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domingo, 18 de dezembro de 2022

UMA HORRIPILANTE E VERDADEIRA HISTÓRIA DE VAMPIRISMO GEOPOLÍTICO


 

Resenha do livro “AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA”, de Eduardo Galeano

Que livro apavorante, medonho, nauseabundo! O horror contido nas páginas sangrentas de “As Veias Abertas da América Latina” beira o insuportável justamente porque suas histórias não foram inventadas. E as atrocidades aqui narradas tornam-se ainda mais horripilantes na narrativa inspirada e quase poética de Eduardo Galeano, que teve a revolucionária ideia de falar “de economia política no estilo de um romance de amor ou de piratas”. O livro é horripilante justamente por ter sido tão bem escrito.

Se você não tem tempo ou estômago para ler essa extensa resenha, que dirá as 300 e tantas páginas de “As Veias Abertas da América Latina”, apresento a seguir um resumo bem curtinho, pois desde os tempos da colonização até hoje, a história é sempre a mesma. Primeiro alguma riqueza natural da América Latina torna-se de especial interesse para o mercado mundial. Daí surgem empresas estrangeiras que tiram proveito desse recurso, devastando impiedosamente a natureza e explorando cruelmente a mão-de-obra local. Isso é feito com a conivência e cumplicidade de uma classe dominante na região, que enriquece rapidamente e passa um breve período de luxo e ostentação delirante, até que alguma nova riqueza natural vire a nova bola da vez e o ciclo de abundância se transforme em miséria e desolação.

Essa, em resumo, é a história que é contada de novo e de novo e de novo em “As Veias Abertas da América Latina”, livro que também pode ser sintetizado nessa máxima de Galeano:

Quanto mais cobiçado pelo mercado mundial, maior é a desgraça que um produto traz consigo ao povo latino-americano que, com seu sacrifício, o cria.

O autor começa a contar sua terrível história na época da descoberta das Américas e o subsequente genocídio indígena:

Os índios das Américas somavam entre 70 e 90 milhões de pessoas, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no horizonte; um século e meio depois tinham-se reduzido, no total, a apenas 3,5 milhões.

Mas logo os destinos da América de Norte e da América Latina seguem rumos diferentes:

As treze colônias do norte tiveram, pode-se bem dizer, a dita da desgraça. Sua experiência histórica mostrou a tremenda importância de não nascer importante. Porque no norte da América não tinha ouro nem prata, nem civilizações indígenas com densas concentrações de população já organizada para o trabalho, nem solos tropicais de fertilidade fabulosa na faixa costeira que os peregrinos ingleses colonizaram. (…) Estas circunstâncias explicam a ascensão e a consolidação dos Estados Unidos, como um sistema economicamente autônomo, que não drenava para fora a riqueza gerada em seu seio.”


Nessa parte da leitura, senti dolorosamente como “As Veias Abertas da América Latina” é um livro irmão do igualmente tenebroso “Enterrem Meu Coração Na Curva do Rio”, de Dee Brown (https://comunidaderesenhasliterarias.blogspot.com/2020/03/enterrem-meu-coracao-na-curva-do-rio.html).

Foi particularmente doloroso ler os trechos referentes à história mais recente do Brasil:

“Em 1952, o acordo militar assinado com os Estados Unidos proibiu o Brasil de vender as matérias-primas de valor estratégico -  como o ferro – aos países socialistas. Esta foi uma das causas da trágica queda do presidente Getúlio Vargas, que desobedeceu esta imposição vendendo ferro à Polônia e Tchecoslováquia, em 1953 e 1954, a preços muito mais altos que os que pagavam os Estados Unidos.”

“No dia 21 de agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as ilegais autorizações dadas de favor à Hanna [Mining Company, multinacional de origem norte-americana] e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares obrigaram Jânio Quadros a renunciar: ‘Forças terríveis se levantaram contra mim…’, dizia o texto da renúncia.”


A leitura gera indignação e asco principalmente quando Galeano desnuda as imundas motivações por detrás do golpe militar de 1964:

“A espada de Dâmocles da resolução de Quadros permanecia em suspenso sobre a cabeça da Hanna. Por fim, o golpe de estado explodiu, no último dia de março de 1964, em Minas Gerais, que casualmente era o cenário das jazidas de ferro em disputa. ‘Para a Hanna – escreveu a revista Fortune -, a revolta que derrubou Goulart na primavera passada chegou como um desses resgates de último minuto pelo Primeiro da Cavalaria’. Homens da Hanna passaram a ocupar a vice-presidência do Brasil e três dos ministérios.”

“Depois que se cansaram de lançar na fogueira ou no fundo da Baía de Guanabara os livros de autores tais como Dostoievski, Tolstoi ou Gorki, e após terem condenado ao exílio, à prisão ou à morte uma quantidade incontável de brasileiros, o recém-instalado regime militar de Castelo Branco pôs mãos à obra: entregou o ferro e todo o resto. A Hanna recebeu seu decreto no 24 de dezembro de 1964.”


Um motivo especial para a náusea é terminar de ler esse livro em dezembro de 2022, quando hordas de insanos “patriotas” imploram por um novo golpe militar que venha restituir a “honra” e a “moral” no Brasil. Seria motivo de riso histérico, não fosse pela crescente ânsia de vômito. E essa vem sendo a nossa tétrica história, ontem e hoje. Outro episódio lamentável foi a infeliz participação brasileira na Guerra do Paraguai:

“Os paraguaios sofrem a herança de uma guerra de extermínio que se incorporou à história da América Latina como seu capítulo mais infame. (…) A invasão foi financiada, do começo ao fim, pelo Banco de Londres, a casa Baring Brothers e banco Rothschild, em empréstimos com juroso leoninos que hipotecaram o destino dos países vencedores. (…) O comércio inglês não dissimulava sua inquietação, não só porque aquele último foco de resistência nacional no coração do continente era invulnerável, mas também, e sobretudo, pela força do exemplo que a experiência paraguaia irradiava perigosamente para os vizinhos. O país mais progressista da América Latina construía seu futuro sem inversões estrangeiras, sem empréstimos do banco inglês e sem as bençãos do livre comércio.”

“O Paraguai tinha, no começo da guerra, pouco menos população do que a Argentina. Só 250 mil paraguaios, menos da sexta parte, sobreviviam em 1870. Era o triunfo da civilização. Os vencedores, arruinados pelo altíssimo custo do crime, ficavam em mãos dos banqueiros ingleses que tinham financiado a aventura.”

Uma passagem que me comoveu especialmente foi essa denúncia feita pelo autor no longínquo ano de 1971, quando o livro foi publicado  pela primeira vez:

“E os documentos oficiais vão mais longe: até se recomenda aberta e claramente a desnacionalização das empresas públicas.”

E pensar que de lá para cá o descalabro aumentou a ponto de a desnacionalização e a privatização das empresas públicas terem virado promessas de campanha! Hoje temos políticos se elegendo para assegurar que essas metas sejam cumpridas, com o voto e a gratidão do povo!

Que ninguém acuse o autor, contudo, de ingenuidade, pois lá atrás ele já fazia a ressalva:

“Entretanto, sempre que o Estado passa a ser o dono da principal riqueza de um país, é bom perguntar quem e o dono do Estado.”


Muito mais poderia ser dito sobre esse livro tão tristemente necessário, tão tragicamente atual. Mas me limito a compartilhar mais algumas pavorosas pérolas de horror colhidas pela pena genial e corajosa de Eduardo Galeano:

A reforma agrária já não é um tema maldito: os políticos aprenderam que a melhor maneira de não fazê-la consiste em invocá-la continuamente.

“Na América Latina é o normal: sempre entregam os recursos ao imperialismo em nome da falta de recursos.

“Com o petróleo ocorre, como ocorre com o café ou com a carne, que os países ricos ganham muito mais por se darem ao trabalho de consumí-lo, do que os países pobres em produzí-lo.”

“A chantagem financeira e tecnológica se soma à concorrência desleal e livre do forte frente ao fraco. Como as filiais das grandes corporações multinacionais integram uma estrutura mundial, podem dar-se ao luxo de perder dinheiro durante um ano, ou dois, o tempo que for necessário. Baixam, pois, os preços, e se sentam, esperando a rendição do acossado. Os bancos colaboram no cerco: a empresa nacional não é tão solvente como parecia, se lhe negam víveres. Encurralada, a empresa não tarda em levantar a bandeira branca. O capitalista local se converte em sócio menor ou funcionário de seus vencedores. Ou conquista a mais ambicionada das sortes: cobra o resgate de seus bens em ações da casa-matriz estrangeira e termina seus dias vivendo nababescamente uma vida de rendas.

“Esta eficiência na coordenação das operações em escala mundial, completamente à margem do ‘livre jogo das forças do mercado’, não se traduz, é claro, em preços mais baixos para os consumidores nacionais, mas sim em lucros maiores para os acionistas estrangeiros.”

Dentro de cada país se reproduz o sistema internacional de domínio que cada país padece.

“(…) sendo o Brasil um satélite dos Estados Unidos, dentro do Brasil o nordeste cumpre por sua vez a função de satélite da ‘metrópole interna’ radicada na zona sudeste.”

“A industrialização dependente aguça a concentração de renda, do ponto de vista regional e do ponto de vista social. A riqueza que gera não se irradia sobre o país inteiro nem sobre a sociedade inteira, mas consolida os desníveis existentes e inclusive os aprofunda.

“Ainda que as estatísticas sorriam, as pessoas estão arruinadas. Em sistemas organizados ao contrário, quando a economia cresce, cresce com ela a injustiça social.”

“Bem dizia Anatole France que a lei, em sua majestosa igualdade, proíbe tanto o pobre quanto o rico de dormirem sob as pontes, mendigarem nas ruas e roubarem pão.”

“’Não deixam ver o que escrevo’, dizia Blas de Otero, ‘porque escrevo o que vejo’.”

“Os navios negreiros já não cruzam mais o oceano. Agora, os traficantes de escravos operam a partir do Ministério do Trabalho.”

“O sistema quer confundir-se com o país. O sistema é o país, diz a propaganda oficial que dia e noite bombardeia os cidadãos. O inimigo do sistema é um traidor da pátria.”

“Nestas terras, o que assistimos não é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude. O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É sua consequência.

Bravo!!!


 


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FABIO SHIVA é músico, escritor e produtor cultural. Autor de “Favela Gótica” (https://www.verlidelas.com/product-page/favela-g%C3%B3tica), “Diário de um Imago” (https://www.amazon.com.br/dp/B07Z5CBTQ3) e “O Sincronicídio” (https://www.amazon.com.br/Sincronic%C3%ADdio-sexo-morte-revela%C3%A7%C3%B5es-transcendentais-ebook/dp/B09L69CN1J/). Coautor e roteirista de “ANUNNAKI - Mensageiros do Vento” (https://youtu.be/bBkdLzya3B4).

 

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Instagram: https://www.instagram.com/prosaepoesiadefabioshiva/


Conheça o novo livro de Fabio Shiva, MEDITAÇÃO PARA CRIANÇAS:

https://www.verlidelas.com/product-page/medita%C3%A7%C3%A3o-para-crian%C3%A7as

 

https://youtu.be/uyuY8KEdlJE


 

 

7 comentários:

  1. Obrigada pela partilha da publicação .))
    .
    Dezoito anos de ti, com muito Amor.🍀
    .
    Beijo, e uma ótima segunda-feira

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  2. Maravilhosamente lúcido e esclarecedor, o povo ignora

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  3. Eu compreendo melhor através da leitura deste comentário, tô compartilhando, rever crenças, analisar julgamentos se faz necessario depois deste texto
    . .Muito grata pelo envio e abrir meu coração e olhar sobre fatos históricos tão importantes que tesdoa até hj
    Muito grata

    Deus lhe abençoe e conserve sua inteligência. Sou Lícia Barretto

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  4. Um lixo


    Se você for uma pessoa leiga vai ler achando que está entendendo mas na verdade o autor fala várias baboseiras sem nenhum embassamento, exempos:
    1- ele exalta a reforma agraria, só vc assistir a sombra de stalin vc vai entender que reforma por governo nenhum ajudou a população em momento nenhum da história
    2-País sem recursos, ele cita que o país que nao tem auto suficiencia alimentar sofre e digo que o país sem liberdade economia sofre, é só pegar a suiça um país sem recursos naturais que tem ótimos idh e desenvolvimento, Brasil estado hoje 100 milhoes nao tem saneamento mas temos inumeros recursos
    petrobras extrai a mesma quantidade de petroleo a 10 anos nos USA privatizado o crescimento da extração foi 10x

    Para quem quer ler algo descente leia
    As Seis Lições de Mises
    1984
    O caminho da Servidão


    O conhecimento está disperso na sociedade, espero que nao perca seu tempo lendo esse trash

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