segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O homem disfarçado


Autor: Fernando Namora

Ed. Nórdica Ltda.

338 pg

Ano: 1981


Qual a possibilidade de trocarmos uma pele construída milimetricamente a cada gesto, escolha, omissão? Qual é a verdadeira pele? Até que ponto os movimentos mecânicos, a ganância, as disputas, a mesquinhez e o medo da dor vão minando nossos espaços como seres humanos?

Esses são conflitos analisados em um texto que é uma crítica contundente à banalização da doença nas relações diárias entre médicos, hospitais, pacientes e familiares.

O livro relata momentos da vida de João Eduardo, profissional bem sucedido dentro dos padrões vigentes, cuja personalidade e sentimentos são pulverizados entre mundos inconciliáveis ou cujo ponto de contato ultrapassa sua capacidade de ação.

Porque a obra também fala da ação como agente transformador. E da incapacidade de agir que marca nosso quotidiano.

Isso fica demonstrado já nas primeiras páginas: o médico ouve gritos, uma mulher chama por socorro para o filho que sofreu um acidente. Prestar ajuda ou esconder-se por acreditar que nada mais pode ser feito? Durante a leitura, esse vagar entre uma e outra opção pode ser percebido nas relações familiares e sociais que João Eduardo constrói, permeadas pela dúvida, pelo desencanto e pela fragilidade.

Nesse sentido, lembrei de Mário de Sá-Carneiro, quando diz, em “A confissão de Lúcio”: permaneço, mas não sou. E, principalmente, reli na história de Fernando Namora - em estilo diverso, claro - a mesma agonia do poema “Quase”, também de Mário de Sá-Carneiro. A dificuldade de João Eduardo é a de dar o passo definitivo, aquele sem volta, para um mundo ou outro, de escolher. E é dificuldade oriunda da incompreensão de que a certeza não existe, de que se jogar no escuro e abrir qualquer uma das portas, como na história contada em um trecho do livro, pode ser a melhor alternativa. Ainda que essa alternativa venha misturada com o sentimento incômodo de que qualquer saída serve, porque o espelho, ao invés de um rosto, reflete uma prisão.

A leitura flui, gostosa e rápida, de forma até inesperada pela complexidade e psicologismo do tema. Por outro lado, ao invés de evolução no texto, que inicia muito bem, senti uma queda do autor. Mais ao final, as frases tornam-se pequenos discursos, viram palavras corriqueiras, saídas fáceis, quase lugar comum. E o fim, previsível, me soou, confesso, meio tolo.

Criar essa sensação no leitor foi proposital? É bem possível, mas a dúvida quanto a se foi proposital ou não tira pontos do livro

Um comentário:

  1. Gostei muito da resenha.A questão abordada no livro, essa indecisão sobre que opção tomar, é bastante interessante. Aliás, na maioria das vezes a gente acaba acreditando que a outra opção, a não tomada, seria a melhor....
    Vou procurar o livro.

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