Bem, ler Kate Mosse pode ser um grande prazer ou um grande tormento, se você é daqueles leitores que gosta de histórias mais diretas, sem tramas emaranhadas, esqueça desse livro.Se não gosta de estórias que emanharam presente e passado, também não é um livro para você. Depois desse aviso, você está pronto para se deparar com uma escritora muito interessante, que constrói tramas nada óbvias e tem um prazer mórbido de dificultar as coisas para o leitor.
Esse que é o segundo da chamada trilogia de Carcassonne, ainda que não exista uma sequência entre os livros apenas um fio de alguns personagens, um deles em particular o misterioso Monsieur Audric Baillard, nosso velho conhecido de "Labirinto" outro belo livro da autora.
Aqui a história inicia-se misteriosa num cemitério, aliás, em dois cemitérios, num acontece uma pantomima de um enterro, no outro a quilômetros dali, algo desperta nas sombras, ao gesto inocente de nossa heroína, Léonie ao deixar uma flor cair, algo desperta... Somos introduzidos a ideia de consequência de que uma ação pode provocar ressonâncias em lugares e tempos distintos. Esse prólogo fecha-se com essa reflexão e uma frase perfeita:
"É que, na verdade, esta história não começa com os ossos de um cemitério parisiense, mas com um baralho de cartas. O livro de imagens do diabo."
Quer algo mais pra instigar um leitor?
Daqui em diante Mosse brinda-nos com um pouco da história da Paris do fim do séc. XVIII, envolvendo-nos com a vida de um dos maiores compositores franceses, Claude Debussy. Aqui é preciso, entretanto uma advertência, ainda que sejamos informados sobre alguns fatos da vida de Debussy o livro não é nem pretende ser uma biografia, em dado ponto a autora o abandona por completo. Em rápidas pinceladas somos apresentados a vida de Léonie e seu irmão o jovem Anatole, porém conforme a estória prossegue percebemos que algo não vai bem.Surge o convite para ir em vista de uma tia na Herdade do Cade.
Aqui saltamos ao presente, encontramos a jovem e bela Meredith que se dirige nada menos a Herdade do Cade, hoje um hotel... Ela está fazendo uma biografia de Claude Debussy e paralelamente tentando descobrir as origens de sua família, cuja única pista é uma pequena partitura; sepulcro 1891. Dificuldades e desencontros à parte, vê-se diante de uma casa de porta estreita, uma tabuleta diz "Sortilège Leituras de Tarô" apesar de uma mente racionalista e suas dúvidas, uma força a impele para dentro e ao cruzar a porta "foi como se o próprio edifico prendesse a respiração; esperando,observando.." Há centenas de quilômetros dali a semelhança da cena inicial, o vento murmura uma palavra... "Enfin".
Aqui temos uma das cenas mais ricas do livro e devemos tributar louvores a Mosse pela clareza e pesquisa, sem cair no lugar comum as explicações da origem do tarô e modos de leitura, bem como a leitura mostrada, é de um realismo e pureza impressionantes. A explicação da modificação feita em uma das cartas mostra que Mosse fez o "dever de casa", a citação do vínculo entre a carta "os enamorados" e "o diabo" apesar de conhecida não é tão óbvia a um leigo.Além disso segue-se uma interessantíssima relação entre os arcanos maiores e as notas musicais, e entre o consciente e o inconsciente, quando a "vidente" distribui as cartas em grupos de sete, deixando Le Mat, O Bobo, acima de todas. Dispostas dessa forma fica patente diz ela que as fileiras representam os níveis de desenvolvimento, o consciente, inconsciente e a consciência superior, segue-se a explicação que no inicio de cada série existe uma carta "forte", "poderosa"; Le Pagad,o Mago no inicio da primeira, Le Force, a Força, no inicio da segunda e por fim Le Diable no inicio da ultima. Chama-se a atenção que essa disposição representaria a jornada de Le Mat, da ignorância para o esclarecimento, bem com das curiosas relações entre os arcanos, a Força sendo a oitava do Mago, e o Diabo a oitava da Força, bem como a semelhança do Mago e do Diabo, como aspectos de uma mesma pessoa. Para alguns, talvez esse seja um dos capítulos mais enfadonho do livro, eu particularmente o considero junto com o capitulo seguinte o Quinze (e duvido que seja a toa a leitura das cartas ser nesse capitulo, a 15º carta no tarô, é Le Diable, e acreditem-me tem tudo haver com a estória) os mais geniais do livro, ainda que não se possa alegar uma profundidade exagerada, a breve pincelada que Mosse faz é fascinante. Terminamos esse incidente com um acontecimento dramático, a vidente, Laura dá a Meredith o baralho de presente, _leve-o sinto que precisará dele.
Daqui em diante alternamos hora no presente, hora no passado e percebemos o quanto as vidas de Meredith e Léonie se relacionam, vale lembrar que em nenhum momento Mosse sugere reencarnação, a priori o vinculo está em outra coisa, que não direi para não tirar o sabor da leitura; deve-se, entretanto entender bem isso para não simplificar algo bem mais complexo que uma simplista ligação direta entre as duas.
Aos poucos Mosse vai tecendo e destecendo aos nossos olhos a complicada rede de acontecimentos, e como a ajuda de Monsieur Audric é decisiva e certos momentos, ele um dos personagens mais comoventes e misteriosos de toda a trama, nos inclinamos a ver nele Le Pagad, o Mago, e bem considerando os acontecimentos creio não ser equivocada essa interpretação.
Descontado o romance e venhamos, dada a profundidade da estória podemos dizer que ele se encaixa a perfeição na proposta do livro, o passado e o presente espelhados, tão iguais e tão diferentes.
Chegamos ao final e tal é a força das imagens mostradas que é difícil não se comover, é um final terno, como uma grande sonata que chega ao fim. Entretanto como "brincou" com música durante toda a estória, Mosse introduz uma Coda, onde com novo ritmo algumas coisas são esclarecidas.
É um belo livro, porém requer certa entrega, ele pede certo envolvimento, certo carinho, para não se tornar literalmente um sepulcro...
Olá, obrigada pelos parabéns!!!
ResponderExcluirbeijão