quarta-feira, 6 de julho de 2011

AMOR É PROSA, SEXO É POESIA - Arnaldo Jabor

Apesar de achar o Jabor um chato de galocha, um elitista desesperado com a capacidade que os pobres têm de se reproduzirem na velocidade da luz, seus textos têm o poder de despertar, inquietar, polemizar.”

Por Elenilson Nascimento

Eu sempre achei que o Arnaldo Jabor detestava pobres, talvez por causa dos seus comentários, muitas vezes jocosos, no Jornal da Globo, ou talvez ainda por causa da sua pinta de intelectual, crítico de teatro, cineasta, jornalista, roteirista e diretor de curtas e longas metragens, pinçada na minha cabeça durante muito tempo. Sempre o achei demasiadamente chato.

Na década de 90, por exemplo, por força das circunstâncias ditadas pelo governo Collor, que sucateou a produção cinematográfica nacional, Jabor foi obrigado a procurar novos rumos e encontrou no jornalismo o seu ganha-pão. Estreou como colunista de O Globo no final de 1995 e mais tarde levou para a TV Globo o estilo irônico (*que sente fedor de pobre!) com que comenta os fatos da atualidade brasileira.

Contudo, bastam alguns segundos apenas para saber que Jabor é, hoje, um dos principais intelectuais e um dos mais respeitados do país. Seus comentários, às vezes, valem mais que todo aquele bombardeio de informações repassadas pelo William Bonner, e servem como um lampejo de consciência questionando as contradições desse mundo de capitalistas, fundamentalistas e alienados. E é com esse mesmo espírito crítico que, desde os anos 90, ele vem escrevendo crônicas em alguns dos principais jornais do país.

Em 2003, uma famosa crônica do Jabor inspirou uma música igualmente famosa de Rita Lee e Roberto Carvalho: “Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão. O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. (...) O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade - nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos...”

Jabor, na época, publicou uma outra crônica que fala justamente sobre esse processo de criação e sobre a Rita: “Quando contei que a Rita Lee tinha feito uma música com letra de um artigo que escrevi sobre "amor e sexo", choveram e-mails pedindo o texto. Fiquei feliz com a música (que é linda) e porque me senti coadjuvante dessa luz que ela acendeu na cultura brasileira. Rita é um caso sério. Ela brilha, purpurina, avermelha, cintila, se traveste, cresce e diminui, incha e emagrece, mas, no fundo, ela é um caso sério. Ela faz essa visagem toda para nos fazer engolir uma dourada pílula: sua importância cultural e política no País. Rita tirou São Paulo da caretice, foi a guerreira da alegria durante a ditadura, pois, em 68, ela estava de noiva, florida, com caras e bocas, mutante, provando que, marchassem ou não os soldados, sua metamorfose continuaria e que sua alegria, alegria, era mesmo a prova dos noves. Rita não é só para ser ouvida; seus shows são um comício. A liberdade fica ali na cena, de back vocal, enquanto a Pátria, de botas e cabelo punk, dança rock, seguindo-a pelo palco como um Pluft. Eu não entendo de música, mas vejo a Rita aprontando há 30 anos, menina teimosa, sozinha, atacando o óbvio. Mas, seu protesto nunca foi chato, sua superficialidade é profunda”.

Então, em sua terceira passagem pela Som Livre, Rita lança o ótimo CD “Balacobaco”, tendo como carro-chefe a música “Amor & Sexo”, uma deliciosa balada musicada a partir dessa crônica do Jabor. E pegando a “ponga” do sucesso dessa gravação da Rita Lee, a editora Objetiva lançou 36 crônicas que questionam o comportamento humano num tom nostálgico e desiludido que nos faz viajar no tempo, mesmo para quem não vivenciou a época narrada, e remete a um desejo de mudança e a saudade de um tempo em que as pessoas acreditavam em suas ideologias e viviam imersos a planos quase utópicos para um país diferente. Mas, ainda vale lembrar, que o título do livro nada tem a ver com o conteúdo. Pelo menos para aqueles que vão pegá-lo na busca de receitas prontas para um bom relacionamento.

Apesar de achar o Jabor um chato de galocha, um elitista desesperado com a capacidade que os pobres têm de se reproduzirem na velocidade da luz, seus textos têm o poder de despertar, inquietar, polemizar. Ácidos, líricos, deliciosamente vorazes, estão sempre sintonizados com os assuntos que mexem com a vida dos brasileiros. O inconformismo com o qual o mundo se transformou é, muitas vezes, constrangedor, e é demasiadamente exposto em cada página do livro, sempre com seu humor surreal, dilacerante, às vezes, chegando ao ponto de ofender (*sempre os mais pobres, é claro) e muito levemente sarcástico, mas sem dúvida muito inteligente.

“Amor é Prosa, Sexo é Poesia” reúne algumas das melhores crônicas (*eu não acho que sejam as melhores) sobre nossas obsessões mais íntimas: sexo e amor, família, mulheres, falta de dinheiro, racismo, pobreza, mazelas, política, religião, sexualidade e depressão. São 36 textos em que Jabor anuncia sem pudores sua fome atípica de beleza. E assim-assim, exaltado, rodriguiano, que vai admitir um dos maiores medos: “Os abismos das mulheres são venenosos, o seu mistério nos mata.” E a percepção de Jabor sobre linhas intangíveis, como as que separam o amor do sexo, costuma ser tão afiadas quanto seus discursos anti-Bush. “A cultura americana está criando um ‘desencantamento’ insuportável na vida social. Vejam a arte tratada como algo desnecessário, sem lugar, vejam as mulheres nuas amontoadas na Internet.” (p.12). (“AMOR É PROSA, SEXO É POESIA”, de Arnaldo Jabor, crônicas, 197 págs, editora Objetiva – 2004)

+ Clique aqui e leia a resenha completa e também veja a Rita Lee cantado “Amor & Sexo”, música baseado numa crônica do Jabor.

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