domingo, 29 de maio de 2011

O Pobre de Deus - Nikos Kazantzakis

Talvez esse seja um dos livros mais belos escritos pelo grego Nikos Kazantzakis, quem leu Zorba o Grego, talvez estranhe um pouco, mas é certo aqui está a marca de Nikos, seus personagens sensuais e ao mesmo tempo intensamente espirituais, nada é fácil, o viver é perigoso como diria Clarice, alias ela quem faz a tradução de Testamento Para El Greco, outro grande livro dele, e quem melhor que ela pra entender Nikos??

Aqui temos a vida romanceada de talvez um dos santos mais conhecidos, e Nikos nos convida a ver um pouco de nós mesmos.. Assim como acontece no "A Ultima Tentação de Cristo" seu santo é humano também ele sofre, chora, ao mesmo tempo está longe de nós, sua angustia e desespero nos parecem estranhos absurdos as vezes até.Nikos nos convida a andar com Francisco e com seu inseparável companheiro,Irmão Leão, e verdade seja dita é com o Irmão Leão que nos identificamos, é através dele que compreendemos, ou tentamos compreender Francisco.

Temos diversos personagens comoventes aqui, é um livro pra ser vivido, é visível que Nikos nos quer mostrar algo, ou várias coisas.

Iniciamos nossa viagem na Assis, opulenta e orgulhosa, alias iniciamos pela pena de nosso querido Irmão Leão, que rememora o inicio, o encontro com Francisco, em sua busca por Deus, encontrou Francisco daí entrou em outra estrada e lá vamos nós com ele.

Desconheço a história de S Francisco, mas creio que ainda que romanceado, Nikos chegou muito perto do que foi a luta dele, nas primeiras paginas encontramos Francisco enamorado por Clara, a bela Clara, que é até o fim o contraponto de Francisco. Um ponto que julgo importantíssimo em Kazantzakis é que mesmo estando elevado, o homem é homem, é carne, sente dor,sente paixão e desejo também.Seus personagens são criveis, palpáveis, reais.Em tempo acima de tudo são gregos, mesmo Francisco nascendo na Itália, na pena de Nikos ele é helênico, ele aspira algo inumano, grandioso, o ideal grego, ou alias o cretense está aqui. O lutar até a morte por um ideal, a aspiração de super homem, está tudo aqui.

Encontramos Francisco cantando a janela da amada, é ali, que ao vê-lo, Irmão Leão sente que finalmente encontrou, mesmo Francisco já notou, é diferente,começam a conversar, o momento é sublime e tenebroso.. Enfim a revelação, Francisco ouviu a Voz, a Voz de Deus, daí não pode fugir, Nikos nos mostra a luta terrível,velados por sua mãe e pelo Ir Leão, vários dias em que carne e espírito lutam dentro de Francisco até chegar a uma solução. Temos a fase do namoro,as perguntas sobre a procura do Irmão Leão, o relato da mãe de Francisco, a reconstrução igreja de S Damião,os primeiros dias.. Difícil não se contaminar pela alegria de Francisco.. E ai temos a primeira prova.

Aqui vemos toda a força da descrição "kazankatiana ", toda a sua dor sublime e desesperada, a Voz lhe segreda: " Francisco,será que podias ir a Assis, onde todos te conhecem, e diante da casa de teu pai começar a cantar e dançar, batendo palmas e invocando o meu nome??Poderias espezinhar e degradar esse Francisco?É ele que importuna e impede nossa reunião. Faz com que desapareça! As crianças vão te perseguir, e atirar-te pedras. As moças virão as janelas, morrendo de rir, e tu resistirás, todo coberto de sangue..mas feliz.." Francisco implora,chora.. pede tempo, a voz nega, ele pergunta, por que??E a resposta meiga, comovente: "Porque te amo!..."

A partir daí começa um caminho sem volta, o vemos, sofrer sempre a cantar e saltar, e ao seu lado o Irmão Leão, lutando, mas ao contrário de Francisco, que salvo nos momentos de desespero não nos mostra seu lado humano, a cada pisada do Irmão Leão vemos suas dúvidas,nossas dúvidas, imaginamo-nos a correr junto com Francisco e sentimos nossos pés inchados,a fome, que Francisco tomado por Deus é incapaz de sentir.. O irmão Leão é o nosso apoio, o 'carnal' e ao mesmo tempo, Kazantzakis nos mostra que ele trilha uma estrada ainda mais dura que a de Francisco, ele luta contra sua própria natureza. Ele questiona, vê, considera, sofre, chora, e no entanto segue, segue um ideal, inacessível..

Tiraria todo o prazer da leitura descrever os diálogos mais importantes aqui.. temos as primeiras conversões, os primeiros irmãos, a alegria da primeira irmandade, a chegada da "serpente", novamente a luta entre o ideal e o mais fácil.. As cruzadas..E os dois peregrinos andando no caminho, sofrendo o calor, o frio, a ida a Roma, o encontro com o Papa..o cisma da irmandade, e vamos chegando a dramática ascensão de Francisco no monte Averno sua volta a Assis e aqui temos uma das cenas mais comoventes de todo o livro, quando o irmão Leão pressentindo a perda, se revolta consigo mesmo,, sente toda a dor da despedida, " Terminou..a sua longa caminhada acaba aqui. E eu fico na metade do caminho.Nunca poderei alcançá-lo, nunca mais viajaremos juntos." Francisco o olha demoradamente, sorri amargo, e pede que escreva, começa a louvar o Criador, sua força sua bondade, o irmão Leão escreve,mas o coração apertado, vendo Francisco alegre e ele amargurado, Francisco lhe diz escreve ainda isto: "Oxalá Deus concentre em ti o eu olhar, a fim de que sua face se purifique e fulgure, irmão Leao!Oxalá ponha a sua mão no teu coração para apaziguá-lo." Escreveste? ao que o irmão Leão confirma, os olhos cheios d'água. Francisco lhe diz, guarde esse papel contigo, quando estiveres triste, leia e lembres de mim e do amor que te dediquei.. Não posso negar que essa foi uma das cenas que mais me marcou nesse livro, tive de largar o livro porque junto com o Irmão Leão eu também estava com os olhos cheios de lagrimas.

Daqui em diante temos a partida, vamos caminhando para a morte, as despedidas, e ao fim voltamos a cela em que o irmão Leão está escrevendo a história, e súbito um pardal molhado e com frio vem a sua janela, és tu Pai Francisco que vem me ver, conclui ele..

É um livro percebemos cheio de amor, alias vários amores, vemos um ideal de alcançar o Criador, sim, mas em todo o tempo a carne está ali, algumas das cenas mais comoventes e ricas são quando Francisco sente dúvidas, vemo-nos a nós mesmos quando em dúvida, independente das crenças, qualquer um que busque uma evolução espiritual, vai se identificar com Francisco e com o Irmão Leão . é nítido o embate carne/ espírito, mas ao invés de simplesmente considerar Irmão Leão carne e Francisco espírito, percebemos que a intenção de Nikos foi mais além,antes vemos os dois com a mesma luta, em níveis e reagindo de formas diferentes, e um amparando o outro. Fica patente que mesmo sendo diferentes ambos alcançam a seu modo o "topo", apesar de Irmão Leão nos contar a história, é nítido que ele já está com o "passaporte carimbado".

Uma ultima coisa a ser considerada, não é a despeito de falar de um santo um livro "religioso", é antes um livro "humano" sobre o ideal do homem de se superar a si mesmo e alcançar a perfeição, de sacrificar a tudo por um ideal.. É para ser lido, e relido.. muitas vezes.

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