguns tipos de homem,
Suas graças os servem, mas
como inimigos,
Não mais que as tuas: tuas
virtudes, gentil mestre,
São traidoras santificadas e
sagradas para ti;
Oh, que mundo é este, quando o
que é gracioso
Envenena aquele que o
carrega?”]
“O Lord, Lord, it is a hard
matter for friends to meet: but mountains may be remov’d with earthquakes, and
so encounter.”
[“Ó Senhor, Senhor, é difícil
encontrar amigos: mas montanhas podem ser removidas com terremotos e assim se
encontrar.”]
“I will chide no breather in
the world but myself against whom I know most faults.”
[“Não vou repreender ninguém
no mundo, exceto a mim mesmo, de quem conheço mais falhas.”]
“I pray you do not fall in
love with me,
For I am falser than vows made
in wine.”
[“Eu rezo para que você não se
apaixone por mim,
Pois sou mais falsa do que votos
feitos no vinho.”]
“I kill thee, make thee away,
translate thy life into death, thy liberty into bondage; I will deal in poison
with thee, or in bastinado, or in steel; I will bandy with thee in faction, I
will o’er-run thee with policy; I will kill thee a hundred and fifty ways,
therefore tremble and depart.”
[“Eu te mato, te afasto,
traduzo tua vida em morte, tua liberdade em escravidão; Eu tratarei com veneno
contigo, ou com bastonada, ou com aço; Vou lutar contigo em facção, vou te
dominar com política; Vou te matar de cento e cinquenta maneiras, portanto,
trema e vá embora.”]
“O how bitter a thing it is,
to look into hapiness through another man’s eyes.”
[“Oh, quão amargo é olhar para
a felicidade através dos olhos de outro homem.”]
Encontrei uma
encenação bem fiel de “As You Like It”, realizada pelo
Departamento de
Artes Visuais e Dramáticas da Rice University:
E viva
Shakespeare!
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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor
de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/).
Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).
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